Um momento de retomada

USP Pensa Brasil é um convite à reflexão sobre questões fundamentais do País

 30/08/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 01/09/2022 as 16:37

Texto: Luiz Roberto Serrano

Debate no primeiro dia do evento reuniu André Singer, Danilo Santos de Miranda, Ailton Krenak e Alexandre Saes – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“Vivemos um momento de retomada. Se o trauma da crise do coronavírus teve algum papel positivo, toda a crise o tem; no caso da Universidade teve o condão de nos mobilizar na medida em que aprofundou a nossa consciência sobre o papel civilizatório da instituição, do compromisso particular da USP com a sociedade brasileira, com o Brasil.”

Na frase da vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, na abertura do seminário USP Pensa Brasil, nesta segunda-feira, 29 de agosto, a palavra retomada significa que, depois de colaborar ativamente com o Brasil para a superação da tenebrosa crise do coronavírus, a Universidade de São Paulo pretende, mais do que nunca, colaborar com a sociedade a superar as crises, políticas, econômicas, sociais, em que o País patina longamente.

Maria Arminda do Nascimento Arruda – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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“Uma forma da USP dialogar sobre as questões centrais brasileiras”


“O aprofundamento dos problemas deste país, que parece ter perdido o rumo, passou a exigir que as nossas portas sejam integralmente abertas para encaminharmos soluções para os nossos impasses”, acrescentou. “USP Pensa Brasil é um convite à reflexão sobre questões fundamentais de nosso país, dos nossos dilemas, articulando a nossa voz autoral, somando-se a outras vozes que, na mesma sintonia, têm buscado encaminhar saídas”, apontou. E definiu: “USP Pensa Brasil afirma o papel inexcedível da USP como interlocutora, porta a esperança de mudança em direção a um país com outra envergadura”. Na sua concepção, a proposta é aprofundar o exercício “de pensar o Brasil e pensar com o Brasil”.

“Essa é uma tarefa que não cabe exclusivamente à Universidade. Não acreditamos que a complexa sociedade contemporânea pode ser captada em sua complexidade pela Universidade. Mas a USP deve se posicionar, mantendo seu compromisso com o bem-estar e com a justiça social, com a democracia e a sustentabilidade, com um projeto civilizatório”, acrescentou o professor Alexandre Macchione Saes, diretor da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin e coordenador curatorial do USP Pensa Brasil.

Alexandre Macchione Saes – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O Brasil do século 21

Lastreada em uma apresentação rica em telas com quadros e desenhos que expressam diversas interpretações de momentos da Independência brasileira, a professora Lilia Schwarcz ilustrou sua palestra Como Pensar o Brasil do Século 21?.

Demonstrou como há vários quadros que ilustram o momento em que d. Pedro I proclamou a Independência no Riacho do Ipiranga, em São Paulo, sendo o mais célebre o de Pedro Américo, pintado no fim do século 19, bem como as celebrações do ato de libertação junto à corte do Rio de Janeiro. Baseada na interpretação do historiador Hobsbawn de que o século 20 só começou a partir de 1918, simultaneamente à Primeira Guerra Mundial e à gripe espanhola, abriu as portas à interpretação de que, pelo menos para o Brasil, o século 21 começaria a contar a partir de agora, 2022, em função das efemérides que este ano reúne.

Lilia Schwarcz – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“Vivemos um grave, imenso, desagradável quadro de desigualdades dentro da sociedade brasileira”, afirmou Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc, em São Paulo, ao abrir a sessão de debatedores na abertura do seminário. “Para tentar resolvê-lo, o papel da educação é fundamental; educação e cultura são direitos de todos”, acrescentou.

Mas, na interpretação do escritor, líder indígena e ambientalista Ailton Krenak, um dos mais aplaudidos entre os palestrantes, a sociedade deveria pensar em termos de florestania, não apenas de cidadania, que só leva em consideração a experiência urbana e não a de todos os membros da sociedade.

Krenak manifestou estranheza com o distanciamento que os brasileiros mantêm dos “hermanos” latino-americanos, dentre eles especialmente os indígenas. “Limitam-se a viver dentro das estruturas que os colonizadores portugueses nos deixaram, ao invés de procurar criar estruturas mais permeáveis. Por que não parar de reproduzir o colonialismo como se fosse o nosso destino? Temos a possibilidade de inventar tudo de novo.” 

Falando para os jovens de 20, 30 anos no auditório, Krenak colocou: “Que tal a experiência de vivermos como sujeitos coletivos? Nos constituirmos numa vasta rede com experiência coletiva?”. Recomendou um olhar para “as instituições que não conseguem acolher todo mundo.” E ressaltou que a “experiência da vida não é a poupança”, no sentido de acumular bens e riquezas. “É fruição.”

Ailton Krenak – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Os clássicos foram uns dos inspiradores da palestra do cientista político André Singer, um dos debatedores da conferência. “No famoso prefácio de 1967 de Raízes do Brasil, Antonio Candido conclui com uma reflexão a respeito das condições de vida democrática no Brasil.” Qual reflexão? Vamos a ela: “No último capítulo, ‘Nossa revolução’, Sérgio Buarque de Holanda encontra elementos contrários e favoráveis à democracia na formação brasileira, deixando, no fim, a pergunta sobre quais prevaleceriam”.

Singer crê que essa pergunta continua atual. “Tal como ocorreu em 1964”, lembra, “quando Raízes do Brasil, publicado trinta anos antes, ganhou grande atualidade, a questão democrática que conclui o volume volta a estar no centro do debate.”

“Mais do que isso”, ressalta ele, “a crise política dos últimos sete anos atualizou uma relação entre desigualdade e democracia assinalada no texto”.

E qual é a atualização?

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André Singer – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Singer a explicitou citando como Antonio Candido traduziu em suas palavras, no prefácio, o raciocínio de Sérgio Buarque de Holanda: “Para a democracia vingar é preciso das camadas oprimidas da população, únicas com capacidade para revitalizar a sociedade e dar um novo sentido à vida política”.

Abertura do seminário USP Pensa Brasil


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