Pinacoteca traz a vanguarda dos anos 1960

Exposição que será inaugurada no dia 27 de agosto reúne obras de artistas contemporâneos brasileiros – produzidas entre os anos 60 e 80 – para lembrar o tempo da rebeldia, a ditadura militar e também a explosão das cores do pop

 26/08/2016 - Publicado há 8 anos
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Nelson Leirner - O Porco (1)
Nelson Leirner – O Porco

Não dá para ver um porco empalhado e enjaulado em plena Pinacoteca sem se perguntar: “Isso é arte?”. Foi exatamente esta a questão levantada pelo seu próprio criador, o artista Nelson Leirner, ao júri que o aprovou, em 1966, para ser exposto no 4º Salão de Arte Moderna de Brasília. Uma pergunta divulgada através do extinto Jornal da Tarde, que, na época, levantou uma polêmica sobre os critérios da crítica de arte. Certo é que o porco ganhou fama e o artista também. E agora, décadas depois, lá está o animal cinquentão na sua própria casa. É uma das obras de destaque adquiridas para integrar o acervo da Pinacoteca. E o mais curioso: o porco enjaulado de Brasília continua sendo uma provocação direta à atual crise política.
Porco à parte, há outras obras igualmente instigantes que são apresentadas em Vanguarda Brasileira dos Anos 1960 – Coleção Roger Wright, mostra que a Pinacoteca inaugura no dia 27 de agosto, em três novas salas expositivas, intituladas Galeria Roger Wright. O curador José Augusto Ribeiro, integrante do Núcleo de Pesquisa em História e Crítica de Arte da Pinacoteca e doutorando da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, fez um recorte de 80 obras realizadas entre a década de 1960 e meados da década de 1980.
“A exposição prioriza aspectos da cultura no País entre a inauguração da cidade de Brasília, cujo plano piloto é um marco do projeto construtivo brasileiro, em 1960, e o curso da ditadura militar, de 1964 a 1985”, afirma Ribeiro. Seleção difícil diante das mais de 300 obras que Wright captou ao longo de 20 anos e das quais 140 estão em regime de comodato na Pinacoteca, em empréstimo por dez anos.

Movimentação cultural

Sérgio Camargo - Sem Titulo
Sérgio Camargo – Sem Título

Esculturas, pinturas, gravuras e instalações estão divididas nas três novas salas. São obras que contam histórias que vêm desde o final do Modernismo das décadas de 1940 e 50, ainda marcadas pelas impressões da Segunda Guerra Mundial e a influência dos Estados Unidos na cultura e na arte em geral.
“A movimentação cultural no Brasil se intensifica a partir de 1960, com manifestações de inconformismo contrárias a autoridades e oficialidades. Há a resistência à situação repressiva do regime político e a distensão das categorias artísticas, no teatro, no cinema, na música, na literatura”, conta o curador. “No campo das artes plásticas, a noção de vanguarda encontrava-se em disputa. A postura crítica da arte concreta e neoconcreta, de 1952 a 1961, em relação à pintura e à escultura parecia abrir caminho para uma multiplicidade de linguagens, materiais e procedimentos que caracterizaria as produções subsequentes.”

Helio Oiticica - Relevo espacial V1
Hélio Oiticica – Relevo Espacial V1

O visitante inicia o seu caminho com a Superfície Modulada nº 2, de Lygia Clark. Ao mesmo tempo em que se atém à geometrização da linguagem construtiva, ela recria o espaço da tela e rompe com o formato do quadro. Há também a linguagem construtiva de Sérgio Camargo e o olhar de Raymundo Colares captando as laterais dos ônibus que cruzam as ruas, numa abstração geométrica. E se surpreende com o dinamismo do Relevo Espacial, de Hélio Oiticica. A forma sai do plano e ganha o espaço tridimensional. O vermelho vivo dialoga com o espectador. E abre caminho para as cores fortes dos rebeldes.

De volta à rebeldia

Claudio Tozzi - Veja o nu
Claudio Tozzi – Veja o Nu

Protestos nas ruas, inconformismo, comunicação de massa ditando a vida, incertezas políticas, repressão da ditadura. É nesse contexto que se movimenta a arte de Claudio Tozzi, Maurício Nogueira Lima, Wesley Duke Lee, Rubens Gerchman e Antonio Henrique Amaral, entre outros. “Tornam-se comuns, daí por diante, as expressões de antiarte e os questionamentos sobre a instituição arte, sobre o circuito e as instâncias de legitimação da obra”, explica Ribeiro. “De maneira geral, os trabalhos rebatem distinções entre cultura popular e cultura erudita, ‘bom’ e ‘mau’ gosto. Apropriam-se das coisas do entorno imediato, reproduzem ou transfiguram cenas corriqueiras das ruas, da intimidade e imagens em circulação nos jornais, revistas, TV, na propaganda e nas histórias em quadrinhos. Desde aquela época até hoje, essas produções costumam ser chamadas genericamente de pop brasileiro.”

Wesley Duke Lee - Trapézio ou uma confissão
Wesley Duke Lee – Trapézio ou Uma Confissão

É o tempo da rebeldia, que, mesmo sem ser o propósito da Pinacoteca, conversa com o mundo em crise de hoje. Como ficar impune diante do gaúcho Pedro Geraldo Escosteguy, com sua obra com a frase União e LibertAção, ou a caixa de morar de Rubens Gerchman, sugerindo a vida aprisionada das metrópoles? Tem ainda a arte pop americana de Roy Lichtenstein e Andy Warhol, reinventada por Claudio Tozzi na escultura Veja o Nu, em uma referência à realidade espetacularizada do sistema capitalista e da sociedade de consumo.
Na terceira e última sala está o porco enjaulado de Brasília de Nelson Leirner. Há 50 anos, o impacto foi maior. Hoje, a transgressão da época é a sintonia da arte com a realidade.

A exposição Vanguarda Brasileira dos Anos 1960 – Coleção Roger Wright será inaugurada no dia 27 de agosto, às 11 horas, e ficará em cartaz até 26 de agosto de 2019, de quarta a segunda-feira, das 10h às 17h30, na Pinacoteca do Estado de São Paulo (Praça da Luz, 2, Luz, São Paulo). Ingressos: R$ 6,00 (grátis aos sábados). Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3324-1000 e no endereço eletrônico www.pinacoteca.org.br.


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