Poética de Regina Silveira é o destaque da mostra “Paradoxo(s)”

Obra da artista abre o diálogo dos acervos do Museu de Arte Contemporânea da USP e do Paço das Artes

 06/06/2018 - Publicado há 6 anos
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Regina Silveira, Paradoxo do Santo, 1994/2018 – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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Uma conversa que traz a arte produzida nos “anos de chumbo” e, ao mesmo tempo, a inquietação e a busca de novos caminhos. A exposição Paradoxo(s) da Arte Contemporânea: diálogos entre os acervos do MAC USP e do Paço das Artes propicia a reflexão sobre a arte e os artistas no contexto da nossa sociedade. Questiona o passado da ditadura presente nos movimentos sociais e políticos dos dias de hoje.
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Alex Flemming, Série Alturas, 1996 – Foto: Divulgação/ MAC USP

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É esse diálogo entre arte e sociedade que a parceria entre o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP e o Paço das Artes propicia na montagem da mostra, inaugurada no dia 26 de maio. A curadoria é de Ana Magalhães, pesquisadora e professora do MAC, e de Priscila Arantes, diretora artística do Paço. “Procuramos cotejar e acompanhar artistas que fizeram a história do Paço e estão presentes no acervo do MAC”, explica Ana.
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Fernando Piola, Operação Tutoia, 2007/12 – Foto: Divulgação/ MAC USP

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Nessa mostra, o Paço traz o seu trabalho de documentação, fundamental para a memória da arte contemporânea. “Por não ser um museu no sentido estrito da palavra e, portanto, não possuir uma coleção de obras de arte, o Paço das Artes tornou seu trabalho de registro e arquivo o eixo fundamental de seu acervo”, esclarece Priscila. “Poderíamos dizer que suas ações constituem uma espécie de museu imaginário, tal como o definiu André Malraux: o acervo do Paço das Artes são os artistas, as atividades, os curadores, críticos, educadores e público que passaram pela instituição.”
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Gilbertto Prado, Desertesejo, 2000/14 – Foto: Divulgação/ MAC USP

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A parceria entre as duas instituições é, segundo ressalta o diretor do MAC, Carlos Roberto Brandão, de longa data. “As duas instituições estimulam a produção contemporânea, dando especial atenção à preservação da memória e a um enfoque especial nos debates sobre documentação, arquivamento e conservação da arte contemporânea.”
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A artista refletia, assim, sobre os conflitos de dominação da América Latina, a gigante subjugada ao poderio luso-espanhol.”

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O ponto de partida é a expressividade de Regina Silveira, também professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. A artista traduz a realidade através da sua busca por novos significados, por novas formas. O resultado surpreende o espectador pela poética da arte. E, ao mesmo tempo, incita a percepção dos observadores mais atentos à subjetividade do real.
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Giselle Beiguelman, Cinema Lascado (Minhocão), 2010 – Foto: Divulgação/ MAC USP

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Logo ao entrar na mostra, o visitante se depara com um tubo preto pregado no chão. A obra chama-se Infernus, feita em 2008. Passaria despercebida. Mas se o segurança e estudioso de arte Wilmar de Veras de DCharlly estiver por ali, na entrada da galeria, ele certamente irá convidar o espectador a se aproximar e olhar dentro do tubo. O resultado é inesperado. O olho vai se deixar levar pela paisagem vermelha, parecem pétalas de uma flor. E irá, também, ouvir o barulho de água que vai começar a borbulhar em minúsculas formas. O título da obra talvez se deva ao vermelho, à inebriante tentação e curiosidade. A imagem resulta da videoarte, expressão que Regina Silveira tão bem introduziu na arte brasileira.
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Hudinilson Jr., Caderno de Referência 95, c. 2007– Foto: Divulgação/ MAC USP

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O trabalho da artista multimídia é o centro da exposição. O nome “Paradoxo” da mostra vem do título de outra célebre instalação, Paradoxo do Santo, realizada em 1994 para o Museo del Barrio, em Nova York. A obra, logo depois, passou a integrar o acervo do MAC. “O que a artista propõe aqui é o que ela mesma chama de uma instalação ambiental, na qual contrapõe a imagem popular do santo Santiago Apóstolo ou Santiago Matamoros, patrono militar da Espanha e do Novo Mundo, à grande sombra distorcida e projetada do famoso monumento dedicado a Duque de Caxias concebida pelo escultor Victor Brecheret”, argumentam as curadoras Ana e Priscila, no texto de apresentação da mostra. “A artista refletia, assim, sobre os conflitos de dominação da América Latina, a gigante subjugada ao poderio luso-espanhol, e que ainda vive sob um regime de colonialidade.”

O museu, o território, o ativismo e a violência são questões que orientaram a seleção de obras dos demais artistas.”

Os efeitos da sombra de Regina Silveira reforçam o questionamento sobre o real. Importantes também são as séries Inclusões em São Paulo, de 1973, e Interferência, de 1976. “O museu, o território, o ativismo e a violência são questões que orientaram a seleção das obras dos demais artistas”, escrevem as curadoras.
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Thiago Honório, Documents, 2012 – Foto: Divulgação/MAC USP

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O cotidiano da cidade e seus conflitos estão presentes na mostra. Os sons do elevado Presidente Costa e Silva – que em 2016 passou a se chamar Presidente João Goulart – habitam o espaço expositivo no vídeo Cinema Lascado (Minhocão), de Giselle Beiguelman, professora da USP e colunista da Rádio USP. As imagens tremulantes dos prédios lembram os espectadores sobre o projeto do então prefeito Paulo Maluf, no início de 1970. Há ainda o painel de fotos Operação Tutoia, de Fernando Piola. Nas imagens, o artista está plantando espécies de folhagens exclusivamente vermelhas no jardim do 36º Distrito Policial da Rua Tutoia, em São Paulo, que abrigou o antigo DOI-Codi durante a ditadura militar, onde 5 mil pessoas foram presas e 50 foram assassinadas. O jardim de folhagens vermelhas – símbolo de sangue, tortura, revolução e morte – foi cuidado pelo artista durante dois anos, de 2007 a 2009, mas foi destruído, embora algumas espécies tenham sobrevivido. O painel de fotos registra o seu trabalho interferindo na paisagem. Também na mostra estão a expressão da violência nos trabalhos de Thiago Honório e Hudinilson Júnior e o ativismo apresentado em vídeo digital por Eduardo Kac e Tadeu Jungle.

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Dentro da obra Infernus (veja vídeo abaixo), há uma paisagem vermelha com a aparência de pétalas de uma flor e, também, o barulho de água borbulhante – Foto: Leila Kiyomura

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Paradoxo(s) da Arte Contemporânea: diálogos entre os acervos do MAC USP e do Paço das Artes tem a curadoria de Ana Magalhães e Priscila Arantes. A exposição pode ser vista no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, de terça a domingo, das 11 às 21 horas, até o dia 5 de agosto. Fica na Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301. A entrada é franca. Mais informações pelo telefone 2648-0254.

 

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