Fotomontagem com elementos Pixabay – Arte: Jornal da USP

Os riscos da censura disfarçada de liberdade de expressão

Esse perigo que ronda a sociedade brasileira foi abordado durante um dia inteiro por pesquisadores da Comunicação reunidos em João Pessoa

 09/09/2022 - Publicado há 2 anos

Texto: Marcello Rollemberg, em João Pessoa (PB)

Arte: Ana Júlia Maciel

Durante os cinco dias de debates e troca de experiências entre pesquisadores do 45º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado em João Pessoa, liberdade de expressão e censura foram temas que dominaram muitas das discussões nas sessões nas quais foram apresentados trabalhos que tentaram deslindar essas questões que, para o bem ou para o mal, entraram na pauta social do País nos últimos tempos. E durante toda a última quinta-feira, dia 8, o grupo de pesquisa Comunicação, Mídia e Liberdade de Expressão do Intercom tratou exatamente de abordar essa temática. As várias formas de uma censura rediviva no Brasil, as questões sobre cancelamento, a liberdade de expressão como disputa discursiva e o direito à comunicação na sociedade de informação foram alguns dos temas discutidos ao longo de todo o dia.

“A liberdade de expressão está em risco no Brasil. Por mais que você tenha uma Constituição Federal que vede a censura e assegure a liberdade de expressão, nós vivenciamos no Brasil vários tipos de censura, como a chamada censura togada ou a censura judicial, que tende a ir contra a liberdade de expressão censurando livros, a censura e agressões a jornalistas e aquela promovida por determinados políticos e seus apoiadores”, afirmou ao Jornal da USP e à Rádio USP a jornalista e professora Nara Scabin, coordenadora do grupo de pesquisa Comunicação, Mídia e Liberdade de Expressão. “Muitos jornalistas são atacados por quererem fazer uma cobertura crítica dos fatos. Também temos a censura a manifestações artísticas, principalmente aquelas consideradas contra a moral e os bons costumes. O que observamos, no entanto, é uma rejeição à palavra ‘censura’. Então, o que identificamos como pesquisadores é que, por mais que haja decisões censórias, raramente essas decisões são chamadas de censura. Usa-se eufemismos, mas ainda assim o efeito é agredir a liberdade de expressão”, acredita a professora (ouça a íntegra da entrevista no final deste texto).

A pesquisadora Daniela Osvald Ramos, professora da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP), que escreveu com a professora Carla de Araujo Risso, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o artigo “Yes, we have censura: censura clássica e novos tipos de censura no Brasil contemporâneo”, concorda que a censura trilha esse caminho “eufemístico”. Para ela, os atos censórios muitas vezes se “disfarçam” de liberdade de expressão – e acabam por gerar uma interdição do debate democrático. “Isso afeta diretamente a democracia, já que, dessa forma, está se insuflando um comportamento autoritário. Isso só se reverte se incentivando uma postura civilizatória, crítica, a partir da educação e contra qualquer possibilidade de doutrinação”, afirma Daniela, que também é coordenadora do Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura, o Obcom-USP.

A professora Nara Scabin – Foto: Marcello Rollemberg

A professora Daniela Ramos – Foto: Marcello Rollemberg

Educação midiática para combater a censura

Para Nara Scabin, este é o grande problema atual no Brasil – da mesma matriz, mas talvez com a polaridade invertida – e que precisa ser encarado: os ataques que são feitos pelos mais variados meios e que se escudam em uma pretensa “liberdade de expressão”. “A liberdade de expressão é um direito humano, fundamental, como outros direitos individuais. Mas há um sério problema quando ela é excedida. Fazer uma injúria racial em nome de uma certa liberdade de expressão, por exemplo, não se sustenta, até porque ataca um outro direito fundamental do ser humano, e configura crime”, afirma a pesquisadora.

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Olhares atentos sobre os males da desinformação

“Não é fazendo ataques que a liberdade de expressão vai prevalecer. Esperamos que ela prevaleça em uma situação favorável para a vida democrática. A liberdade de expressão é um princípio fundamental de uma sociedade democrática. E uma questão essencial nesse quadro é saber comunicar, levar para a sociedade discussões como as que tivemos no Congresso, como uma forma de colaborar na discussão democrática. E a educação – principalmente uma educação midiática – é o caminho, principalmente para combater a desinformação. E nesse combate é importante se entender que a censura não pode ser pretexto, já que ela ataca a democracia. O importante é que as pessoas possam distinguir o que é uma informação qualificada de uma não qualificada. Essa é nossa grande meta”, avaliou ela.

Ouça no link abaixo entrevista da professora Nara Scabin, coordenadora do grupo de pesquisa Comunicação, Mídia e Liberdade de Expressão da Intercom, concedida ao jornalista Marcello Rollemberg durante o 45º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.


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