Teatro da USP realiza leitura pública do “Auto da Barca do Inferno”

A obra de Gil Vicente será encenada e discutida pelo próprio público no Monumento Nacional Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos, em Santos, no dia 18, sábado

 17/06/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 18/06/2016 as 14:48
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Ruínas dos Erasmos - Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Ruínas do Engenho São Jorge dos Erasmos, em Santos: testemunho da colonização portuguesa do Brasil – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

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O Teatro da USP (Tusp) e o Monumento Nacional Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos promovem no dia 18, sábado, às 15 horas, uma leitura pública da peça Auto da Barca do Inferno (ou Auto da Moralidade), de Gil Vicente. O evento terá mediação do ator e agente cultural do Tusp Otacílio Alacran e de Pedro Balle, bolsista do projeto Aprender com Cultura e Extensão da USP.

Esta é a segunda vez que o Engenho São Jorge dos Erasmos recebe uma leitura pública da peça. Localizado em Santos (SP), o engenho – doado à USP em 1958 – é a mais antiga evidência física preservada da colonização portuguesa do Brasil, construído em 1534. Cerca de duas décadas antes, Gil Vicente (1465-1537), um dos mais importantes nomes da literatura renascentista de Portugal e um dos primeiros dramaturgos portugueses, escreveu o Auto da Barca do Inferno, parte mais importante da chamada Trilogia das Barcas, composta também do Auto da Barca do Purgatório e do Auto da Barca da Glória.

De acordo com Otacílio Alacran, o fato de o local e o texto escolhidos datarem da mesma época proporciona aos participantes da experiência “uma relação de pertencimento” com o espaço físico. “Não é apenas falar, teorizar sobre um assunto. É vivenciá-lo, é uma experiência sinestésica.”

Ilustração da edição original do Auto da Barca do Inferno - Foto: Wikimedia Commons
Ilustração da edição original do Auto da Barca do Inferno – Foto: Wikimedia Commons

Alacran explica do que se trata a leitura pública que será realizada no Engenho: “Na leitura dramática, são necessários atores que tenham conhecimento prévio do texto, normalmente ensaiando-o com o diretor para depois apresentá-lo ao público. Na leitura pública, eu proponho uma experiência para que os presentes leiam e participem”.

Por trabalhar com pessoas que não têm experiência em atuação nem familiaridade com a peça apresentada, será usada uma adaptação do texto, originalmente escrito em português arcaico, para que haja uma fluência melhor da leitura.

O Auto da Barca do Inferno é uma crítica mordaz à sociedade lisboeta do tempo em que foi escrito, representando personagens das mais diversas origens e classes sociais frente a um anjo e o Diabo, que medem os pecados das almas que se apresentam a eles para decidir se são dignas de ir ao paraíso ou se merecem o inferno. Apesar de ter sido escrita nas primeiras décadas do século 16, a peça segue atual em diversos aspectos. “Por isso a importância de fazer uma contextualização de quem foi Gil Vicente, pois a humanidade que o autor do século 16 descreve ainda está presente em 2016.”

Essa contextualização será feita antes da leitura, no auditório do Engenho, pelo bolsista Pedro Balle. Depois disso, a atividade terá início, e se dará da mesma maneira que no ano passado, quando foi apresentada por professores da rede estadual durante a 27ª Semana da Educação promovida pela Secretaria da Educação de Santos. “Naquela ocasião foi um sucesso. Tivemos cerca de 60 pessoas participando, além de alguns colaboradores, e graças a isso nos convidaram a repetir o evento”, conta Alacran.

A diferença é que, agora, a leitura é aberta ao público, podendo qualquer pessoa participar dela. “Por mais que seja a mesma estrutura da leitura passada, será diferente, porque o público presente será outro”, antecipa Otacílio Alacran. “Podemos ter pessoas jovens, de menos de 20 anos, e pessoas de 80, e é muito interessante ver como elas interagem entre si e como interagem com o texto de acordo com sua bagagem. Pessoas mais tímidas, também, podem se sentir mais à vontade para participar nos momentos de coro, quando todos leem juntos, favorecendo a sinergia grupal. O grau de intensidade da leitura se dará dependendo do engajamento dos presentes naquele momento.”

Inferno e paraíso

Ilustração da edição original do Auto da Barca do Inferno - Foto: Wikimedia Commons
Ilustração da edição original do Auto da Barca do Inferno – Foto: Wikimedia Commons

Para ampliar esse engajamento, Alacran diz que a experiência se dará em vários espaços do Engenho. “Começaremos com a contextualização no auditório, depois iremos para o hall para uma nova dinâmica, e então caminharemos pelo local como numa peregrinação entre o inferno e o paraíso. As próprias pedras e ruínas do Engenho representarão a barca do inferno.” Segundo o mediador, “o aproveitamento do espaço é importantíssimo. Na dinâmica, pensamos no efeito que um determinado espaço pode proporcionar à leitura, seja um hall fechado com boa acústica ou caminhando entre as ruínas. A princípio, isso pode não ser percebido, mas há uma conexão de outra ordem entre os participantes, o espaço e o texto, uma conexão sensorial.”

Esse tipo de experiência vem sendo realizada por Alacran há sete anos. Em 2013, suas leituras públicas foram avaliadas como programa de destaque pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP. “Fiquei muito feliz com esse reconhecimento. Sou apaixonado por essas leituras e pelo efeito que elas causam nos participantes.”

Ilustração da edição original do Auto da Barca do Inferno - Foto: Wikimedia Commons
Ilustração da edição original do Auto da Barca do Inferno – Foto: Wikimedia Commons

Após a leitura, haverá um bate-papo sobre a experiência, com o qual Alacran pretende causar outro efeito ainda. “Não queremos explicar a obra. Queremos mesmo ‘jogar na roda’, sair do campo da certeza e povoar a incerteza. A incerteza não deve ser sinônimo de crise, mas de potencial para chegar a respostas.”

O evento ocorre no Monumento Nacional Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos, na rua Alan Cíber Pinto, nº 96, Vila São Jorge, em Santos (SP). Entrada grátis. As inscrições devem ser feitas pelo telefone (13) 3229-2703 ou pelo email resjesantos@gmail.com.

 

 

 

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