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Recentemente, o Brasil viu estampar em seus noticiários dois novos casos de temor e ódio aos livros. No início de outubro, um colégio particular do Rio de Janeiro suspendeu a leitura de Meninos sem Pátria, romance de Luiz Puntel escrito em 1981, destinado aos estudantes do sexto ano. O motivo foi a revolta de pais de alunos, que acusavam a obra de “doutrinação comunista”. Na mesma semana, publicações sobre direitos humanos apareceram destruídas na Biblioteca Central da Universidade de Brasília (UnB). Páginas abordando a luta por direitos e o fim da ditadura militar foram encontradas rasgadas por servidores da instituição.
“Os pais precisam participar da vida da escola. Não existe escola que funcione bem sem tal participação. Mas a participação dos pais não diz respeito ao projeto pedagógico da escola”, analisa o professor da Faculdade de Educação (FE) da USP Nílson José Machado. “No caso das escolas privadas”, continua, “se os pais não concordam com tal projeto, retiram o aluno e matriculam em outra escola, com mais sintonia em termos de projetos e, sobretudo, em termos de valores. No caso da escola pública, a participação em associação de pais pode levar até o limite de solicitação de esclarecimentos à direção, mas não cabe aos pais escolher ou indicar livros, por exemplo, nem tentar influenciar a perspectiva metodológica.”
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“Canais respeitosos de comunicação podem e devem ser abertos, mas o profissionalismo dos professores e da equipe de direção e coordenação pedagógica precisa preponderar”, pontua. “A divisão de responsabilidades entre a família e a escola pressupõe diálogo franco, mas há espaços que são próprios da família, como alguns entroncamentos referentes a valores, enquanto outros são de responsabilidade precípua da escola. O terreno pedagógico é um desses espaços em que a escola deve assumir o comando.”
“Um coisa muito perigosa”
Para o professor Plinio Martins Filho, do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, essa caça às bruxas de celulose e tinta é sinal dos tempos. “Só acho que, quando se queimam livros, termina-se queimando pessoas também. Historicamente, sabemos que isso já aconteceu, na Alemanha, na Polônia. São sinais de mudanças ideológicas de pessoas que acham o livro perigoso e que é melhor destruí-lo do que discuti-lo.”
Segundo Martins, que também é editor da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP, considerar tais episódios como naturais é estimular seu crescimento. “Isso não é natural e é realmente uma coisa muito perigosa”, afirma. O docente destaca que o dano físico ou a censura não são os únicos ataques possíveis aos livros. “A destruição pode ser de outra maneira, não é preciso rasgar ou queimar. A própria política que nós temos para o livro no Brasil, o cuidado que isso realmente tem, você pode culpar outras pessoas pelo que está acontecendo.”
O incentivo ao hábito da leitura é a aposta de Plinio Martins para conter casos como o de Brasília e do Rio de Janeiro. “É muito comum ouvir dizer que o livro é caro e por isso não é consumido. Não é. No meu ponto de vista, o grande problema do livro é o hábito de leitura.” De acordo com o docente, é preciso uma política institucional que descubra o que as pessoas querem ler, principalmente no período da adolescência. “É claro que a gente quer todo mundo lendo Machado de Assis, Camões, mas qual é o preparo que as pessoas têm para ler Machado de Assis com 10, 11 anos?”
Sem conhecer a importância dos livros, não é possível defendê-los, pondera Martins. Por isso, o professor fala em “inocular o vírus da leitura”, citando a expressão usada pelo bibliófilo José Mindlin. É nesse sentido que a Biblioteca Brasiliana organiza o evento Leitura de Autores, que aproxima escritores contemporâneos do público para responderem à pergunta “por que me tornei um autor?”.
“Nenhum deles se tornou autor sem leitura. Mas o que eles leram, como leram, qual a formação deles? Nós trouxemos um colégio de periferia aqui e foi interessantíssimo. Os alunos nunca tinham visto um autor vivo”, finaliza Martins.