Obra de Maria Bonomi na Bienal de Xangai
Foto: Divulgação

Os segredos compartilhados
de Maria Bonomi

Artista e sua trajetória são tema do filme "Maria Bonomi - As Artes na Construção do Futuro”

Texto: Leila Kiyomura
Diagramação: Cleber Siquette

23/10/2020

Uma troca de segredos. É assim que Maria Bonomi define suas reflexões compartilhadas no filme Maria Bonomi – As Artes na Construção do Futuro. Lançada no dia 14 passado, a obra é uma produção do Centro de Estudo da Paz e Resolução de Conflitos (Glip) da USP e do Projeto Métricas, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Em formato de live, documentário e reportagem, o filme é uma pausa de 44 minutos para repensar a arte, a vida, os sonhos e os caminhos que cada um, artista ou não, vai buscando. Como é do seu próprio ser, gente e artista, Maria Bonomi divide o seu conhecimento, experiência, sensibilidade e as suas verdades com todas as pessoas. “O governo que fica… fica pela arte que apoiou. Olha a história. Vou te falar uma coisa. Os governos passam, mas as obras de arte ficam”, explica.

E Maria Bonomi tem toda razão. Basta andar pela cidade de São Paulo para entender os seus caminhos da arte que hoje são de todos. Um exemplo entre tantos é o painel Epopeia Paulista, de 73 metros de comprimento e 3 metros de altura, na Estação da Luz. Criado com a participação de estudantes e de pessoas em geral no espaço da antiga sede do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, na Cidade Universitária, conta a história dos imigrantes que povoaram São Paulo. Entre eles está o sonho da menina italiana, de 11 anos, que desembarcou em um trem noturno na Luz, segurando a mão do avô. E acabou se tornando uma paulistana que imprimiu pelas ruas a sua paixão pela arte e pela cidade.

Maria Bonomi sai na defesa da arte pública. “Acredito em museu, mas de preferência aqueles que são totalmente abertos, onde o público passa sem saber que está em um museu. Um lugar com uma programação intensa, onde as pessoas passam e entram. Aí a arte também está na rua 24 horas”, comenta a artista.

“Estamos sendo empurrados numa direção em que a sensibilidade humana está à flor da pele.”

A ponte e água sólida - Foto: Divulgação

A ponte e água sólida
Foto: Divulgação

No filme Maria Bonomi – As Artes na Construção do Futuro, a artista comenta este tempo inesperado da pandemia. “Não tivemos como escolher. Se pensarmos que até março podíamos optar por onde, como e por que ir… Hoje não há mais essa possibilidade, inclusive para as soluções de vida, os encaminhamentos das propostas de trabalho.” Observa, no entanto, que o momento pode propiciar a percepção e o exercício da sensibilidade.

Maria Bonomi responde sobre as novas ideias e linguagens. “Elas são inovadas continuamente. Uma delas é a inteligência artificial, que está entrando em competição com o ser humano, tomando decisões por nós. Avançará nosso relógio inteligente para questões que não estávamos preparados e poderíamos estar vivenciando”, lamenta. “Aceleramos a busca da felicidade e aí entra a alienação, a busca do lucro imposta pelo capitalismo, que se coloca como uma forma de felicidade que não existe. Estamos em busca também da imortalidade, aí entra a ciência. Essas são as novas ideias que a inteligência artificial pode sugerir.”

Participação de Maria Bonomi na Bienal de Gravura de Xangai, aberta em junho. Foto: Divulgação

A artista chama a atenção destacando que a inteligência artificial, no entanto, não vai nos melhorar e muito menos nos conduzir a algo tranquilo. “Não. Nesse momento também surgiu a violência da xenofobia, da ganância, a crise está espalhada em todos os setores.” Chama a atenção para o alto índice de suicídio dos indígenas, a destruição das florestas, os maus tratos contra os animais. E alerta: “Estamos sendo empurrados numa direção em que a sensibilidade humana está à flor da pele. Acho que todos têm que exercer o que sentem mais do que o que sabem. Acho que é o momento de ser e não de parecer”.

“A universidade tem obrigação de conhecer melhor a que ela veio porque precisa atender não somente à questão do conhecimento, mas à questão da vida.”

A paisagem com a ponte azul sobre as ondas de águas negras é a imagem que sintetiza o pensamento de Maria Bonomi sobre a travessia da arte. No filme, a artista apresenta a gravura, nunca vista em São Paulo, mas exposta em Brasília, Madri, Paris, Neuchâtel e Liubliana. “A ponte representa a vida, o percurso, e embaixo estão as águas sólidas. Durante muito tempo insisti em fazer a ponte preta e as águas azuis. Mas, ao longo do tempo, percebi que as águas são pretas e cinzas. No entanto, a ponte é azul.”

A artista para diante da imagem. E, sem saber se foi devidamente clara, emenda: “Hoje não estou com os pés no chão”. Mas Maria Bonomi tem sempre o pé no chão e na ponte. Aos 85 anos, caminha o tempo todo. O olhar, o sorriso é de quem sobrevoa. Em plena pandemia, abriu a Bienal de Xangai de Gravura, na China (veja nesta página as imagens ainda não apresentadas no Brasil).

Como doutora por notório saber da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e como professora que incentiva os artistas, dá orientação aos jovens que estão em busca da arte, de uma profissão ou de algo que ainda não sabem. “A gente nasce artista e nasce marinheiro. É uma vocação. A vocação é que tem que ser seguida, não esperando lucro, mas em busca do próprio destino. Os jovens procuram hoje os atalhos. Mas não há atalhos. Existe o caminho.”

Como mestre nas artes, a artista também ressalta a importância das universidades. “Acho que a universidade tem obrigação de conhecer inclusive melhor a que ela veio porque precisa atender não somente à questão do conhecimento, mas à questão da vida.”

Maria Bonomi alerta: “Hoje a vida dos estudantes está em perigo por muitos motivos”. Continua: “Espero que a universidade não fique nunca dura, não seja seletiva, que atenda todo mundo, que distribua, que a sua responsabilidade seja cumprida nas mínimas coisas. A universidade é muito mais do que uma escola. É um grande universo. Precisa garantir o que está dentro, que é a ciência e a pesquisa, e, ao mesmo tempo, a vida dos que estão fora, para que possam acessá-la. Você não pode estudar se tiver fome. A universidade precisa gerar homens que trabalhem, que se dirijam para o bem”.

Borbulhas, gravura de 2019
Foto: Reprodução

“Tenho um sonho, que é uma obra para ser feita em uma praça. As pessoas poderão passar no meio dela, tocar, vivenciar fisicamente.”

“Acho que o ser humano não viveria se não tivesse ilusões. As ilusões são um grande componente, uma grande liberdade e uma grande viagem. O que fazemos? Nós materializamos as ilusões”, conta Maria Bonomi. “Eu tenho um sonho, que é um trabalho artístico muito forte para ser feito numa praça, onde será construída uma obra em que as pessoas poderão passar no meio dela, tocar, vivenciar fisicamente.”

A proposta de Maria Bonomi é o convívio da população de maneira gratuita e dinâmica com a essência da arte. “Queria que as pessoas pudessem observar e sentir os materiais, as curvas, as formas. E se liberar dentro do toque, do corpo a corpo”, diz. “O sonho está construído no papel, mas ainda não foi realizado por questões econômicas e políticas.” A experiência da artista faz com que ela confie no trabalho e no caminho. “É só uma questão de tempo. Importante dar a chance e a possibilidade às pessoas de estarem dentro da arte e não ao lado da arte.”

Assista ao filme

Maria Bonomi - As Artes na Construção do Futuro

A USP em busca da paz mundial

Maria Bonomi – As Artes na Construção do Futuro é o 11o filme/live da série Gênero e Paz do Centro de Estudo da Paz e Resolução de Conflitos (Glip) da USP. Nessa iniciativa, que apresenta o pensamento e a trajetória da artista, o grupo contou com a participação do Projeto Métricas, da Fapesp.

“A série começou em maio deste ano. Trata do tema da liderança de gênero na contribuição à paz”, explica o diretor científico do Glip, professor Gerson Damiani. “Nessa série cooperamos com a ONU Mulheres, entre outras instituições.”

O Glip vem sendo conhecido no cenário internacional como Global Institute for Peace. “É um núcleo que funciona como um laboratório de estudos sobre a paz e resolução de conflitos na Escola Politécnica da USP”, afirma Damiani.

As entrevistas com a artista no filme contaram com a mediação do professor Jacques Marcovitch, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, ex-reitor da USP e coordenador do Projeto Métricas. “O encontro com Maria Bonomi sublinha a relevância das atividades culturais e artísticas na Universidade, no sentido de delinear políticas e propor indicadores de qualidade para as artes”, destaca Marcovitch.

O Projeto Métricas, segundo Marcovitch, busca identificar os componentes de uma política pública sobre indicadores de desempenho nas universidades públicas para efeito de comparações internacionais. “Trata-se, portanto, de aprimorar a governança das instituições universitárias, para projetar a ciência e a cultura brasileira no cenário nacional e internacional em benefício da sociedade como um todo.”

Nesta sexta, dia 23, o Glip abre o projeto ONU 75 anos, em cooperação com o governo do Estado de São Paulo e o King’s College de Londres. “Nessa ocasião, Maria Bonomi enviará uma mensagem sobre a paz, com outras personalidades de diversas regiões do mundo”, afirma o professor Damiani. “Trata-se de um breve lançamento da iniciativa ONU 75, que perdurará como ano de jubileu no decorrer de 2021. Ao final, pretendemos montar um grande mosaico da paz, com mensagens de personalidades ao redor do mundo, motivando a paz entre as nações e os povos.”

Maria Bonomi:
A meta é o convívio da população de maneira gratuita e dinâmica com a essência da arte


Foto: Lena Peres

Mais informações
Centro de Estudo da Paz e Resolução de Conflitos (Glip) da USP: http://glip.usp.br/

Projeto Métricas, da Fapesp:
https://metricas.usp.br/


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