Peça “O Crime da Cabra”, de 1965, ganha leitura dramática

Texto de Renata Pallottini será apresentado nesta quarta-feira, dia 24, às 19h30, em São Paulo

 23/10/2018 - Publicado há 6 anos
Por
Cartaz da peça O Crime da Cabra, que estreou em 1965 e é uma das obras marcantes do teatro brasileiro no século 20 – Foto: Reprodução

.
A comédia O Crime da Cabra é ambientada no universo caipira de uma fictícia cidade do interior, que vê seu cotidiano abalado por um crime inusitado: uma cabra comeu o dinheiro da sua própria venda. Tem início uma disputa entre dois antigos amigos para saber de quem é a cabra: um vendeu e não recebeu o dinheiro; o outro pagou e não levou. Aparentemente, uma história simples, mas provocante: por trás de uma cabra, há uma discussão sobre a propriedade privada e uma crítica ao poder imposto pelos latifundiários. A peça ganha uma leitura cênica, seguida de debate, nesta quarta-feira, dia 24, às 19h30, no Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc, em São Paulo.

Renata Pallottini: história inspirada em fato ocorrido no interior de Minas Gerais – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A leitura faz parte do projeto Liberdade em Cena, promovido pelo Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (Obcom) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, em parceria com o Centro de Pesquisa e Formação do Sesc. A proposta é apresentar histórias, obras e autores que configuraram a cena teatral brasileira a partir do século 20. São peças que abrangem diversas questões nacionais, abordando as contribuições e inovações da obra à dramaturgia e ao espetáculo teatral brasileiro. Além disso, o projeto promove discussões sobre a mensagem e o conteúdo dessas obras, a fim de averiguar a importância que elas têm hoje e as razões para a sua marcante presença nos palcos brasileiros.

Segundo a autora da peça, a dramaturga e professora aposentada da USP Renata Pallottini, a história é real. Ela conta que na época em que ainda cursava a Escola de Arte Dramática da USP, em uma viagem ao interior de Minas Gerais, viu essa cena acontecer. Segundo ela, era um domingo e a feira local fervilhava de pessoas, quando observou um cego que tocava sua viola em troca de algum dinheiro e dois homens que discutiam sobre a venda de uma cabra. “Quando o dono disse que o outro não tinha dinheiro para comprar, ele colocou em cima de um balcão um maço de notas velhas, e, enquanto a discussão seguia, efetivamente a cabra comeu aquele papel velho meio enrolado”, narra. “Isso foi até noticiado nos jornais da região.”

“Esse roteiro caiu na minha mão. Eu estava terminando a cadeira de Dramaturgia e apresentei como um primeiro trabalho na faculdade”, informa. A autora também tinha acabado de cursar a Faculdade de Direito e o Código Penal entrou na história, com a discussão ganhando caráter jurídico.

Escrita em primeira versão em 1961, O Crime da Cabra estreou em 1965, com direção de Carlos Murtinho, e recebeu vários prêmios, entre eles o Molière. Com mais de uma centena de encenações, a peça também ganhou os palcos de Portugal. Além disso, o texto foi publicado em 1973 pela Revista da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) e foi roteirizado para o cinema, com direção de Carlos Ebert e Lima Duarte, Laura Cardoso e Arlete Sales no elenco.

A peça e a censura

(Clique para ampliar) Parecer que liberou para exibição a peça de Renata Pallottini em 1965, com a seguinte restrição: proibida para menores de 14 anos – Foto: Divulgação

Censurada em 1964, durante a ditadura militar, O Crime da Cabra só conseguiu estrear um ano depois. Na época, todas as peças a serem encenadas deveriam passar pela censura do Departamento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo (DDP-SP).  Tudo podia acontecer: liberação da peça, restrição quanto à faixa etária, corte de palavras, expressões, frases ou páginas e até a proibição da peça.

Após análise do censor Nestório Lips, a peça foi liberada em 26 de novembro de 1965, com uma restrição: proibida para menores de 14 anos. A explicação do censor veio com um parecer destinado ao chefe do departamento: “Na qualidade do censor responsável da comédia em três atos O Crime da Cabra, a ser levada à cena no próximo dia 3 de dezembro, no Teatro Bela Vista, pela Companhia Nydia Licia, informo a V.S. que apliquei à referida a proibição até 14 anos, tendo em vista uma expressão que não me permitiu liberá-la, mas que é admissível em tal proibição”.

O Crime da Cabra integra o Arquivo Miroel Silveira da ECA, que conta com mais de 6 mil peças censuradas em São Paulo. Os processos abrangem os períodos ditatoriais no País – a era Vargas (1930 -1945) e o início da ditadura militar (1964-1970) –, permitindo o estudo dos trâmites dos processos censórios e seus efeitos sobre a produção artística brasileira.

Nesta leitura cênica, participam, entre outros, os atores Aldo Bueno, Carlos Palma, Litta Mogoff, Oswaldo Mendes, Pedro Bonilha e Roberto Ascar. Este último também assina a direção. Logo depois acontece um debate com a dramaturga, que também é ensaísta, tradutora, poeta e membro da Academia Paulista de Letras, e José Eduardo Vendramini (graduado em Dramaturgia, Cenografia e Indumentária pela ECA e coordenador do curso de Artes Cênicas da Faculdade Paulista de Artes).

Para Renata, a discussão sobre o direito e a responsabilidade criminal veio depois daquela cena presenciada por ela em 1961, no interior de Minas Gerais, mas ainda hoje segue atual. Segundo ela, as pessoas ainda se perguntam: “quem é que perde, quem é que ganha, quem vai ser prejudicado, quem vai ser salvo?”.

A leitura de O Crime da Cabra acontece nesta quarta-feira, dia 24 de outubro, das 19h30 às 21h30, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc (Rua Doutor Plínio Barreto, 285, 4º andar, telefone 3254-5600). Inscrições gratuitas no site, onde estão mais informações. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.