Sandra Boeschenstein questiona as fronteiras do conhecimento

Exposição da artista suíça no Centro Maria Antonia é promovida graças a parceria entre a USP e a Universidade de Bielefeld, na Alemanha

 17/08/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 22/08/2022 as 13:49
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Sandra Boeschenstein: obras utilizam o desenho para explorar a fronteira entre tangível e intangível, imagem e linguagem, informação e poesia – Foto: Leonor Calasans/IEA-USP

“Em que momento uma coisa existe e como ela adquire significado? De que forma situação, imagem e linguagem se tocam? Qual é a aparência de um conhecimento que acena entre matéria, imagem e linguagem, não mais podendo ser extraído?”, questiona a artista visual suíça Sandra Boeschenstein. Segundo ela, “a fronteira do conhecimento se forma no jogo livre de hierarquias dessas duas ações”, resultado que apresenta em sua exposição Encantar na Fronteira do Conhecimento (Grace at the Boundary of Knowledge). Organizada em parceria com o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e o Centro de Pesquisa Interdisciplinar (ZIF) da Universidade de Bielefeld, da Alemanha, a mostra está em cartaz até 20 de novembro, no Centro Maria Antonia da USP. A entrada é gratuita.

Com curadoria do professor Martin Grossmann, coordenador acadêmico da Cátedra Olavo Setúbal de Arte, Cultura e Ciência do IEA, e Britta Padberg, diretora-executiva do ZIF, a exposição reúne obras que se utilizam do desenho, explorando a fronteira entre tangível e intangível, imagem e linguagem, informação e poesia. Instalada no Edifício Joaquim Nabuco do Centro Maria Antonia, Encantar na Fronteira do Conhecimento estabelece uma espécie de jogo com o visitante, em que as peças, o tabuleiro, as regras e os referenciais não estão objetivamente delineados e, por isso, causam estranhamentos, deslocamentos e indagações, fundamentais na expansão do conhecimento, como destacam os organizadores no material de divulgação da mostra. Segundo eles, “a exposição é um contínuo de gestos entrelaçados, colocando o ato de percepção no centro e tornando visível a natureza dinâmica dos significados”.

Para Martin Grossmann, é importante destacar a presença da primeira artista visual visitante do IEA numa exposição presencial. A primeira mostra de arte contemporânea promovida pelo IEA, About Academia, do artista espanhol Antoni Muntadas, foi realizada de forma virtual, por conta da pandemia de covid-19, em outubro de 2021. Segundo o professor, a artista foi convidada porque, além de ter a base não usual do desenho, já vem realizando projetos de residências artísticas em outros Institutos de Estudos Avançados – o IEA é sua quarta residência. “Ela realmente tem interesse por ambientes interdisciplinares“, garante Grossmann, acrescentando que o ZIF é um dos poucos Institutos de Estudos Avançados de uma universidade que têm projeto de residência artística. Grossmann também fala da importância da parceria com o Centro Maria Antonia, um centro universitário, explorando essa interface multidisciplinar do local.

O professor Martin Grossmann – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“É um trabalho ricamente estético, com rigor nos detalhes. Um desenho muito elaborado, analógico”, ressalta Grossmann. A exposição é uma sequência de obras, diz o professor: na sala maior estão dispostos 32 desenhos e na sala menor estão outros quatro trabalhos. “Há desenhos em papel, mas que a artista leva para o espaço. Todos protegidos por vidros, que, na sala menor, ganham uma licença poética e se transformam em uma prateleira transparente, recebendo objetos e até intervenções, que também são da ordem do desenho, como carimbos”, conta, informando ainda que o uso da sombra é um elemento constituinte da obra. Além disso, a artista utiliza fios como uma linha para conectar o conjunto de obras, formando uma paisagem. “Isso está na ordem do expositivo”, afirma Grossmann, que também é especialista em museus. “A artista é muito atenta a isso, e é muito interessante observar como ela vai orquestrando essas pontuações nessas obras.”

A principal característica da obra de Sandra Boeschenstein é o diálogo entre a ciência e a arte, colocando em xeque os códigos e as estruturas epistemológicas do conhecimento, destaca o professor. “É fascinante, mas não é uma exposição da beleza. Passa pelo belo, mas vai além”, define. Segundo Grossmann, ela, como artista-pesquisadora, faz essa crítica às estruturas do conhecimento – raramente questionadas – e gera a dúvida através de um deslocamento do desenho, do escapar da superfície e extrapolar o domínio do papel e começar a interferir no espaço da galeria. “É um certo xadrez, que tem a ver com arte conceitual, mas não se reduz a isso. A Sandra tem essa relação com o desenho que, apesar de ser uma linguagem artística não tão valorizada como as outras, em especial a pintura e a escultura, traz esse questionamento acerca das estruturas que nos orientam”, diz Grossmann, acrescentando que isso é fundamental, principalmente em relação aos Institutos de Estudos Avançados, dada a importância da interdisciplinaridade e da busca pela transdisciplinaridade. “É uma obra que transcende o dado comum.”

A artista suíça Sandra Boeschenstein no Centro Maria Antonia da USP – Foto: Leonor Calasans/IEA-USP

A própria artista conta, no material de divulgação, que usa o desenho como meio para observar como a cognição e o pensamento andam juntos. Para ela, “mentalmente, cognição e pensamento não possuem relação hierárquica. A minha questão é como o significado aparece enquanto eu observo e desenho”. Segundo ela, “geralmente, quando usamos diferentes meios, a linguagem ocupa um lugar de destaque, enquanto a imagem tem um caráter meramente ilustrativo ou afirmativo. Além disso, tendemos a fazer quebras de sentidos em diferentes meios, e a coesão do significado surge no custo do valor expressivo de cada meio independente”. Seu trabalho artístico busca um movimento de oposição, porque, como ela afirma, “as circunstâncias da criação da imagem são normalmente ‘cobertas’, e elas são parte integrante do resultado”.

Sandra é uma artista visual que vive e trabalha em Zurique, na Suíça. Formada em 1995 pela Universidade de Artes de Berna, estudou Filosofia e História da Arte na Universidade de Zurique. Nos últimos anos, tem expandido seu desenho em papel para desenhos em paredes, mas não só sua linguagem singular, como também suas participações em outros Institutos de Estudos Avançados da Europa fazem com que seu trabalho provoque reações e questionamentos.

A exposição conta com apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) da USP, da fundação suíça Pro Helvetia e do Grupo de Pesquisa Fórum Permanente.

A exposição Encantar na Fronteira do Conhecimento fica em cartaz até 20 de novembro, de terça a domingo e feriados, das 10 às 18 horas, no Centro Maria Antonia da USP (Rua Maria Antonia, 258, Vila Buarque, Centro, em São Paulo, próximo às estações Higienópolis-Mackenzie e Santa Cecília do Metrô). Grátis. Mais informações estão disponíveis no site do Centro Maria Antonia da USP


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