Sátiro e Ninfa, símbolos mitológicos da sexualidade em um mosaico de um quarto em Pompeia - Imagem: Domínio Público / Wikiwand

Estudos de gênero e sexualidade na Antiguidade redimensionam tabus atuais

"Muitos moralismos não vêm exatamente da Antiguidade", afirma coordenadora do grupo de pesquisa Messalinas, da USP, que sediará congresso internacional; evento quer discutir potencialidade dos estudos de gênero no ensino de história

 24/10/2022 - Publicado há 1 ano

Tabita Said

Entre os dias 24 e 28 de outubro, o Messalinas – Grupo de Estudos sobre Gênero e Sexualidade na Antiguidade realiza seu primeiro congresso internacional, em formato totalmente digital. Com o tema Gênero e Sexualidade na Antiguidade: Possibilidades de Pesquisa e Ensino, o congresso terá como objetivo colocar pesquisas em diálogo, intensificando o debate sobre a interface entre pesquisa e ensino. As inscrições permanecerão abertas durante todo o evento e podem ser feitas pelo formulário.

O Messalinas é ligado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e é coordenado pela professora e pesquisadora Sarah Azevedo. Ela explica que o evento irá abordar documentos sobre a antiguidade mediterrânica, que diz respeito à Mesopotâmia, Egito, Grécia e Roma, além de trabalhos que abordam documentos da antiguidade chinesa. “Nossa ideia foi reunir diversidade de trabalhos, porque a teoria de gênero tem se revelado múltipla, levando a muitas divergências, o que é muito salutar”, diz.

A professora de História Antiga da FFLCH afirma que a Antiguidade é um referencial duplo: “Ao mesmo tempo é próxima e distante de nós, de forma espacial e temporal”. Para ela, embora essa história antiga do Mediterrâneo não diga respeito à história do Brasil, no sentido da continuidade espacial, é capaz de revelar muito sobre o que é o Ocidente e o que herdamos. “Queremos mostrar como este corpus documental nos diz respeito, na medida em que temos várias referências a essa Antiguidade em nossa cultura, nossa língua. E essas referências estão presentes no cinema, nas obras de arte e no ensino de história”, aponta.

O congresso também tem como foco aproximar professores do ensino fundamental e médio de pesquisadores para debater a partir da interface entre pesquisa e ensino. Os organizadores do evento querem chamar atenção para a potencialidade dos estudos de gênero no ensino de história, a partir da análise documental. Para Sarah, as pesquisas podem apoiar novas interpretações sobre papéis de gênero. 

Sarah Azevedo é professora da FFLCH e coordenadora do Messalinas - Foto: Reprodução Lattes

“Eles podem nos ajudar a pensar em como masculino e feminino são construções artificiais, que variam ao longo do tempo e do espaço, para podermos relativizar e problematizar o essencialismo. Ou seja, queremos chamar a atenção para como os comportamentos são naturalizados. O que temos percebido é que esses documentos têm revelado muito sobre o presente. A gente acaba percebendo que muitos moralismos não vêm exatamente da Antiguidade, eles são contemporâneos! Então, muitas vezes essa leitura da documentação revela isso, e a gente precisa questionar os valores da sociedade atual para poder enxergar.”

A cor rosa é fortemente associada ao feminino nos dias de hoje. Entretanto, nem sempre foi assim. Há cerca de um século atrás, no início do século 20, o rosa era associado ao masculino, sendo então compreendido como uma cor forte e decidida, enquanto o azul era relegado às meninas, como uma cor que representava a delicadeza. As cores mostram de que forma os regimes de gênero são construídos historicamente.

Confira a programação completa do congresso Gênero e Sexualidade na Antiguidade: Possibilidades de Pesquisa e Ensino clicando aqui ou na imagem.

Patriarcado avançado

Para teorizar o fenômeno do patriarcado, os conjuntos de leis da Antiguidade foram muito estudados durante o século 20. Em especial, documentos jurídicos de sociedades explicitamente patriarcais, como Mesopotâmia, Egito, Grécia e Roma. “Hoje em dia a gente tem um patriarcado que se manifesta de forma diferente. Na Antiguidade e no Medievo, ou seja, em sociedades que são pré-capitalistas, não havia ainda uma mercantilização dos corpos”, define Sarah.

A coordenadora do Messalinas afirma que a sexualidade nos dias de hoje é muito pautada no consumo de corpos, na objetificação do corpo feminino e no consumo desses corpos objetificados. “A Antiguidade pode nos oferecer um contraponto, para pensarmos nas questões de gênero e sexualidade no passado e no presente, porque capitalismo e patriarcado são dois fenômenos imbricados”, analisa. Outros valores e categorias, porém, não integravam a forma de organizar a sexualidade na Antiguidade. Por exemplo, a ideia de sexo como tabu e definições como heterossexual / homossexual. “Para fazer esta análise, temos que nos despir de certos conceitos e valores que são da contemporaneidade, então a gente acaba repensando a sociedade atual”, diz.

Além de ampliar o contexto histórico de conceitos como o patriarcado, o evento pretende apresentar outros modelos teóricos pouco explorados nos currículos. Entre as mesas de discussão, uma será sobre pré-história e Mesopotâmia, com a professora Lolita Guerra. Ela faz parte do grupo Messalinas e é professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Lolita tem se dedicado a estudar a tese do matriarcado na pré-história e as questões de gênero a partir desta hipótese. “É um tema interessante para ser trabalhado em sala de aula, porque diz respeito ao surgimento da agricultura e outras questões de gênero problemáticas, que são ensinadas de forma muito acrítica, reforçando estereótipos de gênero ao invés de combatê-los”, diz Sarah.

A definição clássica de Antiguidade ensinada atualmente também é questionada no evento, que leva esta perspectiva para as mesas de discussão. De acordo com a coordenadora do Messalinas, o currículo da história antiga surge no século 19 associado à formação das identidades nacionais, principalmente de duas grandes potências: Inglaterra e França. Os museus Britânico e do Louvre, em Paris, se apropriam de documentos da Antiguidade e os associam à origem destas nações. “Neste momento, consolida-se essa divisão entre a Antiguidade clássica, que seria Grécia e Roma, e o antigo Oriente Próximo, que seria a Mesopotâmia e o Egito. É uma divisão que está no currículo da história antiga mas é muito arbitrária e tem objetivos muito ideológicos”, conta. Ela explica que os pesquisadores da área têm optado por falar em “História do Mediterrâneo Antigo”, buscando frear uma narrativa eurocentrista da história antiga.

No total, o congresso do Messalinas terá sete mesas de debate e outras sete sessões de comunicação, que também podem ser acompanhadas pelo Youtube:

Estudos de gênero e Roma antiga

Gênero e mulheres: entre a Grécia e o Egito

Mulheres na economia romana

O gênero nos estudos sobre a Grécia e o Egito

Os estudos de gênero, a pré-história e a Mesopotâmia

os estudos de gênero e os Celtas na antiguidade

Entre a antiguidade e a contemporaneidade

A organização emitirá certificado por hora de participação.

Saiba mais:


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