Pesquisa vai investigar efeitos da audiodescrição em pessoas com deficiência visual

Convênio envolvendo quatro institutos da USP foi firmado com a Associação Laramara e o Instituto Jundiaiense Luiz Braille; projeto de pesquisa financiado pelo CNPq investigará a capacidade de leitura audiodescrita de pessoas com deficiência visual congênita

 05/01/2023 - Publicado há 1 ano
Foto: Freepik

A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP firmou uma parceria com a Associação Brasileira de Assistência à Pessoa Deficiente (Laramara) e com o Instituto Jundiaiense Luiz Braille de Assistência ao Deficiente da Visão para o desenvolvimento do projeto de pesquisa Recursos inferenciais na metáfora situada e audiodescrição – estudo contrastivo, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O objetivo do estudo inovador com equipe multidisciplinar é investigar os efeitos do texto audiodescrito (leitura secundada) na região occipital ventral do cérebro de pessoas com deficiência visual congênita – pessoas que deixaram de enxergar até os 5 anos de idade.

Como um projeto interdisciplinar, além da FFLCH, que é a unidade coordenadora, há outros institutos da USP parceiros: Instituto de Física, através do Laboratório de Ressonância Magnética; Instituto de Psicologia, na área de Psicologia do Desenvolvimento e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, através do Departamento de Radiologia e Oncologia do Instituto de Radiologia.

O convênio foi assinado no último mês, em cerimônia realizada no Salão Nobre do prédio da Diretoria e Administração com a presença de representantes das instituições envolvidas. A assinatura foi realizada logo depois do Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual, que é marcado no dia 13 de dezembro. A data existe desde 1961 e foi criada com o intuito de combater o preconceito e a discriminação, além de buscar a garantia de direitos e a inclusão das pessoas com deficiência visual na sociedade. No último Censo, realizado em 2010 pelo IBGE, o Brasil tinha cerca de 6,5 milhões de pessoas que são incapazes de enxergar ou que têm alguma dificuldade.

Pela FFLCH, a coordenação de ambos os convênios é da professora Maria Célia Lima Hernandes, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (DLCV). De acordo com a faculdade, o convênio com a Laramara tem vigência de cinco anos. A atual assinatura é uma renovação, pois a FFLCH já tinha uma parceria com a associação. No Instituto Jundiaiense Luiz Braille de Assistência ao Deficiente da Visão, a coordenação do acordo é do diretor-técnico Everton Lima Gondim, que é oftalmologista. O prazo de vigência é de três anos.

Além da pesquisa, os acordos têm por objetivo estabelecer a cooperação técnico-científica e o intercâmbio de informações, conhecimentos e experiências visando à formação e especialização técnica de recursos humanos. Contando com a expertise de profissionais experientes no campo da deficiência visual, a parceria também prevê o desenvolvimento institucional mediante a implementação de ações, pesquisas, cursos, seminários, programas, projetos e atividades complementares de interesse comum entre a faculdade e as instituições.

Pesquisa

Maria Célia, coordenadora geral do projeto, destaca que a ideia é retomar o ponto de chegada do estudo de Stanislas Dehaene, neurocientista francês que demonstrou que a região occipital é a base para a “caixa de letras”, um índice de alfabetização no cérebro humano. Ela lembra que, segundo o autor, somente indivíduos alfabetizados emitiriam sinais de ação identificados em imagem por ressonância magnética funcional.

De acordo com apresentação do médico oftalmologista Everton Lima Gondim, a região occipital fica na parte de trás do cérebro e é a que recebe a imagem quando a pessoa enxerga. Se a pessoa estiver de olhos fechados, esta área vai estar escura. Em pessoas com deficiência visual congênita, esta região é utilizada para outras atividades, mas se a pessoa passou a não enxergar após os 7 anos, esta área não é usada e não se desenvolve mais.

Maria Célia Lima Hernandes é professora da FFLCH e coordenadora do convênio – Foto: Reprodução/Lattes

“O estudo pretende, assim, investigar a capacidade de leitura audiodescrita de pessoas com deficiência visual congênita em contraste com o grupo de controle (videntes) por meio de experimento conduzido em etapas de afunilamento de centros de atenção lexicais, após o contexto geral audiodescrito ter sido apresentado. O foco de atenção primário será composto de metáforas em graus de complexidade diferentes”, informou Maria Célia.

Em outras palavras, espera-se monitorar a fluência verbal de leitura passiva, na competência de sinonímias e inferências de metáforas situadas e seus efeitos na região rotulada “caixa de letras”. Como método, será utilizada a combinação de audiodescrições com ressonância magnética funcional. Tanto deficientes visuais quanto videntes utilizarão máscaras escuras para impedir qualquer interferência decorrente de visão ambiental.

Em cada área de pesquisa (Física, Psicologia, Linguagem, Neurociência, Medicina), os resultados poderão gerar dinâmicas próprias em novos projetos ou ações voltadas à acessibilidade. No campo central e interdisciplinar da linguagem, os resultados poderão trazer contribuições para o campo do ensino/aprendizagem escolar, seja na produção de materiais adaptados, seja na forma de criar audiodescrições mais ajustadas a esse perfil de indivíduos.

A coordenadora do acordo acredita que “com o desenvolvimento das pesquisas, vamos, de alguma forma, provocar o assunto dentro da Universidade, na mídia e, consequentemente, na sociedade”.

Também poderá contribuir com o conhecimento em ciência básica, especialmente no que tange à evolução lexical e gramatical de construções linguísticas guiadas por mentes de deficientes visuais congênitos em contraste com as de videntes, cujos inputs visuais estão em sintonia com os materiais mais comumente veiculados. No campo técnico da audiodescrição, os resultados poderão auxiliar nos insumos para a formação de profissionais audiodescritores.

A verba do projeto vai ser usada para financiar os exames de ressonância magnética, que têm previsão de serem realizados no primeiro bimestre de 2023.

Laramara

Associação Brasileira de Assistência à Pessoa Deficiente (Laramara) é uma organização da sociedade civil que está sediada no bairro da Barra Funda, em São Paulo. Tem como missão promover o desenvolvimento integral da pessoa com deficiência visual, por meio de atendimento direto, ações de assessoramento e defesa e garantia de direitos, para a sua autonomia e inclusão social; e como visão ser o centro nacional de excelência e referência para pessoas com deficiência visual.

A Laramara foi fundada em 7 de setembro de 1991, pelo casal Mara e Victor Siaulys. A iniciativa surgiu por causa da filha deles: Lara, que foi diagnosticada com retinopatia da prematuridade, para a qual buscaram instituições e profissionais com o intuito de realizar o tratamento e sua reabilitação. Sendo assim, iniciou-se uma pesquisa abrangente sobre cegueira e deficiência visual, como meio para entender e compreender a realidade dessa pessoa, de seus familiares e seu mundo.

Essa pesquisa, juntamente com o tratamento da Lara, levou sua mãe a cursar Pedagogia e uma especialização em Deficiência Visual na USP. Com esse relato diário, seu interesse em expandir essa experiência e conhecimento em forma atendimento aos mais vulneráveis o casal reuniu um grupo de profissionais atuantes na área da pessoa com deficiência visual para fundarem a Laramara, cujo nome é a junção do nome da filha e da mãe.

O trabalho começou com crianças de 0 a 7 anos, sendo estendido a outras faixas etárias, com maior acompanhamento, demandando a ampliação das atividades e programas para outras faixas etárias. Em 1996 e 1997, com novas demandas, foi ampliado o projeto educacional, desenvolvendo programas e atividades com foco no mundo do trabalho, nas artes e cultura para jovens e adultos. A associação trouxe para o País a fabricação da máquina braile e bengala longa, importantes para a educação e reabilitação da pessoa com deficiência visual e, para isso, firmaram parceria com empresas privadas e organismos públicos para entregar um número significativo desses equipamentos para famílias carentes de todo o Brasil.

Luiz Braille

Instituto Jundiaiense Luiz Braille de Assistência ao Deficiente da Visão é uma associação civil, que tem por finalidade promover a reabilitação de pessoas com deficiência visual, através de atividades pedagógicas, físicas, psicológicas, profissionalizantes; manter oficinas ocupacionais para treinamento e capacitação; a assistência, tratamento e a reabilitação médico-oftalmológica de pessoas com deficiência visual total ou subnormal, e desenvolver campanhas de conscientização e prevenção da cegueira; promover, através de convênios, a implantação de um centro médico-oftalmológico e banco de olhos, além do desenvolvimento de cooperação técnica, pesquisa, estudos abrangendo as áreas de oftalmologia.

Foi criado em 20 de dezembro de 1941, com o objetivo de alojar e profissionalizar pessoas com deficiência visual. A proposta partiu do professor Maestro Mario Chaves, que tinha deficiência visual e conhecia as necessidades acarretadas pela condição. Ele convidou amigos e deu início à entidade, que pretendia atender não apenas moradores de Jundiaí, mas de toda a região no Estado de São Paulo.

Anos depois, notou-se a necessidade de oferecer educação acadêmica e a entidade passou a contar com aulas sobre o sistema braile e atividades de vida diária, com foco no convívio social. Com a grande procura de assistidos em idade escolar, foi contratada uma professora formada em Educação Especial para Cegos, o que acelerou o processo educacional e promoveu a integração, pela primeira vez no Estado de São Paulo, de crianças com deficiência visual ao ensino regular. Posteriormente, o braile passou a atender pessoas com baixa visão também.

Com texto de Eliete Viana, da Assessoria de Imprensa da FFLCH


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