Vitor Barbosa, Leandro Felix, Katherine Martins e Daniela Altenfelder com o bolsista Fábio, sua esposa e Karine Vieira, fundadora do Instituto Responsa – Foto: Projeto Nova Rota

Projeto Nova Rota ajuda a reintegrar egressos do sistema prisional

Nascida e coordenada na Faculdade de Direito da USP, associação oferece bolsas de estudos e preparação profissional para quem saiu da prisão e busca uma nova chance; saiba como ajudar

 02/12/2022 – Publicado há 1 ano

Texto Tabita Said

O Brasil ocupa o 3º lugar no ranking de países com maior número de pessoas presas no mundo. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelaram uma tendência de crescimento da população carcerária, que atingiu o total de 820.689 pessoas custodiadas pelo Estado em 2021. Estatísticas mais recentes do Cadastro Nacional de Presos (CNJ), realizadas pelo Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, mostram que 895.576 pessoas estão em situação de prisão no País. Deste total, 44% são de presos provisórios, ainda sem uma condenação.

Além da superlotação e da violação massiva de direitos fundamentais, o sistema penitenciário brasileiro amarga a incapacidade de cumprir com o objetivo de reintegrar o egresso à sociedade. Apesar de adotar uma política de expansão do encarceramento em massa, a reincidência atingiu 42,5% em 2020, de acordo com o CNJ. O levantamento identificou que pessoas com mais de 18 anos que tinham processos registrados em 2015 retornaram ao sistema prisional até dezembro de 2019.

“Assim como eu e você, que nunca cometemos um crime, podemos cometer, o egresso também pode. Só que ele tem um histórico de vida que o deixa mais vulnerável. É preciso que alguém dê uma perspectiva para essa pessoa”, afirma Sérgio Salomão Shecaira, professor do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito (FD) da USP. O docente ressalta que muitas dessas pessoas são ligadas às minorias, que podem e devem ser ajudadas para voltarem ao sistema produtivo, ao convívio social.

Shecaira também coordena, no âmbito da FD, o Projeto Nova Rota, que oferece bolsas de estudos, preparação profissional e mentoria para reinserir quem saiu da prisão e está em busca de uma nova chance. Seja para retornar ao mercado de trabalho ou para concluir os estudos, o projeto, criado em 2019, busca tirar os egressos do sistema carcerário dos “círculos de vulnerabilidade” e evitar a reincidência. “É bastante audacioso, porque busca captar dinheiro junto à sociedade civil para facilitar a profissionalização e a escolarização desses egressos que, muitas vezes, não têm condições de cursar uma faculdade ou um curso e, ao mesmo tempo, trabalhar”, destaca. Atualmente, o professor trabalha para implantar um curso de extensão na FD baseado no projeto.

Sérgio Salomão Shecaira – Foto: FD

Shecaira, que foi presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, acredita que esta não seja uma responsabilidade exclusiva dos governos. “Se fosse assim, não teríamos mais de 9% de toda a massa laboral brasileira desempregada”, aponta. Para ele, o desafio é tornar o empresariado um aliado na reinserção social do egresso. “Temos que convencer o empregador de que é melhor ter alguém que cometeu um erro, mas está voltando ao convívio social, do que deixar essa pessoa à mercê de Deus. Porque, provavelmente, ela vai cometer de novo o mesmo erro”, destaca.

Uma das coordenadoras da iniciativa, Katherine Almeida Martins, antiga aluna da FD, que apresentou o projeto na Congregação da faculdade, relata que os selecionados recebem auxílios conforme suas condições e objetivos, e são acompanhados pelos voluntários. Junto de Katherine, Leandro Felix e Vitor Jardim Barbosa, também formados na FD, coordenam o projeto, que se tornou uma associação. “Acreditamos que a inserção social é uma via de ganho duplo. Não apenas a pessoa egressa, quando reinserida, estará em melhores condições, mas a sociedade, como um todo, também. No final, todos nós ganhamos”, afirma o grupo.

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Como funciona?

Reconhecendo a importância da educação como trampolim para a quebra de paradigmas e para a inclusão social, a proposta do Projeto Nova Rota é conceder bolsas de estudos e oferecer suporte humanitário às pessoas egressas, objetivando o acesso à educação e à capacitação profissional. O modelo de atuação envolve acompanhamento psicológico e um programa de mentoria.

Seja um doador

Como associação sem fins lucrativos, todos os recursos captados pelo Nova Rota são revertidos à própria instituição e, consequentemente, em benefício dos bolsistas do projeto. Com mais recursos em mãos, mais bolsistas serão ajudados. 

Associação Projeto Nova Rota

CNPJ: 40.777.238/0001-42

Banco: 197 – Stone Pagamentos S.A.

Agência: 0001

Conta: 4247130-0

Pix: 40.777.238/0001-42

Voluntários e parceiros

O projeto também busca captar voluntários e apoiadores para atuar em diversas frentes na associação. Para participar, preencha o formulário no site do projeto

Processo seletivo

Para se tornar bolsista do Nova Rota, o candidato deve preencher um formulário prévio com informações básicas, como tempo de egresso, moradia, renda, idade, gênero, entre outros dados. Depois, é pedida uma carta de motivação e, na terceira etapa, são feitas entrevistas de seleção.

O edital para seleção de novos bolsistas no Rio de Janeiro e em São Paulo deve ser publicado ainda este ano. Para saber mais detalhes, é necessário entrar em contato com o projeto no e-mail coordenacao@projetonovarota.org

2 ex-bolsistas

(conclusão de curso profissionalizante no Senac e curso supletivo)

18 bolsistas atuais

(cursos universitários)

Mais de 40 voluntários

(entre mentores, psicólogas e grupos de trabalho específicos)

1 psicóloga supervisora contratada

Atualmente o projeto conta com dez pessoas na coordenação e conselho fiscal, além de 11 parceiros. Entre eles, os grupos Enactus USP e o Núcleo de Pesquisa e Extensão Sobre a Pena e a Execução Penal, coordenado pela vice-diretora da FD, Ana Elisa Bechara – Imagem: reprodução[/caption]

“Fui agraciado em conhecer o Projeto Nova Rota e poder dar início a um sonho antigo: trabalhar na área de enfermagem. Para mim, participar do projeto e retomar os meus estudos têm sido um grande estímulo. Sei que será difícil, mas com a ajuda de Deus e dos novos amigos, vou poder dar ainda muita alegria à minha família e àqueles que estão ao meu redor”, afirma Fábio Cassiano Martins, que cursou técnico em Enfermagem no Colégio Paschoal Dantas com o apoio do Projeto Nova Rota.

Shecaira conta que uma das bolsistas do projeto está terminando o curso de Serviço Social na PUC. “Ela vai terminar o curso e a gente cria laços, cria teias para inseri-la no mercado de trabalho”, conta orgulhoso, reforçando que os laços afetivos são centrais no projeto. “Além do acompanhamento, damos um apoio. ‘olha, por que você não faz um mestrado, faz um idioma’. É uma troca de ideias”, diz.

Inspirados no Estatuto da Criança e do Adolescente, o projeto também conta com mentores voluntários, que mantêm contato constante para aconselhamento e promovem, ainda, a realização de encontros com os bolsistas. De acordo com a equipe do projeto, o objetivo da mentoria é desenvolver laços de amizade, promover a inspiração mútua pelo exemplo e pela troca de experiências, e servir como suporte aos desafios práticos enfrentados pelos bolsistas. “É quase uma terapia”, conta Shecaira. Ele lembra que para o acompanhamento individualizado, há profissionais da área da psicologia que realizam atendimento semanal com os bolsistas. “E ninguém ganha dinheiro com isso. A gente vive de contribuições”, destaca. Até o fim de 2022, a projeção de gastos do projeto é de R$ 92 mil.

Confira a seguir o depoimento de egressos do sistema prisional e atualmente bolsistas do projeto:


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