Indo ao museu sem sair de casa: ciberexposições do AMAA retiram o patrimônio cultural das caixas e vitrines e o levam para as telas de computadores, celulares e tablets - Imagem: reprodução AMAA

Peças arqueológicas resgatam noções de masculinidade e gênero antes da colonização

Produzidas pelo Acervo Multimídia de Arqueologia e Antropologia, as ciberexposições Vira Homem! e O Sexo dos Anjos utilizam bens arqueológicos preservados em museus para discutir a representação da sexualidade na América pré-colombiana

 25/05/2023 - Publicado há 11 meses

Redação

Imagens arqueológicas, registros históricos e fotos antigas são alguns dos itens que compõem as exposições virtuais Vira Homem! O Sexo dos Anjos, no Acervo Multimídia de Arqueologia e Antropologia (AMAA). As ciberexposições, acessíveis pelo site do AMAA, discutem os papéis de gênero e as representações do masculino e do feminino em outros tempos e lugares, “antes do colonialismo e eurocentrismo se expandirem mundo afora, impondo seus valores e crenças”, indicam os colaboradores do acervo. 

O processo de curadoria das exposições contou com a participação de profissionais da Universidade Federal de Goiás, da Universidade Federal do Oeste do Pará, da Universidade Federal de Sergipe, do Núcleo de Pesquisa Arqueológica – Nuparq – do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá, e do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, entre outras instituições.

Loredana Ribeiro é doutora em Arqueologia pela USP e professora na UFPel, onde coordena o projeto de extensão AMAA - foto: reprodução/UFPel

Coordenado pela arqueóloga e historiadora Loredana Ribeiro, da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, o repositório digital utiliza o acervo arqueológico de museus universitários, entre eles peças do MAE nos conteúdos sobre branquitude e sexualidade.

“Como um projeto de divulgação científica crítica, o AMAA apresenta pesquisas de pouca circulação entre o público, daqueles estudos ligados à raça, gênero e sexualidade, e expõe a cumplicidade da ciência, enquanto instituição ocidental e colonial, na naturalização e fixação dos marcadores sociais da diferença”, aponta Loredana. “Nossos materiais denunciam como o colonialismo ainda intervêm para ocultar e distorcer os entendimentos culturais não ocidentais sobre gênero e sexualidade e a contínua retomada de povos indígenas e afrodiaspóricos”, diz. 

Articulados a partir de uma visão feminista da ciência, evidências arqueológicas, textos, audiovisuais etnográficos e históricos são organizados em narrativas que estimulam o pensamento crítico de jovens. O material também se pretende um referencial de apoio para docentes da rede básica de ensino tratarem diferentes conteúdos programáticos na perspectiva de uma educação descolonial para as relações étnico-raciais.

A ciberexposição O Sexo dos Anjos reúne peças arqueológicas, textos e imagens históricas, além de relatos contemporâneos em diferentes formatos. Juntos, esses materiais mostram um pouco da dispersão geográfica e da profundidade temporal de evidências que contestam a universalidade da dicotomia de gênero e sexualidade, apregoada pelo pensamento ocidental. O foco principal da mostra está em Abya Yala (Américas) e Pindorama (Brasil). Porém, para os pesquisadores envolvidos na curadoria, esses são entendimentos sociais e culturais sobre a vida, o corpo e os afetos com exemplos encontrados em todo o mundo e em diferentes épocas. “E muitos outros ainda virão, porque assim caminha a humanidade”, informa o grupo, destacando que os fósseis ancestrais da espécie humana não permitem uma inferência sobre os arranjos sociais praticados há milhões de anos. 

O Monumento 1 de Las Limas é uma figura esculpida em pedra verde representando uma pessoa jovem que segura um jaguar-homem bebê. A escultura olmeca divide a opinião de arqueólogos e especialistas, por retratar características tanto tidas como femininas, quanto masculinas - Fotomontagem: reprodução/AMAA

“Em 2021, recebi o convite da professora Loredana para colaborar com algumas frentes do AMAA, que vem inovando a comunicação dos acervos arqueológicos e antropológicos por meio de novas abordagens, como as discussões sobre gênero, sexualidade, classe, raça, geração, entre outros marcadores”, afirma Maurício André da Silva, educador do MAE. Ele conta que tem utilizado alguns dos materiais do AMAA nas ações educativas do MAE. “E o resultado é sempre impactante, pois as pessoas sempre saem com perguntas, curiosas e estimuladas a saírem da zona de conforto”, diz.

Vira Homem! é um comentário descolonial sobre masculinidade. A exposição discute os comportamentos e papéis sociais normativos atribuídos ao homem no repertório cultural do Ocidente. A partir de estudos de diferentes disciplinas, os pesquisadores recuperaram fatos, eventos, pensamentos e conflitos para discutir como, desde o século 16, se estabelece um entendimento social centrado no pensamento europeu sobre o que significa ser masculino. A exposição discute que este masculino está profundamente emaranhado com o entendimento do que significa ser branco.

“A assombrosa ressonância no presente de noções registradas em documentos datados de séculos atrás mostra a força da norma. E seu custo. Não seja moleque e encare!”, provoca a abertura da mostra virtual. 

Na imagem, Bruno Beger realizando estudos antropométricos no Himalaia Oriental. Antropólogo, etnólogo e explorador racial alemão, Beger trabalhou para o o Escritório de Raça e Liquidação da SS, organização paramilitar do Partido Nazista alemão - Foto: Bundesarchiv Bilder / Wikimedia Commons


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