Semana de Cultura na USP amplia horizontes de membros de escola de arte periférica

Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP recebeu participantes do grupo Arte Livre Itinerante, da Cidade Tiradentes, em oficinas de artes plásticas. “Consigo me imaginar fazendo obras gigantescas de instalação”, afirma estudante após visita

 Publicado: 27/08/2024 às 15:19
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“O mais importante é o contato, é o acesso dessas pessoas a tudo aquilo que a cidade oferece”, afirma a artista plástica Lúcia Machado Koch – Foto: Ding Musa e Marcelo Zocchio – ali: arte livre itinerante/Facebook

 

Criado em 2019, o Ali:Leste (Arte Livre Itinerante) é uma escola de arte livre que transita entre centros e periferias, atuante no distrito de Cidade Tiradentes, extremo Leste de São Paulo. O projeto atua na formação de jovens artistas vindos de comunidades da região.

Lúcia Koch é uma das idealizadoras do projeto Ali. A artista plástica e professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP conta que a ideia era criar uma escola informal de arte que pudesse aproximar a periferia e o centro da cidade, artistas de diferentes gerações e diferentes classes sociais. 

Profa. Lúcia Machado Koch (CAP). Foto: Reprodução/Tabakalera

“A gente sabia da potência da produção artística dessas regiões, nas bordas da cidade de São Paulo, distantes do centro, de artistas que a gente não conhece pelas vias habituais do mercado ou do circuito institucional, mas que a gente vê nas ruas”, diz.

A partir dessa proposta, o Ali se tornou um projeto de formação e integração de artistas com o que a cidade oferece, mas que nem sempre está ao alcance da periferia. O Ali realiza visitas a museus e a eventos, como o Masp e a Bienal de Artes de São Paulo. 

Durante a 2ª Semana de Cultura e Extensão da ECA, realizada em maio, o grupo participou de oficinas e visitas nos espaços do Departamento de Artes Plásticas da ECA.

Junto aos estudantes da USP, os artistas do Ali participaram de uma oficina de escultura coordenada pela professora Lúcia, na qual utilizaram os próprios corpos para fazerem moldes em gesso. Os artistas participaram ainda de uma oficina de marcenaria, com apoio do professor Mario Ramiro, também docente da ECA. 

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Os participantes confeccionaram banquinhos de madeira que serviram de assentos para a roda de conversa sobre aspectos importantes na formação do artista, que ocorreu ao final da aula. Além disso, o mobiliário agora tem como casa a sede do Ali, localizada no extremo Leste de São Paulo.

Lúcia explica que a maior parte dos gastos do projeto é justamente com o deslocamento dos participantes para a região central da cidade. Além das visitas, no âmbito de formação, o Ali também ministra aulas teóricas, workshops e outras atividades, como oficinas de pintura de tela ao ar livre em que os artistas têm a oportunidade de capturar as paisagens locais. 

Do Ali à ECA

Foi por meio de uma das oficinas de pintura ao ar livre que Jaqueline Bernardino conheceu o Ali e começou a fazer parte do projeto. Jaqueline, que havia abandonado uma graduação em Ciências Sociais, hoje é estudante de Artes Visuais na ECA.

“A gente estava lá no meio do mato fazendo pintura de paisagem com tinta a óleo, uma coisa que não é a realidade da galera que vive aqui. Aí eu fui pensando em formas de estudar, porque pessoas da periferia não têm muitas opções de estudos, faculdades”, comenta a estudante, residente do bairro de Guaianases.

Jaqueline ao lado de uma de suas obras, exposta no Espaço das Artes, na USP – Foto: Arquivo pessoal

 

Ela relembra que nunca havia encarado a USP como opção, por ter um vestibular muito difícil, mas que sua visão mudou com a entrada no Ali e o contato com a professora Lúcia, além de outros participantes que também frequentavam a Universidade. Jaqueline se inscreveu para o vestibular de 2023 e foi aprovada no curso da ECA. Hoje, ela está no quarto semestre de sua graduação.

Apesar de poder estudar na USP, Jaqueline enfrenta obstáculos como estudante periférica. Ela relata que precisou sair do trabalho por não conseguir conciliá-lo com o curso e, hoje, conta com o auxílio de permanência que a Universidade oferece. 

Ainda assim, a estudante diz que o curso a fez enxergar novas possibilidades para o seu futuro como artista. “Eu consigo me imaginar fazendo obras gigantescas de instalação. Consigo me imaginar trabalhando como artista mesmo, em exposições e galerias. E principalmente, trazendo arte para a periferia”, afirma a artista.

Além de incentivar a arte de rua, como o grafite, o Ali busca possibilitar que os artistas possam conhecer e experimentar outras linguagens artísticas e ter acesso ao capital cultural que muitas vezes é restrito a certas partes da cidade. “Eu vejo pessoas no meu grupo do Ali que sempre foram pichadores, à margem total de tudo, sem acesso a nada. Hoje, eles entram em grandes museus, são respeitados e podem conversar com gente que fez faculdade, doutorado, mestrado e ter algo em comum para conversar porque ambos conhecem profundamente sobre arte”, reitera Jaqueline. 

Cruzando distâncias

Participantes do CAP recebe Ali:Leste em oficina de marcenaria com os professores Mario Ramiro e Lúcia Koch – Foto: Mario Ramiro

 

Por acreditarem na importância de aproximar artistas com diferentes histórias e trajetórias, Lúcia e Jaqueline coordenaram a vinda dos integrantes do Ali para a USP. Jaqueline acredita que a visita tenha sido importante para os integrantes do Ali, já que a periferia não oferece o tipo de infraestrutura que a ECA possui. 

A professora conta que os alunos do departamento também se engajaram e participaram das oficinas como monitores, o que permitiu uma troca de experiências entre artistas de dentro e fora da academia. Esse foi o principal objetivo da roda de conversa ao final da oficina, na qual todos os artistas puderam contribuir com suas experiências e entender o que é importante para a sua formação, estando no centro ou na periferia.

“É uma sede muito grande dos artistas periféricos em experimentar coisas e eles sobrevivem apesar da escassez”, comenta a estudante.

Olhando para o futuro, Lúcia conta que tem planos para, desta vez, o Ali receber os estudantes da ECA, mostrar sua sede e realizar atividades artísticas lá na periferia também. “Para que eles atravessem a distância que a turma do Ali:Leste está acostumada a atravessar e ir até a Cidade Tiradentes para conhecer”, explica a professora. 

 

*Texto de Larissa Leal para o Laboratório Agência de Comunicação (LAC) da ECA, editado por Guilherme Ribeiro, estagiário sob supervisão de Tabita Said 

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