Subtraindo disparidades: formanda da USP ganha prêmio internacional por pesquisa matemática

Jaqueline Godoy é a única pesquisadora da América do Sul, Central e do Caribe com reconhecimento oferecido pelo Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional da Itália a jovens cientistas estrangeiras de destaque

 14/03/2023 - Publicado há 1 ano
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Jaqueline Godoy é a única matemática brasileira a receber a premiação internacional pelo governo italiano – Fotomontagem: Jornal da USP – Fotos: Arquivo Pessoal e Pexels

 

Embora o Dia Internacional das Mulheres tenha passado, nunca é demais reconhecer as conquistas de figuras femininas. Ex-aluna do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP em São Carlos, Jaqueline Godoy é a única matemática brasileira a receber a premiação internacional pelo governo italiano, com pesquisas desenvolvidas em uma área ainda marcada pela desigualdade de gênero.

A cientista e hoje atual professora do Departamento de Matemática da Universidade de Brasília (UnB) foi reconhecida pelo prêmio Science, She says! Award, destinado a jovens pesquisadoras estrangeiras que se destacam na atividade científica. A premiação é oferecida pelo Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional da Itália.

Na noite de premiação, Jaqueline fez um discurso no qual destacou a importância de outras mulheres que vieram antes dela à medida que trilharam um caminho de muitos desafios, mas também de muita inspiração. “Se estou ganhando este prêmio, é porque muitas mulheres no passado lutaram e morreram para permitir que eu e outras mulheres ao redor do mundo pudéssemos estudar e fazer progressos significativos na ciência”, ressaltou.

“É meu dever dizer ao mundo inteiro que nós, mulheres cientistas de todas as áreas, podemos fazer muito mais pela ciência, podemos ajudar a resolver os desafios globais, promovendo relevantes transformações no mundo.” – Jaqueline Godoy

 

 

Essa também não é a primeira vez que a pesquisadora conquista um prêmio internacional. Em 2019, ela recebeu o único prêmio brasileiro exclusivo para mulheres, o Para Mulheres na Ciência, na categoria Matemática, oferecido pela L’Oréal em parceria com a Unesco Brasil e a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Na época, o prêmio foi um marco na carreira da pesquisadora. 

Segundo ela, após a premiação, suas produções científicas começaram a ganhar mais visibilidade. “Acho até que esse é um dos grandes impactos positivos, porque a gente não conhece muito sobre as pesquisas que as mulheres estão desenvolvendo no País, principalmente na área da matemática”, celebra a professora. Hoje ela estuda equações diferenciais com retardos, que são importantes para descrever fenômenos que não acontecem instantaneamente, mas que decorrem um certo tempo entre a causa e o efeito. Essas equações podem ser importantes para descrever o mercado financeiro, as flutuações do dólar ou do euro, por exemplo.

Somando inspirações

Jaqueline Godoy – Foto: Arquivo Pessoal

Em entrevista ao Jornal da USP, a matemática fala de algumas figuras femininas que a inspiraram a seguir na carreira. “Entre elas, eu citaria a Marcia Barbosa, Keti Tenenblat, Maria José Pacífico, Maria Aparecida Ruas, Helena Nader, Mercedes Bustamante, Márcia Abrahão, entre outras. Lembrar dessas mulheres me dá forças para seguir e continuar acreditando que eu posso ir ainda mais longe”, complementa a docente.

Jaqueline também lembra que, inicialmente, foi difícil sua família aceitar sua paixão pela matemática. “Meus pais sonhavam que eu seguisse profissões que tinham um maior status social e econômico, como medicina ou engenharia. Achavam que seguir a carreira de matemática ou física poderia não me proporcionar um futuro adequado”, afirma. 

Após ingressar na matemática, ainda era frequente o receio do seu pai pela escolha que a pesquisadora tinha feito para sua vida. “Meu pai sempre falava assim: ‘não, tudo bem, faz matemática, mas depois você faz um curso para não morrer de fome’”, relembra. 

Segundo a pesquisadora, falas como essa são constantes em um país como o Brasil, cujas produções científicas não são tão valorizadas e, no caso das mulheres, nem sempre reconhecidas. “Seria muito importante termos mais prêmios e mais formas de reconhecimento nacional para as mulheres na área de matemática. Isso seria um grande estímulo e, também, aumentaria a representatividade feminina a seguir nesta carreira”, acredita a docente.

À esquerda de Jaqueline, Marcia Abrahão, atual reitora da UnB, e à sua direita, Maria Emília Walther, decana de pesquisa e inovação da mesma universidade – Foto: Arquivo pessoal

 

Hoje assumindo a posição de vice-presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, Jaqueline reconhece a necessidade de políticas que permitam a garotas se interessarem por ciência desde a infância. “Eu sou a quarta mulher a ocupar essa posição. Isso é muito importante em termos de representatividade. A partir do momento que uma mulher assume uma posição deste tipo, outras mulheres se veem representadas e se enxergam também nesta posição.”  

“O fato de termos poucas mulheres na matemática é reflexo das diversas tecnologias de gênero que são inseridas desde a infância, com brinquedos diferenciados para meninas e meninos, em que os brinquedos dados às meninas são mais voltados ao cuidar, enquanto os brinquedos dados aos meninos estão mais voltados ao raciocínio lógico-dedutivo.”

E é por meio da representatividade que Jaqueline carrega, de impulsionar mais mulheres a se interessarem pelas ciências exatas, que ela vem desenvolvendo algumas atividades que tornem as meninas aliadas em busca da igualdade de gênero nessas áreas. São inúmeras as atividades que ela desenvolve além da docência. São elas: participar do comitê gestor do Torneio Meninas na Matemática, que seria a olimpíada brasileira de matemática para meninas; coordenar um treinamento em liderança feminina com 70 mulheres por meio de um edital da British Council cedido à Sociedade Brasileira de Matemática; desenvolver um programa de mentorias para estudantes de doutorado com o intuito de reduzir a evasão das meninas nessa etapa da pós-graduação. 

É notório que Jaqueline se preocupa com as questões de gênero nas ciências. Ela já fez parte da Comissão de Gênero e Diversidade da Sociedade Brasileira de Matemática e da Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional. Hoje a docente é embaixadora do Committee for Women in Mathematics, da União Matemática Internacional. 

Em parceria com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Jaqueline visitou escolas em Manaus para incentivar mulheres na matemática – Foto: Arquivo pessoal

 

Somado a isso, ressalta seu compromisso em desenvolver ações que visem a tornar as ciências exatas um espaço mais acolhedor para as garotas. “Recentemente, tive um projeto de extensão aprovado pela Universidade de Brasília sobre Meninas Olímpicas, que vai começar a partir do próximo mês.” Espero conseguir com este projeto incentivar mais meninas a fazerem as olimpíadas de matemática”, acrescenta.

Saiba mais: jgmesquita@unb.br

 

Com informações da Assessoria de Comunicação do ICMC


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