Seminário avalia conexões entre Romantismo e Modernismo no Brasil

Evento acontece no dia 18 de junho, a partir das 9h, na Biblioteca Brasiliana da USP, com entrada gratuita

 15/06/2018 - Publicado há 6 anos
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O escritor Machado de Assis – Foto: Luciana Christante via Visualhunt

Como o Modernismo repensou as preocupações vitais do Romantismo? Qual é o parentesco temático entre Machado de Assis e Oswald de Andrade? Como as questões cruciais do século 19 batem novamente à porta, na segunda década do século 21?

Reflexões dessa ordem dão o tom do seminário Pontes entre o Romantismo e o Modernismo Brasileiros, que acontece nesta segunda-feira, 18 de junho, das 9 às 17 horas, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da USP.

Conduzido pela historiadora e professora da Universidade Estadual de Goiás (UEG) Ana Beatriz Demarchi Barel, o evento encerra o ciclo História das relações franco-brasileiras: França e Brasil em textos e telas do século 18 ao século 20.

Partindo dos conceitos centrais da reflexão intelectual e literária da Europa do século 19, Ana Beatriz propõe investigar o impacto dessas questões no Brasil. A ideia é analisar como noções tais quais nação, povo, identidade e nacionalismo cruzaram o Atlântico e as décadas, sendo retomadas no início do século 20, tanto no velho continente como por aqui.

“No final do século 18 e início do 19 surge a ideia de Estado-nação, que tem suas origens nos debates do Iluminismo”, explica a pesquisadora. “O Estado-nação será a forma de organização política por excelência do século 19 europeu. Será nesse contexto de discussões candentes sobre a ideia de pertença a um grupo e a ideia de uma identidade que defina quem é o grupo de pessoas que compartilha um patrimônio comum – território, cultura, língua – que se desenvolverá o sentimento de nacionalismo radical, dando origem ao surgimento de correntes nacionalistas radicais tais como o fascismo, o nazismo, o salazarismo e o franquismo.”

“Se no século 19 os românticos associavam a ideia de pátria ao ideal de alma de um povo, de uma identidade única e que distinguia os povos, tornando-os únicos e especiais do ponto de vista estético, esse mesmo conceito de valorização do nacional será levado ao extremo no começo do século 20, com o desenvolvimento da industrialização e da modernidade”, complementa Ana Beatriz. “Surgem as vanguardas estéticas e será sobre essas bases que a discussão sobre o nacional e o nacionalismo voltará a ser tematizada na arte.”

Aportando no território brasileiro, esses temas, propostas e vanguardas chocaram-se com as particularidades locais, aponta a historiadora. Aos escritores nacionais não coube fazer uma cópia fiel dos modelos: foi preciso lidar com a discrepância entre os modelos de fora e o cenário nativo.

“O Brasil de 1922 tinha deixado a escravidão há pouco mais de 30 anos, era uma república recém-proclamada, ou seja, experimentava, ainda tateante, o modo de funcionamento de um país, ao menos no papel, democrático. Ou melhor, apenas no papel”, reflete Ana Beatriz. “Assim, como brilhantemente ensina Roberto Schwarz, havia um descompasso entre realidade e forma importada, dilema enfrentado no final do século 19 por Machado de Assis ao trazer para a forma do romance realista traços de nossa sociedade atrasada e estribada na escravidão.”

De acordo com a pesquisadora, a particularidade dos modernistas de 1922, herdeiros de Machado e em dia com as teorias europeias, foi usar a favor da criação o atraso nacional e a identidade híbrida brasileira. “Surge, por exemplo, a antropofagia, forma descomplexada, criada por Oswald de Andrade, de lidar com nossa vida social acanhada, positivando-a”, destaca. “A ideia é usar conceitos das vanguardas para criar arte nacional. Digeri-las, pela antropofagia, devolvendo-as sob a forma de arte nacional brasileira.”

Durante o seminário, os conceitos centrais do Romantismo serão analisados sob suas reinterpretações, tanto no contexto brasileiro quanto no das vanguardas modernistas – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Segundo Ana Beatriz, tanto Oswald quanto Mário de Andrade, que terão textos analisados no seminário, dão continuidade a temas caros ao século 19, como o nacionalismo. Tais abordagens surgem através de reflexões sobre o folclore, a língua portuguesa, a descoberta do Brasil e a sua história. Contudo, há um rompimento, aponta, com a prosa heroica e grandiloquente dos românticos. “O tom desce, não é mais retórico e erudito, necessariamente. Vide o poema Canto de regresso à pátria, de Oswald, que ecoa o poema antológico de Gonçalves Dias, Canção do exílio, questionando a ideia de nação romântica. Ou mesmo Macunaíma, que dialoga abertamente com Iracema, de José de Alencar. No entanto, o indígena, em Mário, não é idealizado como em Alencar, pois os objetivos de seus projetos são muito distintos.”

O objetivo do evento, entretanto, não é só lançar miradas ao passado. Segundo a historiadora, os temas que preocuparam os românticos e foram reelaborados pelos modernistas continuam em pauta no século 21. Algumas dessas questões, em suas novas roupagens, também serão abordadas no seminário.

“Conceitos como nacionalismo, identidade nacional, identidade soavam, para alguns, já datados até há algum tempo”, afirma Ana Beatriz. “Quando a França criou, em 2007, seu Ministério da Identidade Nacional, isso foi objeto de muito questionamento. A criação desse Ministério, contudo, é a explicitação de que esses conceitos estão novamente sendo colocados em questão, vieram à tona com força insuspeitada.”

Tudo isso, continua a professora, está inserido na problemática da globalização. “Os deslocamentos intensos de populações são uma evidência de que o propalado acesso à riqueza que seria possível com a globalização não ocorreu. Todos buscam melhores condições de vida. Nunca a noção de identidade foi tão colocada à prova. Ao mesmo tempo que todas as cidades parecem ter a mesma cara, como resultado da facilidade de circulação tanto de bens de consumo quanto de conceitos, simultaneamente, o encontro entre grupos humanos distintos provoca atritos e relações de questionamento de comportamentos e de critérios e valores em escala planetária”, analisa.

“O que se vê são conflitos que têm em sua origem elementos essencialmente definidores de identidade: religião, nacionalidade, etc. Os românticos nunca foram tão atuais”, conclui.

O seminário Pontes entre o romantismo e o modernismo brasileiros tem entrada gratuita, com inscrições pelo e-mail bbm@usp.br. A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP fica na Rua da Biblioteca, s/nº, na Cidade Universitária, em São Paulo.


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