Oficina de Leitura João Guimarães Rosa promove o legado do autor

Grupo reinicia as atividades nesta quarta-feira, dia 5, e prevê viagem para o sertão descrito pelo escritor mineiro

 03/02/2020 - Publicado há 4 anos
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Participantes da Oficina de Leitura João Guimarães Rosa: encontros ocorrem sempre às quartas-feiras, das 18 às 20 horas, na Cidade Universitária – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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“Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso”, escreve João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas. Publicado em 1956 com mais de 600 páginas, o livro é uma das obras mais importantes da literatura brasileira. Tal reconhecimento faz com que o trabalho do escritor ecoe tanto no ambiente acadêmico, através de pesquisas e dissertações, quanto fora dele, a exemplo da Oficina de Leitura João Guimarães Rosa, um projeto do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, que vai reiniciar suas atividades nesta quarta-feira, dia 5. 

Toda quarta-feira, das 18 às 20 horas, o grupo se reúne durante um semestre para ler e discutir a obra de Guimarães Rosa. “Neste semestre nós vamos ler a segunda parte de Grande Sertão: Veredas“, diz Regina Pereira, uma das organizadoras da oficina. “No ano passado, lemos duas vezes a primeira parte por insistência dos novos integrantes.” Mesmo para os participantes mais antigos, isso é interessante, porque a cada nova leitura eles são confrontados com diferentes interpretações, acrescenta.

“A gente sempre deixa muito claro que o objetivo da roda não é acadêmico, para não afastar as pessoas. É mais para formar leitores. Então é ótimo que as pessoas nunca tenham lido Guimarães, até para dar uma nova visão”, afirma Regina. Segundo ela, o público da roda é bem diverso, o que permite uma interessante troca entre os participantes. “Um tem uma visão psicanalítica, outro tem uma visão histórica, e cada um contribui da forma que pode”, conta ela. 

Regina informa que a oficina foi fundada em 2003 pelo professor Dieter Heidemann, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, com um grupo de amigos, do qual fazia parte Rosa Haruco, outra coordenadora do projeto atualmente. “Eles viajavam constantemente ao sertão mineiro para conferir o que era a obra de Guimarães ali no local”, conta ela. Segundo Regina, a ideia da roda de leitura surgiu para dar continuidade a essas viagens e aos debates que o grupo do professor Heidemann promovia.

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Da esquerda para a direita: o escritor Daniel Krasucki, a organizadora da oficina Regina Pereira, a aposentada Neli Martins e a estudante de História da USP Renata Ribeiro – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

.Além das reuniões semanais, a Oficina de Leitura João Guimarães Rosa realiza atividades extras, dependendo da época do ano e da verba que conseguem. “Maio é um mês muito importante na obra de Rosa. Foi, inclusive, quando ele lançou Grande Sertão: Veredas. Por isso, é um mês em que sempre tentamos fazer alguma coisa diferente. No ano passado, por exemplo, promovemos o evento Infinitamente Maio”, diz Regina, referindo-se ao encontro que apresentou uma mesa-redonda com especialistas, leituras dramáticas e uma visita ao acervo de Guimarães Rosa, no IEB. Para ela, essas atividades têm o intuito de divulgar cada vez mais a obra de Rosa e também a oficina.  

Regina destaca que os organizadores da oficina consideram importante a experiência de ver de perto as paisagens rosianas – os cenários descritos por Rosa em seus livros. Por isso, eles costumam promover viagens com o grupo para Cordisburgo, no sertão mineiro, cidade natal do escritor, durante a Semana Literária de Cordisburgo, realizada anualmente em julho. Neste ano, o evento chegará à sua 33ª edição. “É uma forma também de alimentar a economia da cidade e a própria autoestima dos moradores”, afirma Regina. 

Os debates e as atividades que a oficina oferece foram um dos motivos que incentivaram Renata Ribeiro, estudante de História da FFLCH, a fazer o caminho do sertão. “É uma caminhada ecoliterária pelo noroeste de Minas, que ocorre sempre no mês de julho e tem cerca de 200 quilômetros”, conta Renata, que participa dos encontros há dois anos. “É um mergulho na obra de Guimarães Rosa. Você consegue reconhecer vários trechos dos livros.”

Outro participante da oficina é o escritor Daniel Krasucki, que escreveu, com Miriam Lazarotti, O Manuscrito Extraviado de G.R., livro que relaciona obras de Guimarães Rosa com outras ficções e foi criado a partir da Oficina de Leitura João Guimarães Rosa. “O IEB tem um dos principais arquivos de Rosa, se não o principal. Fazer as reuniões nesse ambiente é importante até pela energia que o lugar oferece, não só pelas conversas que temos”, diz ele, elogiando o zelo das pessoas que cuidam daquele arquivo. 

Edição recente de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa – Imagem: Divulgação Amazon

Já para a aposentada Neli Martins, uma das frequentadoras mais recentes da oficina, sua imersão nesse contexto se dá em grande parte pela memória afetiva que a leitura de Rosa desperta nela. “Meu pai veio do sertão baiano. Muitas das histórias de cangaceiro, dos personagens me remetem à vida dele. É aquela questão de o sertão estar em todo lugar, é só saber olhar”, afirma ela. 

Os participantes da oficina podem até discordar de uma ou outra coisa relacionada à obra de Guimarães Rosa, mas, quanto ao legado do autor, não há dúvida. “Não é à toa que a gente se chama ‘devotos do Rosa’”, conta Regina. Para ela, um dos pontos mais altos da oficina no ano passado foi quando ela recebeu a visita de uma professora e seus alunos de uma escola de Santana de Parnaíba (SP) para uma conversa sobre Guimarães Rosa. “Ela faz um trabalho com eles sobre Rosa já nessa idade. Para nós, isso é muito gratificante e nos deixa pensando sobre essa sementinha que está sendo plantada e nosso papel nisso.”

A Oficina de Leitura João Guimarães Rosa acontece todos as quartas-feiras, das 18 às 20 horas, no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP (Avenida Professor Luciano Gualberto, 78, auditório 1, segundo andar, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis. Não é preciso fazer inscrição prévia. 


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