“Revista USP” aborda o universo das letras coloniais brasileiras

Publicação homenageia João Adolfo Hansen, referência nos estudos sobre literatura brasileira do século 17

 21/05/2019 - Publicado há 5 anos
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Igreja em Ouro Preto, Minas Gerais, um dos principais ambientes da literatura colonial brasileira  – Foto: 123RF

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Os 30 anos do lançamento de A Sátira e o Engenho: Gregório de Matos e a Bahia do Século XVII, de João Adolfo Hansen, professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, são lembrados no dossiê “Artes & Letras”, publicado na nova edição da Revista USP, que acaba de ser lançada. Trata-se de uma homenagem ao livro que é uma referência nos estudos das letras coloniais brasileiras. “Nele, o autor estabelecia novos caminhos para a crítica literária feita no País, ao analisar as obras do período colonial a partir das práticas artísticas em que essas obras foram produzidas’, observa o editor Jurandir Renovato, da Revista USP. “Assim, ao rejeitar rótulos como ‘transgressão’, ‘originalidade’ e mesmo o de ‘barroco’, tidos pelo autor como anacrônicos e provenientes de leituras posteriores, sejam românticas, antropofágicas e até tropicalistas, como a versão de Triste Bahia, de Caetano Veloso, e reivindicar interpretações que levassem em conta os critérios intrínsecos de sua época e estilo, Hansen abria espaço para uma vasta área de estudos analíticos, tais como estes que a Revista USP ora apresenta em seu número 121.”

O dossiê foi idealizado e organizado pelos professores Jean Pierre Chauvin, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Marcelo Lachat, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e Maria do Socorro Fernandes de Carvalho, também da Unifesp. Na apresentação, os professores destacam a importância do livro, fruto da tese de doutorado de João Adolfo Hansen defendida na FFLCH. “Obra seminal para os estudos sobre as chamadas ‘letras coloniais’, produzidas no universo luso-brasileiro, o trabalho de Hansen reorientou as pesquisas em torno do que se convencionou chamar literatura do/no Brasil, antes mesmo que o termo ‘literatura’ circulasse desse modo e com a acepção que lhe conferimos hoje”, observam os professores.

Os organizadores destacam: “Neste número da Revista USP, publica-se um texto inédito de João Adolfo Hansen, acompanhado por reflexões de pesquisadores da Unifesp, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e da USP, que pretendem dar continuidade aos trabalhos pioneiros do professor, que mostraram e compreenderam ‘ruínas’ letradas, esquecidas, em tempo de modernidades literárias”.

“Trabalho no campo literário, não sou especialista em arte sacra. Assim mesmo pensei em lhes falar sobre artes produzidas nos tempos coloniais entre o final do século 16 e o final do século 18.”

No texto inédito de Hansen que abre o dossiê, o professor aborda preceitos da produção de artes sacras na América portuguesa entre os séculos 16 e 18.  “Trabalho no campo literário, não sou especialista em arte sacra. Assim mesmo pensei em lhes falar sobre artes produzidas nos tempos coloniais entre o final do século 16 e o final do século 18, que hoje são classificadas como barrocas”, escreve. “O texto  especifica  determinações teológico-políticas e retóricas com que a Igreja Católica orientou a produção das artes sacras, adequando-as a seu combate contra Maquiavel, Lutero, Calvino, o islã, a Torá e ao controle de colonos, negros e índios.”
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Arte sobre fotos/123RF

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O artigo seguinte, “Historicidade sem crenças”, é de Maria do Socorro Fernandes de Carvalho. “Este texto propõe uma reflexão sobre alguns aspectos das edições contemporâneas de textos seiscentistas’, explica a professora. “Incide sobre questões concernentes à edição de poesia, referindo aspectos do domínio da história do livro e da cultura escrita, da historiografia da literatura nacional, de retórica e poética, enfrentando o recortado sincrônico que os processos de continuidade e descontinuidade imprimem aos modelos e imitações poéticas.”

Marcelo Lachat escreve o artigo “Letras e literatura: continuidades e descontinuidades”. Traz uma discussão sobre as noções de letras e de literatura construídas historicamente sobre continuidades letradas e descontinuidades literárias. “Pretende-se, assim, compreender melhor as especificidades das práticas letradas dos séculos 16, 17 e 18 em Portugal e na América portuguesa, a fim de que esses textos não sejam lidos fora do tempo ou apenas a partir de uma única concepção temporal: a da modernidade literária com seus anseios de ruptura.”

“Costuma-se afirmar, com alguma imprecisão, que a retórica e as demais artes preceptivas hibernaram – se é que não morreram –, entre o final do Setecentos e o início de Oitocentos.”

“Uma preceptiva de Oitocentos: a arte de escrever de Machado Coelho” é o texto de Jean Pierre Chauvin. “Costuma-se afirmar, com alguma imprecisão, que a retórica e as demais artes preceptivas hibernaram – se é que não morreram –, entre o final do Setecentos e o início de Oitocentos”, escreve Chauvin. “Neste artigo, reflete-se sobre a continuidade da tradição retórico-poética em que se escoraram os manuais de etiqueta, instrução e outras perspectivas que circularam no universo luso-brasileiro, entre os séculos 18 e 19.”

A nova edição da Revista USP – Foto: Reprodução

Marcus De Martini, professor do Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Federal de Santa Maria, questiona “O que a primeira novela brasileira pode nos dizer sobre o papel das letras coloniais no estudo de literatura?”. O artigo discute a posição lateral das terras coloniais, no âmbito das escolas e universidades, atrelada ao questionamento do papel da literatura dos métodos de ensino. “A discussão concentra-se na análise da História do Predestinado Peregrino e de seu irmão Precito, composta segundo as preceptivas retórico-poéticas, em chave teológico-política pelo jesuíta Alexandre de Gusmão, em 1682.”

Além do dossiê “Artes e Letras”, a nova edição da Revista USP tem outras atrações. Na seção Textos, a professora Célia da Graça Arribas, da Universidade Federal de Juiz de Fora, escreve sobre gênero e sexualidade no espiritismo e o professor Noé Silva, da USP, analisa o filme Aleksandr Niévski, do cineasta russo Sergei Eisenstein. Em outra seção da revista, Arte, Marcos Fabris, doutor pela USP, assina o artigo “Paul Cézanne e o Impressionismo francês no Brasil hoje”. Já em Livros, o professor José de Paula Ramos Jr., da USP, apresenta a Coleção Reserva Literária, da Editora Com-Arte, e Evaldo Piolli, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), comenta o livro A Falência da Política, de Maurício Tragtenberg.

Revista USP, número 121, dossiê “Artes & Letras”, publicação da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP (telefone 11 3091-4403), 164 páginas, R$ 20,00.

A edição completa da revista está disponível gratuitamente neste link.


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