“O que mantém um homem vivo?” entra em cartaz no Tusp

Espetáculo, que discute o autoritarismo e seus efeitos na sociedade, é baseado em textos de Bertolt Brecht, com adaptação de Renato Borghi e Esther Góes

 17/01/2020 - Publicado há 4 anos
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No palco, da esquerda para direita, Elcio Nogueira Seixas, Georgette Fadel e Renato Borghi interpretam personagens de Brecht em um convite à reflexão sobre o momento atual – Foto: Luisa Bonini

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Referência por sua postura crítica em relação ao autoritarismo e seus efeitos sobre o indivíduo e a sociedade, O que mantém um homem vivo? ganha nova montagem quase cinco décadas depois de sua primeira apresentação no Brasil. Lançado em 1973, em meio a um período de censura e repressão violentas, o espetáculo foi remontado em 1982, às vésperas da redemocratização, e agora volta aos palcos em um momento em que o país se vê diante de ataques à democracia e ameaça de retrocesso dos direitos humanos, servindo, mais uma vez, como crítica e ato de resistência. Ocupando a sala principal do Teatro da USP (Tusp), localizado no Centro Universitário Maria Antônia, ícone do movimento estudantil durante a ditadura militar, a peça acaba de estrear e faz temporada até o dia 16 de fevereiro, com apresentações de quinta a sábado, às 20h30, e domingo, às 18h30.

É uma coletânea de textos do dramaturgo, poeta e encenador alemão Bertolt Brecht, com músicas de Kurt Weil, Hans Eisler, Paul Dessau e Jards Macalé, com adaptação de Rentato Borghi e Esther Góes, à época recém-saídos do Teatro Oficina. Segundo Borghi, a montagem original, dirigida por ele, com codireção de José Antônio de Souza, estreou no período mais profundo da ditadura no Brasil. “Sua estreia foi durante o governo Médici, momento de muita censura, tortura e desaparecimentos”, afirma, lembrando que essa primeira versão fez várias temporadas, em 1974, 1975 e 1977. A peça rodou o Brasil, atraindo milhares de espectadores, em sua maioria estudantes, que lotaram salas de teatro, centros acadêmicos e quadras de esportes. Naquele período, o espetáculo foi visto como um canal de expressão para questões urgentes daqueles anos de chumbo.

“Eu resolvi remontar essa peça agora porque senti os mesmos ventos daquela época. Senti que estamos caminhando lentamente para a repressão, em um momento que a censura volta com outros nomes de filtro, em que uma corrente nazifascista vai querendo se apossar do governo de leve, um pouco disfarçado de democracia. É um momento muito grave e perigoso porque não é sequer assumido”, lamenta. Para o diretor, a peça é uma reflexão sobre esse momento atual, quando a ciência é colocada em terceiro plano, e a educação e a cultura estão passando por uma crise brutal. “Estamos vivendo um momento deprimente. A maior aflição é que temos uma dificuldade em reagir, e é através da peça que podemos falar sobre tudo isso”, completa.
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Em cena, Georgette Fadel interpreta um juiz que não tem saída em meio a tanta corrupção, e ressalta: “é impressionante como um texto escrito há quase um século pode ser tão contemporâneo” – Foto: Luisa Bonini

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A nova releitura, que fez uma temporada de sucesso no final do ano passado no Teatro Anchieta e no Teatro Cacilda Becker, está de volta em janeiro no Tusp através de projeto contemplado pelo Prêmio Zé Renato, da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo. A encenação é do Teatro Promíscuo, fundado em 1993 por Borghi e Elcio Nogueira Seixas, que contracenam ao lado de Georgette Fadel. A linha estética rústica da versão original se mantém, os cenários de Daniela Thomas e figurinos de Cássio Brasil traduzem a linguagem para o mundo atual, e Borghi aposta no recurso épico como um elemento para manter uma dinâmica ágil.

No palco, sob o humor cáustico de Brecht, valores como bondade, justiça, ciência, educação e amor aparecem em trechos de obras como A Ópera dos Três Vinténs (1928), Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny (1930), Terror e Miséria no Terceiro Reich (1938), A Alma Boa de Setsuam (1941), e Galileu, Galilei (1943). Destaque para uma cena em que um juiz, interpretado por Georgette Fadel, se vê em meio à corrupção e não consegue – nem que queira como ressalta a atriz – fazer justiça; e para o monólogo final, encenado pelo próprio Borghi, a partir do livro Dialogues d’exilés (Conversa de Refugiados, na tradução brasileira pela Editora 34), “uma verdadeira comunhão com o público”, como afirma o diretor. “Brecht dizia que pensar é um dos maiores prazeres da raça humana, e a peça é um convite à reflexão”, conclui Borghi.

Cartaz da peça – Foto: Reprodução

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A peça O que mantém um homem vivo? fica em cartaz até 16 de fevereiro, de quinta a sábado, às 20h30, e domingos, às 18h30, na sala principal do Tusp (rua Maria Antonia, 294, Vila Buarque), com duração de 120 minutos e intervalo de 10 minutos. Classificação: 14 anos. O ingresso custa R$ 20,00 e R$ 10,00. Mais informações pelo telefone (11) 3123-5223 ou neste link.

 

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Espetáculo discute direitos dos animais

O espetáculo Elisabeth Costello é baseado no livro homônimo do Nobel de Literatura J. M. Coetzee) – Foto: João Maria

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O Teatro da USP (Tusp) também recebe em janeiro a peça Elisabeth Costello, baseada no livro homônimo do escritor sul-africano J.M.Coetzee, Nobel de Literatura em 2003, em um projeto com idealização e atuação de Lavínia Pannunzio. Com dramaturgia e direção de Leonardo Ventura, a peça apresenta três planos temporais, presentes na obra original, e resultado do trabalho da atriz na construção das diferentes narrativas e facetas da personagem, para refletir sobre os direitos dos animais.

O livro de Coetzee é dividido em oito “lições” de escrita densa, com múltiplas camadas. “Observamos que a questão do ´mal` era recorrente na narrativa, notadamente nas lições sobre a temática dos animais, do holocausto e do cristianismo: o mal como consequência dos desvios de processos civilizatórios”, explica o diretor no material de divulgação. A estreia acontece na próxima quarta-feira, dia 22 de janeiro, na Sala Multiuso do Centro Universitário Maria Antonia. A temporada vai até o dia 16 de fevereiro, de quarta a sábado, às 21 horas, e domingos., às 20 horas (ingressos a R$ 30,00).

 

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