Inicia-se processo de substituição da Comissão de Direitos Humanos da ECA, pioneira na Universidade, pela Comissão de Inclusão e Pertencimento - Foto: Amanda Ferreira/Sites USP-ECA

Pioneira no enfrentamento a violências, ECA escolhe presidente da nova Comissão de Inclusão e Pertencimento

Novo órgão substituirá a Comissão de Direitos Humanos inaugurada em 2014; conheça também outras iniciativas da ECA para promover a diversidade

 28/04/2023 - Publicado há 12 meses

Texto: Silvana Salles
Arte: Carolina Borin Garcia

A Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP foi uma pioneira na criação de uma comissão voltada às questões de diversidade e à mediação de conflitos na comunidade uspiana. Agora, inicia um processo para substituir a pioneira Comissão de Direitos Humanos (CDH), criada em 2014, pela novíssima Comissão de Inclusão e Pertencimento (CIP), que funcionará como um braço da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), responsável por aplicar as políticas de inclusão da Universidade para o contexto específico da ECA. O pontapé inicial foi dado nessa quarta-feira, 26 de abril, na reunião da congregação que elegeu a professora Daniela Oswald para a presidência da CIP.

Daniela, que foi vice-presidente da CDH no último período, já atuava como representante da ECA junto à PRIP nesse processo de transição, cujo objetivo é unificar para toda a USP as políticas de diversidade, bem como os protocolos de acolhimento em casos de conflitos e violações de direitos humanos que ocorram no interior da comunidade universitária. Nas próximas semanas, os departamentos da ECA indicarão membros para representá-los na CIP. Também serão feitas eleições para escolher as representações discentes e dos funcionários técnico-administrativos.

Apesar da CIP substituir a CDH, será mantido o canal de escuta e acolhimento de conflitos que caracterizou a atuação da antiga comissão – a diretiva da PRIP não obriga as novas CIPs a manterem esse tipo de atividade nas unidades.

Daniela Osvald - Foto: Lattes

 “É que, pela nossa experiência da CDH, a gente precisava continuar mantendo esse canal. Não teria como mandar para a PRIP tudo que aparece aqui, né? A gente precisa tratar na comunidade ecana. Então, pela experiência da CDH, a gente absorveu na CIP”, explica Daniela Osvald. Assim, somente casos graves de violações de direitos serão encaminhados à PRIP. Para os demais conflitos, a ideia é manter uma estratégia de mediação dentro da ECA.

Como exemplo de atividades que serão desenvolvidas pela CIP, Daniela menciona um encontro aberto realizado na unidade ainda em 2022 para escutar as demandas e impressões dos estudantes da ECA que residem no Crusp. Mais recentemente, uma roda de conversa reuniu no último dia 20 estudantes e integrantes da CDH para discutir maneiras de garantir que os banheiros da ECA sejam espaços seguros e acolhedores para pessoas trans e não binárias. Na reunião, os participantes tiveram acordo sobre a adoção da simbologia trans e não binária em cartazes afixados à entrada dos banheiros e debateram as necessidades de letramento de gênero na comunidade ecana.

A mudança é vista com bons olhos pela professora Cláudia Lago, chefe do Departamento de Comunicações e Artes da ECA, pois implica a institucionalização da comissão responsável por lidar com questões étnico-raciais, de gênero e de inclusão no âmbito da comunidade acadêmica. Cláudia é integrante da Rede Não Cala – que reúne professoras e pesquisadoras da USP na luta contra o assédio – e ex-presidente da CDH da ECA. Para ela, o fato de que a antiga CDH nunca foi prevista pelas normas da Universidade limitou suas possibilidades de atuação e enfrentamento a violências.

Imagem: Facebook/Rede USP Não Cala
Imagem: Facebook/Rede USP Não Cala

“As CDHs são portas de entrada de denúncia. Se você não tem um amparo jurídico, se você não tem um amparo da própria unidade, as pessoas das CDHs ficam muito à mercê de uma série de questões”, diz Cláudia, que acredita que agora, com o projeto da PRIP e a criação das CIPs, as pessoas que integram essas comissões estarão menos vulneráveis para encaminhar os conflitos que chegarem às suas mãos, principalmente quando eles envolverem acusações contra professores.

Já a estudante de Relações Públicas Helena Leite, que participa do coletivo Opá Negra, não alimenta grandes expectativas. Embora o coletivo tivesse uma representação consultiva na antiga CDH, Helena afirma que suas posições não eram levadas muito a sério nas reuniões. “Sendo um coletivo negro, a gente não bota muita expectativa em nada porque sempre tem que ficar um pouco com o olho meio aberto para ver se não vai acontecer nada no momento que a gente relaxar. A gente espera, pelo menos, que não piore”, comenta a estudante

Comissão pioneira ajudou a pensar em políticas unitárias para a USP

A CDH da ECA foi criada em 2014, na esteira de uma denúncia de discriminação étnico-racial. Nos anos seguintes, foi reformulada e ampliada para dar conta das demandas que chegavam ao conhecimento de seus integrantes. Muitas dessas demandas diziam respeito a violências de gênero. Foi nessa época – entre 2016 e 2017 – que Cláudia Lago foi convidada para integrar a comissão. A professora, que trabalha com estudos de gênero e pesquisa a construção de alteridade em narrativas não ficcionais, presidiu a CDH até 2020. A indicação para a presidência da comissão teve a ver com sua participação em uma sindicância que apurou um caso de estupro envolvendo estudantes da Universidade.

Cláudia Lago trabalha com gênero e construção de alteridades - Foto: Lattes

“Uma das coisas que a gente fez foi mudar um pouco a composição. Porque ela não representava todos os departamentos, todas as unidades. Então, a gente ampliou. Tivemos uma representação de cada unidade, de cada departamento, da EAD (Escola de Arte Dramática) e de estudantes de graduação e pós. A gente fez um bem-bolado para a CDH ser bastante representativa e poder ampliar um pouco a atuação”, conta Cláudia.

Ela destaca o papel da CDH da ECA na organização de um seminário com representantes de outras comissões da USP junto com o antigo Escritório USP Mulheres, em 2017. O seminário resultou na construção de um documento-base com orientações para a criação de Comissões de Direitos Humanos na USP. O documento apresentava uma proposta de institucionalização das CDHs.

“A gente fez esse seminário para propor uma forma de encaminhamento unitária para a USP. Dava algumas sugestões, de que ela tinha que ter equidade de gênero, ela não podia ser uma CDH só de homens, o que acontecia em alguns lugares… Era uma proposta mínima de como estruturar uma CDH dentro da USP”, diz Cláudia. Apesar do documento nunca ter sido adotado pela Universidade, a proposta adensou o debate sobre o que viria a ser a PRIP anos depois.

Promoção da diversidade e ações afirmativas

Os primeiros resultados do Questionário de Inclusão e Pertencimento da USP, divulgados nesta semana, indicam que os estudantes da graduação são, hoje, o grupo mais diverso na Universidade: 38,1% dos graduandos são não brancos — 32% são negros — e 39% são LGBTQIAP+. No que diz respeito ao perfil étnico-racial, os números sugerem os efeitos das cotas sobre o conjunto dos estudantes. Mas o fenômeno não se repete com a mesma magnitude na pós-graduação, onde os estudantes não brancos são 31,2%.

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Na ECA, foi somente em 2022 que as ações afirmativas chegaram aos editais dos programas de pós-graduação. Os programas de Artes Visuais e Ciências da Informação reservaram, respectivamente, 30% e 35% das vagas para candidaturas de pessoas pretas, pardas e indígenas. Também previram a análise da autodeclaração de pessoas pretas e pardas em bancas de heteroidentificação em casos considerados “controversos”.

O programa de Artes Cênicas, por sua vez, reservou 50% das vagas para ações afirmativas, dividindo essa cota em 30% de vagas reservadas para pessoas pretas e pardas, 5% para indígenas, 5% para pessoas com deficiência grave, 5% para transexuais ou travestis e outros 5% para pessoas em situação de refúgio, apátridas ou portadoras de visto humanitário.

No campo da extensão, durante seus anos de funcionamento a CDH dedicou boa parte de seus esforços em ações voltadas à formação e informação da comunidade acadêmica. São ações que incluíram o projeto Curadorias – que fomentou algumas investigações artísticas relacionadas à temática dos direitos humanos –, a criação de uma subcomissão dedicada ao pensamento decolonial na educação e o projeto de extensão Diversidade da ECA. Este, também coordenado pela professora Cláudia Lago, funciona há seis anos com apoio do Programa Unificado de Bolsas (PUB) da USP e periodicamente realiza os seminários Fazendo e Desfazendo Gênero. Durante a pandemia, o projeto migrou para o formato da lives. Os vídeos continuam disponíveis no canal do Diversidade na ECA no YouTube.

O projeto Diversidade na ECA fez duas temporadas de lives durante o período de isolamento social

Os coletivos da ECA

Os coletivos têm papel fundamental na construção de espaços diversos, seguros e democráticos. Conheça alguns deles:

Opá Negra

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Formado em meados da década passada, o Opá Negra se propõe a ser um espaço de acolhimento para estudantes negras e negros da ECA. A estudante Helena Leite conta que conheceu o coletivo logo que chegou à USP, em 2020. “Quando eu entrei, eu nem me identificava como negra. Eu me entendia como parda e, na minha cabeça, eram coisas diferentes”, diz ela, sobre o impacto pessoal de participar do Opá Negra. Segundo Helena, uma tarefa central para o coletivo é ajudar pessoas negras a se enxergarem na Universidade – e isso vale tanto para os estudantes que já estão aqui quanto para os jovens que ainda cogitam prestar vestibular. Por isso, o coletivo foi bastante vocal quando chamou a atenção ao fato de que não havia nenhum convidado negro na mesa de ex-alunos ilustres da Semana de Recepção aos Calouros deste ano. “Já foi muito difícil para entrar e para continuar também é extremamente difícil. A gente tem que lidar com umas situações extremamente desagradáveis dentro da USP como um todo e na ECA também. Por exemplo, a gente praticamente não tem referências de autores negros. São pouquíssimos professores negros na ECA”, denuncia.

Contato: 

Instagram: https://www.instagram.com/opa_negra/

Facebook: https://www.facebook.com/opanegra

Camaleoa

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O coletivo Camaleoa reúne estudantes LGBTQIA+ da ECA desde 2014, quando teve início com uma mobilização de estudantes do Departamento de Artes Cênicas em repúdio a casos de opressão a pessoas LGBTQIA+ na Universidade. Antes da pandemia, o Camaleoa estava discutindo uma reestruturação interna e planos de trabalho. Embora atualmente não promova atividades na ECA, o coletivo segue ativo principalmente por meio de conversas e trocas em um grupo de WhatsApp. Participam estudantes de todos os departamentos da ECA. Para o futuro, o Camaleoa gostaria de promover atividades, ações e projetos não somente dentro da ECA, mas na USP e também fora dela.

Contato

Instagram: https://www.instagram.com/camaleoa.usp/
Facebook: https://www.facebook.com/camaleoa.usp

Coletivo de professores antirracistas da ECA

Segundo a professora Cláudia Lago, neste ano um grupo de docentes começou a se organizar em um coletivo antirracista. Uma das ações que o coletivo está iniciando é um mapeamento dos grupos, docentes e pesquisadores da ECA que trabalham com questões relativas à diversidade. Além disso, o coletivo já tem propostas para repensar os currículos, bibliografias e planos de aula dos cursos da ECA. “Refazer todo um planejamento é difícil, mas a gente tem que sensibilizar as pessoas para a necessidade de que isso vai ter que acontecer. A gente tem que fazer jus aos corpos que estão entrando nesta Universidade, que não são mais corpos brancos, de classe média etc. A gente tem que começar a atender esses corpos que não estão sendo atendidos”, afirma a docente.


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