Foto: Freepik

Meninos são mais encaminhados para orientação escolar do que meninas

Serviço de Orientação à Queixa Escolar, ligado ao Instituto de Psicologia da USP, desenvolveu uma série de vídeos para compreender os papéis sexuais na educação

 16/09/2022 - Publicado há 2 anos

Texto: Tabita Said

Arte: Guilherme Castro

O alto índice de meninos encaminhados para o serviço de Orientação à Queixa Escolar (OQE) do Instituto de Psicologia  (IP) da USP levou pesquisadores a buscarem as particularidades dos papéis sexuais na educação. De acordo com o serviço, os meninos corresponderam a cerca de 70% dos encaminhados para atendimentos e avaliações psicológicas por problemas na escola, entre 2000 e 2016. 

Apresentando informações de pesquisas desenvolvidas ao longo de sua trajetória acadêmica, Marília Carvalho, professora da Faculdade de Educação (FE) da USP, evidencia que as questões de gênero, acentuadas por critérios de renda e etnia, interferem diretamente na escolarização de crianças e jovens. A professora foi convidada pelo OQE para discutir as razões de fundo que explicariam esse dado e qualificar os números investigados pelo grupo. Os vídeos estão disponíveis no site do OQE e também no canal do serviço no Youtube. 

“De um lado, isso depende muito de como a própria escola está vendo os meninos e as meninas. E a gente percebe que o que se espera dos meninos e das meninas ainda é muito diferente”, afirma Marília, considerada uma das maiores pesquisadoras na área de gênero e educação. Em uma série de vídeos produzida pelo Portal OQE, a cientista discorre sobre as diferenças de tratamento e expectativas, que marcam a trajetória escolar de meninas e meninos. 

Partindo da caracterização, Marília explica que os avanços sobre a igualdade de direitos entre homens e mulheres ainda não representaram uma mudança de paradigma para a educação. De acordo com a pesquisadora, os dados das pesquisas refletem a desigualdade na escolarização de meninos e meninas. Exemplos disso são as maiores taxas de evasão e repetência de estudantes identificados como do sexo masculino, especialmente entre aqueles que são negros e de famílias com baixa renda. 

Marília Carvalho - Foto: Leonor Calasans/IEA-USP

Marília Carvalho pesquisa as diferenças de desempenho escolar entre meninos e meninas. Atualmente é co-coordenadora do Grupo de Estudos de Gênero, Educação e Cultura Sexual da FE-USP - Foto: Leonor Calasans/IEA-USP

Assista à entrevista completa no vídeo:

Para a professora Marília Carvalho, o padrão tido como adequado no ambiente escolar pode ser diretamente associado à forma, transversalizada pelo patriarcalismo, como meninas e meninos se apresentam e são vistos por seus professores. No vídeo, a educadora destaca problemas anteriores que foram acentuados durante a pandemia, e que estão emergindo no retorno às aulas presenciais. 

“A primeira coisa que temos que tomar como tarefa é falar sobre isso, porque quando a gente pensa que os meninos deveriam ser o foco principal da ação – meninos negros e pobres, mas meninos em geral – uma discussão sobre as masculinidades, é uma discussão muito raramente encarada”, diz. Confira no vídeo abaixo: 

Por que 70%?

Em 2018, o OQE lançou um estudo que identificou as características da demanda do serviço-escola de atendimento psicológico a queixas escolares, com o objetivo de contribuir com a pesquisa acadêmica neste tema e aperfeiçoar seu próprio banco de dados.

De acordo com a pesquisa, no período de 2000 a 2016, 1.105 pessoas buscaram o serviço de Orientação à Queixa Escolar (OQE), sendo que 277 (25%) apenas preencheram a ficha de inscrição (ST – Sem Triagem); 413 (37%) preencheram a ficha e participaram da triagem (T), mas não permaneceram no serviço; e 415 (38%) participaram de todo o processo de atendimento, que inclui o preenchimento da ficha, triagem de orientação e atendimento (TP). Em todos os casos, os atendimentos aos meninos superam os de meninas em até 74%.

Em todas as etapas do serviço de orientação, o sexo masculino (M) correspondeu à maior faixa de público atendido. Entre os 415 participantes de todo o processo, o atendimento de meninos chegou a 74%, enquanto o de meninas (F) atingiu 26% - Fonte: OQE / Gráfico: Jornal da USP

“Esse dado é possivelmente uma confirmação de estereótipos de gênero na escola pelo viés do machismo, que permeia um estar diferenciado de alunos meninos e meninas nas escolas. Isso acontece porque, muitas vezes, os meninos tendem a protagonizar o fracasso escolar, entre outros fenômenos, com uma proporção significativamente maior de queixas de bagunça, agressividade, desinteresse e de não aprendizagem”, destaca o estudo.

Mas este fenômeno não é algo novo. Estudos da década de 1990 já indicavam a maior proporção do sexo masculino entre os alunos que passam por dificuldades na escola. 

“Este estudo confirma a persistência deste fenômeno, apesar das discussões e ativismo feministas, que vêm impactando outras esferas de relações entre pessoas de diferentes sexos, como a divisão de tarefas nas famílias”, afirmam. O grupo acredita que são necessários estudos longitudinais para compreender se tal desproporção, no âmbito da vida escolar, também está sendo impactada.

Outro destaque do estudo aponta que a porcentagem de meninos que permaneceram até a terceira e última etapa do serviço também é maior. “Parece-nos que a demanda das meninas é resolvida na triagem, sem necessidade de atendimento.”

Por outro lado, um relatório que acaba de ser publicado pela Unicef revelou que o ensino de matemática a meninas é negligenciado, enquanto meninos têm 1,3 mais chances de desenvolverem boas habilidades matemáticas do que meninas. O levantamento analisou dados de mais de cem países e concluiu que questões de sexismo e estereótipos de gênero também negligenciam o potencial das meninas na sala de aula.

Perfil

O serviço de OQE atende estudantes de escolas públicas e privadas. A maior parte dos estudantes atendidos nos 16 anos analisados pela pesquisa veio de escolas públicas estaduais. Entre estes, a porcentagem de meninos encaminhados é ainda maior, chegando a 75%. Já com relação à idade, entre todos os participantes a maioria tinha 9 anos, o que corresponde à faixa entre o ensino fundamental I e II.  

As queixas comportamentais e pedagógicas são as mais frequentes. Os dados indicam que as meninas se comportam melhor, segundo o que a escola considera um comportamento adequado. Para elas, as queixas pedagógicas (80%) superam as comportamentais (64%). Com os meninos, ocorre o inverso: são considerados mais mal-comportados e queixas desse tipo superam as de aprendizagem (76% comportamentais, contra 69% pedagógicas).

“Parece uma expressão da persistência da ideia de que o insucesso escolar é fruto dos próprios alunos, pelo fato destas queixas referirem-se às condutas de comportamento manifestas no ambiente escolar”, acreditam. O grupo conclui que, por meio das queixas que chegam até o serviço, a maioria das escolas apresenta um caráter domesticador, “em que a disciplina ocupa lugar de destaque, com indícios de que esta pode estar sobrepujando a função pedagógica dessas instituições”.

Saiba mais:
https://orientacaoaqueixaescolar.ip.usp.br


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