Não estou falando de 20 minutos vadeando por nomes famosos ou objetos curiosos, apontando o celular para despejar no mundo sua existência. Quando pergunto isso também não estou pensando naquele simples olhar atento, mão no queixo e um pouco de pós-modernidade debaixo do bigode. Estraçalhar paredes, dobrar os tradicionais horários de visitação e subverter o cotidiano papel de espectador/consumidor. É sobre isso. Penetrar além da epiderme de um museu, ver suas engrenagens como a médica devassa o paciente na contraluz do raio x, meter as mãos nas moedas de ouro no final do arco-íris. Contemplar o coração do museu e tatear todas as veredas que bombeiam conhecimento desde seus depósitos ciclópicos até o centro nervoso de cada visitante.
Não se sinta mal. É claro que eu também nunca tinha feito esse tipo de coisa até a pauta cair no meu colo. Jornalistas que escrevem como se soubessem de tudo são, em geral, apenas jornalistas que escrevem como se soubessem de tudo, quase sempre sem saber grande coisa. Museus. Especificamente, museus universitários. Da Universidade de São Paulo.
A USP ostenta com orgulho 45 museus, acervos e espaços de divulgação científica e cultural dentre as joias da sua coroa do conhecimento. São 36 milhões de peças semeadas em sete cidades: Itu, Piracicaba, Ribeirão Preto, Santos, São Carlos, São Paulo e São Sebastião. Por ano, 3,5 milhões de visitantes desfilam por essa constelação de coleções artísticas, acervos arqueológicos e de ciências naturais, arquivos pessoais de intelectuais e acadêmicos, conjuntos documentais e registros administrativos, segundo dados da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU).
Desse arquipélago, o Museu de Arte Contemporânea (MAC), o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), o Museu Paulista (MP) e o Museu de Zoologia (MZ) se destacam como os chamados museus estatutários. Desde 2010, as quatro instituições tem status similar às demais unidades de ensino e pesquisa da USP, com dotação orçamentária, conselhos deliberativos e diretorias próprias. Graças à resolução nº 5.904, contam com representação no Conselho Universitário (CO), liberdade política de pesquisa e autonomia para gerir a carreira de seus docentes. Antes disso, estavam sob tutela da extinta Coordenação dos Museus, ligada à PRCEU.
Entender o que essa quadra tem de essencialmente universitária, qual a necessidade de um parlamento de docentes perambulando entre coleções e laboratórios e quais novidades o show traz além das exposições. Esses foram os protocolos da missão que me arremessou entre urnas funerárias marajoaras e gavetas infestadas de mosquitos, entre orgulhosos bandeirantes de botinas e estátuas italianas futuristas. O resultado desse zigue-zague erudito, como você verá, não deixa dúvidas de que as exposições que assomam como a linha de frente dos museus não são, nem de longe, o brinquedo mais emocionante do parquinho.
Não estou falando de 20 minutos vadeando por nomes famosos ou objetos curiosos, apontando o celular para despejar no mundo sua existência. Quando pergunto isso também não estou pensando naquele simples olhar atento, mão no queixo e um pouco de pós-modernidade debaixo do bigode. Estraçalhar paredes, dobrar os tradicionais horários de visitação e subverter o cotidiano papel de espectador/consumidor. É sobre isso. Penetrar além da epiderme de um museu, ver suas engrenagens como a médica devassa o paciente na contraluz do raio x, meter as mãos nas moedas de ouro no final do arco-íris. Contemplar o coração do museu e tatear todas as veredas que bombeiam conhecimento desde seus depósitos ciclópicos até o centro nervoso de cada visitante.
Não se sinta mal. É claro que eu também nunca tinha feito esse tipo de coisa até a pauta cair no meu colo. Jornalistas que escrevem como se soubessem de tudo são, em geral, apenas jornalistas que escrevem como se soubessem de tudo, quase sempre sem saber grande coisa. Museus. Especificamente, museus universitários. Da Universidade de São Paulo.
A USP ostenta com orgulho 45 museus, acervos e espaços de divulgação científica e cultural dentre as joias da sua coroa do conhecimento. São 36 milhões de peças semeadas em sete cidades: Itu, Piracicaba, Ribeirão Preto, Santos, São Carlos, São Paulo e São Sebastião. Por ano, 3,5 milhões de visitantes desfilam por essa constelação de coleções artísticas, acervos arqueológicos e de ciências naturais, arquivos pessoais de intelectuais e acadêmicos, conjuntos documentais e registros administrativos, segundo dados da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU).
Desse arquipélago, o Museu de Arte Contemporânea (MAC), o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), o Museu Paulista (MP) e o Museu de Zoologia (MZ) se destacam como os chamados museus estatutários. Desde 2010, as quatro instituições tem status similar às demais unidades de ensino e pesquisa da USP, com dotação orçamentária, conselhos deliberativos e diretorias próprias. Graças à resolução nº 5.904, contam com representação no Conselho Universitário (CO), liberdade política de pesquisa e autonomia para gerir a carreira de seus docentes. Antes disso, estavam sob tutela da extinta Coordenação dos Museus, ligada à PRCEU.
Entender o que essa quadra tem de essencialmente universitária, qual a necessidade de um parlamento de docentes perambulando entre coleções e laboratórios e quais novidades o show traz além das exposições. Esses foram os protocolos da missão que me arremessou entre urnas funerárias marajoaras e gavetas infestadas de mosquitos, entre orgulhosos bandeirantes de botinas e estátuas italianas futuristas. O resultado desse zigue-zague erudito, como você verá, não deixa dúvidas de que as exposições que assomam como a linha de frente dos museus não são, nem de longe, o brinquedo mais emocionante do parquinho.
Se a Universidade de São Paulo fosse algum tipo de criatura, pertenceria a uma exótica espécie que se sustenta em três pernas. Ensino, pesquisa e extensão são as colunas da Universidade, o mantra que anuncia e reafirma sua finalidade. Sendo crias desse colosso paulista, os quatro museus estatutários herdaram no DNA essa mesma vocação para produzir conhecimento, ensiná-lo e levá-lo para fora da própria USP.
Essa anatomia singular não é tão evidente no senso comum. Pensamos museus frequentemente como linhas de montagem de exposições, alimentadas por seus próprios calabouços de tesouros ou teias de instituições que fazem um toma lá dá cá de Picassos, tupperwares arqueológicos ou tucanos empalhados. A hegemonia dessa redução é tamanha que mesmo dentro da própria Universidade é fácil encontrar quem desconheça a existência de pesquisa ou questione a presença de docentes nos museus.
Os professores integram o vasto quadro de trabalhadores que operam os museus. Faxineiros e vigias terceirizados, técnicos administrativos ou laboratoriais, motoristas e jornalistas estão sob suas diretrizes. Compõem, contudo, uma categoria à parte, a dos docentes, como acontece em toda a USP. O que significa atribuições de ensino e pesquisa, próprias da carreira.
“Muita gente na USP talvez não saiba que nós sejamos um centro de pesquisa”, pondera Marcelo Duarte da Silva, vice-diretor do Museu de Zoologia. “Nós fazemos muita pesquisa e o diferencial é que nossa extensão é baseada nessa pesquisa. É conhecimento puro, inédito, que sai dos laboratórios e vai para uma exposição. A sociedade recebe de primeira mão todo esse conhecimento científico produzido aqui.”
O Museu de Zoologia tateia suas origens até o Museu Paulista, de onde partiu sua coleção inicial. Tendo a parte de zoologia sido retirada do MP, avançando o processo pelo qual este passaria gradativamente de um museu de história natural para um museu de história do Brasil, coube à Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo abrigá-la em seu recém-criado Departamento de Zoologia, em 1939. É dessa época o traçado do prédio em que o museu se situa até hoje, no número 481 da Avenida Nazaré, no bairro do Ipiranga, inaugurado em 1941. A migração para a USP se completaria quase 30 anos depois, em 1969, acompanhada do nome atual.
Para o diretor do museu, Mário César Cardoso de Pinna, não há hesitação sobre qual é o leitmotiv do MZ. “Essa aqui é uma instituição de pesquisa, nós somos um museu basicamente mantido por docentes”, afirma, com postura orgulhosa. “Esse museu sem os docentes não existe. Quem consegue dinheiro para equipamentos e projetos, quem faz as pesquisas são os docentes. Todas as outras atuações dependem fundamentalmente da presença de um docente em tempo integral. Não temos graduação, mas precisamos de docentes. Isso é essencial para a sobrevivência do museu como uma instituição de respeito internacional.”
A inexistência de graduação não significa ausência de estudantes. Desde 2011, o MZ ostenta um programa de pós-graduação em Sistemática, Taxonomia Animal e Biodiversidade. Antes, seus docentes compunham quadros em programas de outras unidades, principalmente no Instituto de Biologia, prática que ainda ocorre. Segundo o diretor, uma média de 50 estudantes formam o corpo discente. Além disso, a instituição integra a pós-graduação interunidades em Museologia, que soma os esforços dos quatro museus estatutários e cuja sede é o Museu de Arqueologia e Etnologia.
Quando pontua o respeito transfronteiras, Cardoso pensa em reconhecimentos como o do Center for World University Rankings (CWU), instituição da Arábia Saudita que estampou a zoologia da USP como a melhor do mundo. Já a ênfase na docência como uma espécie de célula embrionária pluripotente é parte das estratégias de defesa contra recorrentes questionamentos sobre a necessidade de professores dentro de um museu.
Algumas quadras adiante, no jupiteriano Parque da Independência se ergue o edifício-monumento conhecido popularmente como Museu do Ipiranga, sede do Museu Paulista. Fechado desde 2013, quando foi interditado após um laudo indicar risco de desabamento do seu forro, luta agora para captar recursos para a conclusão do restauro. A promessa é 2022, alinhando-se com o bicentenário da Independência.
O MP é o museu público mais antigo do Estado de São Paulo. Inaugurado em 1895 como museu de história natural, foi integrado à USP em 1963. Sua atual vocação, como museu de história, foi sendo desenhada ao longo do século 20, com a transferência de seus acervos para outras instituições, como o Museu de Zoologia. Sua última cria foi em 1989, quando as coleções de arqueologia, pré-história e etnografia ajudaram a materializar o renovado Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. São 380 mil documentos textuais, 72 mil itens iconográficos e 30 mil objetos pulsando em seu interior. O Museu Republicano, encravado em Itu, atualmente está sob o guarda-chuva do MP, dilatando sua presença para o interior paulista.
Aqui a pesquisa também é encarada como cláusula pétrea da existência da instituição. Especializado no campo da cultura material da sociedade brasileira, o Museu Paulista se debruça em seus objetos para as investigações científicas mas, ao mesmo tempo, usa-as como rédeas para guiar a própria organização e ampliação do acervo. “A coleção em um museu universitário é muito diferente de uma coleção particular”, indica Solange Ferraz de Lima, sua diretora. “Ela é formada para atender às demandas de uma linha de pesquisa já constituída.”
No caso do MP, três linhas. Cotidiano e Sociedade, Universo do Trabalho e História do Imaginário são as grandes áreas balizadoras das agendas dos cinco docentes que habitam o prédio junto aos bandeirantes. Orientam a cadeia curatorial e a política de acervo e se alinham, segundo Solange, com a nova história. Isso significa uma aproximação da historiografia com a antropologia e um distanciamento dos grandes fatos, de uma história fissurada apenas na economia ou na política. Um olhar para o cotidiano e as formas de representação.
De acordo com a diretora, quando as linhas de pesquisa foram estabelecidas o acervo já contemplava interiores de casa, mobiliários e indumentárias e contava com uma coleção importante de retratos. O universo do trabalho era a área que bradava incremento. “Das três linhas, duas vão aprofundar e dar nova direção a uma vocação do próprio acervo. A terceira linha era proposta para criar uma parte que não existia”, explica. “Nós não fazemos pesquisa a partir de um acervo que é reunido aleatoriamente. A pesquisa orienta a formação das coleções.”
Para a vice-diretora do MP, Vânia Carneiro de Carvalho, esse diapasão da pesquisa, afinando seus conteúdos e mostrando o caminho por onde crescer é a essência de uma instituição que se pretende universitária. “O museu se torna universitário quando seu acervo se torna também fonte de produção de conhecimento.” Isso é especialmente importante quando se fala do Museu Paulista, tendo em vista todo o espectro patriótico que ronda seus muros, colunas e fundações.
“Como o museu tem essa forte identidade com a Independência, acredito que, se ele não tivesse compromisso com a pesquisa e o ensino, seria um museu com muitos objetos celebrativos, vindos provavelmente de determinados grupos da sociedade”, especula Solange.
O MP não possui pós-graduação própria, mas integra o Programa de Museologia e seus docentes atuam também na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e na Escola Politécnica (EP). “Nosso desafio é divulgar para a própria comunidade USP o grande potencial dos museus”, confessa Solange. “Os museus são espaços por excelência da prática transdisciplinar. Não se faz nada aqui a partir de uma única disciplina.”
Algumas quadras adiante, no jupiteriano Parque da Independência se ergue o edifício-monumento conhecido popularmente como Museu do Ipiranga, sede do Museu Paulista. Fechado desde 2013, quando foi interditado após um laudo indicar risco de desabamento do seu forro, luta agora para captar recursos para a conclusão do restauro. A promessa é 2022, alinhando-se com o bicentenário da Independência.
O MP é o museu público mais antigo do Estado de São Paulo. Inaugurado em 1895 como museu de história natural, foi integrado à USP em 1963. Sua atual vocação, como museu de história, foi sendo desenhada ao longo do século 20, com a transferência de seus acervos para outras instituições, como o Museu de Zoologia. Sua última cria foi em 1989, quando as coleções de arqueologia, pré-história e etnografia ajudaram a materializar o renovado Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. São 380 mil documentos textuais, 72 mil itens iconográficos e 30 mil objetos pulsando em seu interior. O Museu Republicano, encravado em Itu, atualmente está sob o guarda-chuva do MP, dilatando sua presença para o interior paulista.
Aqui a pesquisa também é encarada como cláusula pétrea da existência da instituição. Especializado no campo da cultura material da sociedade brasileira, o Museu Paulista se debruça em seus objetos para as investigações científicas mas, ao mesmo tempo, usa-as como rédeas para guiar a própria organização e ampliação do acervo. “A coleção em um museu universitário é muito diferente de uma coleção particular”, indica Solange Ferraz de Lima, sua diretora. “Ela é formada para atender às demandas de uma linha de pesquisa já constituída.”
No caso do MP, três linhas. Cotidiano e Sociedade, Universo do Trabalho e História do Imaginário são as grandes áreas balizadoras das agendas dos cinco docentes que habitam o prédio junto aos bandeirantes. Orientam a cadeia curatorial e a política de acervo e se alinham, segundo Solange, com a nova história. Isso significa uma aproximação da historiografia com a antropologia e um distanciamento dos grandes fatos, de uma história fissurada apenas na economia ou na política. Um olhar para o cotidiano e as formas de representação.
De acordo com a diretora, quando as linhas de pesquisa foram estabelecidas o acervo já contemplava interiores de casa, mobiliários e indumentárias e contava com uma coleção importante de retratos. O universo do trabalho era a área que bradava incremento. “Das três linhas, duas vão aprofundar e dar nova direção a uma vocação do próprio acervo. A terceira linha era proposta para criar uma parte que não existia”, explica. “Nós não fazemos pesquisa a partir de um acervo que é reunido aleatoriamente. A pesquisa orienta a formação das coleções.”
Para a vice-diretora do MP, Vânia Carneiro de Carvalho, esse diapasão da pesquisa, afinando seus conteúdos e mostrando o caminho por onde crescer, é a essência de uma instituição que se pretende universitária. “O museu se torna universitário quando seu acervo se torna também fonte de produção de conhecimento.” Isso é especialmente importante quando se fala do Museu Paulista, tendo em vista todo o espectro patriótico que ronda seus muros, colunas e fundações.
“Como o museu tem essa forte identidade com a Independência, acredito que, se ele não tivesse compromisso com a pesquisa e o ensino, seria um museu com muitos objetos celebrativos, vindos provavelmente de determinados grupos da sociedade”, especula Solange.
O MP não possui pós-graduação própria, mas integra o Programa de Museologia e seus docentes atuam também na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e na Escola Politécnica (EP). “Nosso desafio é divulgar para a própria comunidade USP o grande potencial dos museus”, confessa Solange. “Os museus são espaços por excelência da prática transdisciplinar. Não se faz nada aqui a partir de uma única disciplina.”
Ser parte do cosmos universitário também é tido em alta conta por Carlos Roberto Ferreira Brandão, diretor do Museu de Arte Contemporânea da USP. “Um museu é, antes de qualquer coisa, uma instituição multidisciplinar. Você não faz um museu como esse só com especialistas em arte moderna”, afirma Brandão. “É preciso todo um conjunto de profissionais para poder extravasar esse conhecimento que é feito sobre arte moderna: designers, a parte editorial, montadores, conservadores, educadores, museólogos. O museu de uma universidade tem a grande vantagem de estar inserido num universo que reúne todos esses saberes.”
Especialmente no caso do MAC, este é um universo em expansão. Desde 2012, a instituição ocupa um robusto complexo em frente ao Parque Ibirapuera, projetado por Oscar Niemeyer para sediar o Palácio da Agricultura, mas que acabou alojando o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) de 1959 a 2008. Antes disso, o museu, criado em 1963 a partir do acervo do antigo Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, estava instalado no coração da Cidade Universitária, no Butantã. Uma transumância nada desprezível, quando se faz contas relativas ao incremento no número de visitantes, que não para de decolar. 150 mil em 2016, 180 mil em 2017 e uma previsão de 250 mil para 2018, crescente impulsionado pelo aumento no número de exposições, reabertura da biblioteca do museu e inauguração de uma livraria, um café e um restaurante.
Da herança do MAM, vieram as coleções do casal de mecenas Yolanda Penteado e Ciccillo Matarazzo, obras adquiridas ou recebidas como doação pelo próprio museu e os prêmios das Bienais de Arte de São Paulo até 1961. Junto de um impressionante acervo de arte italiana do início do século 20, esse testamento carregava obras de Tarsila do Amaral, Alexander Calder, Lygia Clark, Emiliano Di Cavalcanti, Wassily Kandinsky, Anita Malfatti, Joan Miró, Amedeo Modigliani, Pablo Picasso e Alfredo Volpi. Hoje, os números da instituição rondam 10 mil obras.
Brandão gosta de deixar claro que os benefícios do parentesco entre museu e universidade fluem em mão dupla. “Para a Universidade também é muito importante ter os museus.” A disponibilidade dos acervos para consulta de outras unidades e o viés particular das pesquisas nos museus, focadas primariamente nas próprias coleções, são suas contribuições imanantes nessa economia da dádiva. “Sempre tentamos mostrar para a Universidade o caráter complementar da pesquisa em torno das coleções. A Universidade acaba enriquecendo suas pesquisas com duas vertentes de investigação, as baseadas em coleções e aquelas que não se baseiam nelas.”
O olhar sobre o próprio acervo é sistematizado, principalmente, através de uma linha de pesquisa que reúne os cinco docentes da instituição e gira em torna de estética, teoria e crítica de arte, com ênfase em arte moderna e contemporânea. Têm aí espaço investigações sobre as origens da coleção do MAC, arte conceitual e exploração de outras mídias como fotografia, vídeo, música e poesia. Esses saberes traduzem-se em ensino no programa de pós-graduação em Estética e História da Arte, que tem sede no museu e congrega também professores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), Escola de Comunicações e Artes (ECA), FAU e FFLCH. Outra frente explora a arte-educação. Apesar do museu contar com um serviço educativo e pessoal especializado, atualmente nenhum docente se dedica a essa linha de pesquisa.
“Fazemos pesquisas sobre o acervo, usamos essa pesquisa no contexto formacional dos estudantes e lançamos mão do mesmo conceito no trato com o público, passando para ele os resultados da nossa investigação”, esquematiza o diretor. “Nós conseguimos unir o tripé ensino, pesquisa e extensão de uma forma muito evidente no museu.”
Quando o reconhecimento da pesquisa entra em pauta, Brandão fala com satisfação de uma conquista recente. A Fapesp aprovou, em 2017, o primeiro projeto temático com base no estudo do processo curatorial, que abrange o trajeto desenvolvido desde a aquisição de uma obra até sua exposição. É um plano de trabalho que reúne os quatro museus, os Institutos de Física (IF) e de Química (IQ) e a Escola Politécnica (EP) da USP, além de professores da Unesp e da Unicamp, com sede e coordenação no MAC. “Esse processo sempre foi visto como uma questão técnica, mas nós mostramos que essa união de várias técnicas concatenadas se transformou num método científico”, explica o diretor. “Conseguimos mostrar para a Fapesp que essa é uma área de pesquisa, não simplesmente de aplicação de uma técnica.”
Esse otimismo ganha tempero agridoce quando deixamos o Ibirapuera e nos perdemos na imensidão da Cidade Universitária, no bairro do Butantã. É lá que se esconde o Museu de Arqueologia e Etnologia, outro filho do Museu Paulista.
A atual configuração do MAE data de 1989, quando as coleções do MP se fundiram ao acervo do antigo MAE, do Instituto de Pré-história e do Museu de Etnografia da FFLCH, concentrando numa única instituição todos os conjuntos de cultura material arqueológica ou etnográfica espalhados pela USP. Hoje, isso significa um milhão e meio de itens distribuídos em acervos de arqueologia brasileira, da América, da África, do Mediterrâneo e do Oriente próximo, à disposição de vinte docentes.
Conforme conta Paulo Antonio DeBlasis, diretor do museu, as diretrizes de pesquisa do MAE despontaram exatamente desse amálgama de instituições. “O MAE herdou suas linhas de pesquisa e as ampliou”, explica. “Herdamos a vocação de guarda e pesquisa com os acervos etnográficos e pesquisa etnográfica no Brasil. Do antigo IPH vieram as pesquisas com arqueologia brasileira e bioarqueologia e do antigo MAE, o componente de arqueologia clássica, do Mediterrâneo e Oriente próximo.” Segundo DeBlasis, essas áreas hoje aparecem organizadas em três linhas de trabalho. Arqueologia e Identidade, Arqueologia e Ambiente e Arqueologia e Sociedade. Uma pós-graduação em Arqueologia e o Programa Interunidades de Museologia respondem pelo ensino de todo esse conhecimento, recebendo cerca de cem estudantes.
Em 2018, o legado da integração que fundou o MAE é uma unidade de excelência na pesquisa e no ensino. No entanto, a instituição vive oprimida pela falta de espaço físico adequado para espraiar sua extensão.
“A USP não sabe aproveitar o potencial de seus museus”, desabafa o diretor. “Acho uma pena, porque os museus poderiam ser uma espécie de cartão de visitas da USP, mostrar o que ela tem, seu potencial de ensino e pesquisa.” As críticas de DeBlasis têm como destino a escassez de recursos e a luta por verbas encaradas pelos museus. “Na medida em que eles ficam longamente à margem dos grandes investimentos, certos problemas se tornam cada vez maiores. Como o caso do Museu Paulista. Ele ficou relegado por muito tempo e chegou a um estado em que o custo de recuperação se tornou muito maior.”
O diagnóstico do diretor do MAE não mira exclusivamente a USP. Segundo ele, há um problema nacional que se crava no papel ao qual os museus são relegados, como a destruição do Museu Nacional no Rio de Janeiro deixou explícito. “Universidade é essencialmente ensino, mas existem várias formas de ensino. É uma ideia que me parece acanhada essa de ensino ser só a sala de aula. Ele acontece olhando o ambiente, indo a museus, com cultural geral. E cultura é algo muito mais amplo que o ensino específico de uma disciplina como química, matemática ou história.”
Dentre os museus estatutários, o MAE é o que mais sofre com a ausência de espaço físico para exposições e DeBlasis não hesita em identificar a extensão como o ponto fraco da instituição. “Nós temos uma restrição brutal de espaço. Nesse momento, estou batalhando um espaço expositivo à altura das coleções que temos. O MAE está sem nenhuma exposição, mas já tivemos várias. Temos um lado museológico muito forte.” A próxima mostra está programada para março, sobre populações indígenas do oeste paulista, uma exposição que contou com participação dos próprios indígenas em sua criação.
Por duas vezes, em tempos recentes, o museu quase reverteu essa situação. A primeira foi em 2012, quando foi oferecido ao MAE o edifício que então abrigava o MAC, na própria Cidade Universitária. A instituição recusou a transferência porque teria de migrar totalmente para as novas instalações que, apesar de maiores, ainda não comportariam toda sua estrutura. Hoje, o prédio se tornou o Espaço de Artes, pertencente à ECA. DeBlasis lamenta esse desfecho, que considera falta de habilidade política. “Deveríamos ter negociado melhor na época, mas o momento passou.”
A outra oportunidade teve menos a ver com as ações do próprio MAE. Com as primeiras tratativas para sua evocação em 2002, a Praça dos Museus seria um complexo que abrigaria o Museu de Arqueologia e Etnologia, o Museu de Zoologia, um edifício expositivo e mais outro prédio para atividades culturais. Com projeto arquitetônico assinado por Paulo Mendes da Rocha em parceria com o escritório Piratininga, a praça começou a ganhar corpo a partir de 2010. No início de 2014, entretanto, as obras foram paradas por questões orçamentárias e estão abandonadas, sem previsão de retomada.
Quebra de expectativas também para o MZ, que, apesar de possuir um espaço expositivo maior, há anos faz contagem regressiva para deixar o imóvel da Avenida Nazaré. “Embora o prédio tenha sido construído para ser um museu, é um edifício antigo”, explica o vice-diretor Marcelo Duarte. “As coleções cresceram muito. Na época em que ele foi criado, tínhamos cerca de um milhão de exemplares e hoje, algo em torno de 8 a 11 milhões, com o mesmo espaço.” A solução atual para lidar com a expansão consiste no aluguel de um prédio vizinho ao museu, pertencente à Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição.
Com o zero absoluto das obras da Praça dos Museus, o MZ já serpenteia com a ideia de construir um anexo ali mesmo no Butantã. Contudo, seu diretor lamenta o potencial desperdiçado com o enterro do projeto. “Se quiséssemos, o Estado de São Paulo poderia ter um museu de história natural, fundindo várias instituições”, imagina Cardoso. “Museu de Zoologia, MAE, o Instituto de Botânica, o próprio Departamento de Botânica da USP. Na verdade, já temos, só não está consolidado, só falta uma exposição conjunta e uma estrutura. Se a Praça dos Museus fosse construída, teríamos boa parte desse museu.”
Esse otimismo ganha tempero agridoce quando deixamos o Ibirapuera e nos perdemos na imensidão da Cidade Universitária, no bairro do Butantã. É lá que se esconde o Museu de Arqueologia e Etnologia, outro filho do Museu Paulista.
A atual configuração do MAE data de 1989, quando as coleções do MP se fundiram ao acervo do antigo MAE, do Instituto de Pré-história e do Museu de Etnografia da FFLCH, concentrando numa única instituição todos os conjuntos de cultura material arqueológica ou etnográfica espalhados pela USP. Hoje, isso significa um milhão e meio de itens distribuídos em acervos de arqueologia brasileira, da América, da África, do Mediterrâneo e do Oriente próximo, à disposição de vinte docentes.
Conforme conta Paulo Antonio DeBlasis, diretor do museu, as diretrizes de pesquisa do MAE despontaram exatamente desse amálgama de instituições. “O MAE herdou suas linhas de pesquisa e as ampliou”, explica. “Herdamos a vocação de guarda e pesquisa com os acervos etnográficos e pesquisa etnográfica no Brasil. Do antigo IPH vieram as pesquisas com arqueologia brasileira e bioarqueologia e do antigo MAE, o componente de arqueologia clássica, do Mediterrâneo e Oriente próximo.” Segundo DeBlasis, essas áreas hoje aparecem organizadas em três linhas de trabalho. Arqueologia e Identidade, Arqueologia e Ambiente e Arqueologia e Sociedade. Uma pós-graduação em Arqueologia e o Programa Interunidades de Museologia respondem pelo ensino de todo esse conhecimento, recebendo cerca de cem estudantes.
Em 2018, o legado da integração que fundou o MAE é uma unidade de excelência na pesquisa e no ensino. No entanto, a instituição vive oprimida pela falta de espaço físico adequado para espraiar sua extensão.
“A USP não sabe aproveitar o potencial de seus museus”, desabafa o diretor. “Acho uma pena, porque os museus poderiam ser uma espécie de cartão de visitas da USP, mostrar o que ela tem, seu potencial de ensino e pesquisa.” As críticas de DeBlasis têm como destino a escassez de recursos e a luta por verbas encaradas pelos museus. “Na medida em que eles ficam longamente à margem dos grandes investimentos, certos problemas se tornam cada vez maiores. Como o caso do Museu Paulista. Ele ficou relegado por muito tempo e chegou a um estado em que o custo de recuperação se tornou muito maior.”
O diagnóstico do diretor do MAE não mira exclusivamente a USP. Segundo ele, há um problema nacional que se crava no papel ao qual os museus são relegados, como a destruição do Museu Nacional no Rio de Janeiro deixou explícito. “Universidade é essencialmente ensino, mas existem várias formas de ensino. É uma ideia que me parece acanhada essa de ensino ser só a sala de aula. Ele acontece olhando o ambiente, indo a museus, com cultural geral. E cultura é algo muito mais amplo que o ensino específico de uma disciplina como química, matemática ou história.”
Dentre os museus estatutários, o MAE é o que mais sofre com a ausência de espaço físico para exposições e DeBlasis não hesita em identificar a extensão como o ponto fraco da instituição. “Nós temos uma restrição brutal de espaço. Nesse momento, estou batalhando um espaço expositivo à altura das coleções que temos. O MAE está sem nenhuma exposição, mas já tivemos várias. Temos um lado museológico muito forte.” A próxima mostra está programada para março, sobre populações indígenas do oeste paulista, uma exposição que contou com participação dos próprios indígenas em sua criação.
Por duas vezes, em tempos recentes, o museu quase reverteu essa situação. A primeira foi em 2012, quando foi oferecido ao MAE o edifício que então abrigava o MAC, na própria Cidade Universitária. A instituição recusou a transferência porque teria de migrar totalmente para as novas instalações que, apesar de maiores, ainda não comportariam toda sua estrutura. Hoje, o prédio se tornou o Espaço de Artes, pertencente à ECA. DeBlasis lamenta esse desfecho, que considera falta de habilidade política. “Deveríamos ter negociado melhor na época, mas o momento passou.”
A outra oportunidade teve menos a ver com as ações do próprio MAE. Com as primeiras tratativas para sua evocação em 2002, a Praça dos Museus seria um complexo que abrigaria o Museu de Arqueologia e Etnologia, o Museu de Zoologia, um edifício expositivo e mais outro prédio para atividades culturais. Com projeto arquitetônico assinado por Paulo Mendes da Rocha em parceria com o escritório Piratininga, a praça começou a ganhar corpo a partir de 2010. No início de 2014, entretanto, as obras foram paradas por questões orçamentárias e estão abandonadas, sem previsão de retomada.
Quebra de expectativas também para o MZ que, apesar de possuir um espaço expositivo maior, há anos faz contagem regressiva para deixar o imóvel da avenida Nazaré. “Embora o prédio tenha sido construído para ser um museu, é um edifício antigo”, explica o vice-diretor Marcelo Duarte. “As coleções cresceram muito. Na época em que ele foi criado, tínhamos cerca de um milhão de exemplares e hoje, algo em torno de 8 a 11 milhões, com o mesmo espaço.” A solução atual para lidar com a expansão consiste no aluguel de um prédio vizinho ao museu, pertencente à Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição.
Com o zero absoluto das obras da Praça dos Museus, o MZ já serpenteia com a ideia de construir um anexo ali mesmo no Butantã. Contudo, seu diretor lamenta o potencial desperdiçado com o enterro do projeto. “Se quiséssemos, o Estado de São Paulo poderia ter um museu de história natural, fundindo várias instituições”, imagina Cardoso. “Museu de Zoologia, MAE, o Instituto de Botânica, o próprio Departamento de Botânica da USP. Na verdade, já temos, só não está consolidado, só falta uma exposição conjunta e uma estrutura. Se a Praça dos Museus fosse construída, teríamos boa parte desse museu.”
A proeminência da pesquisa é indiscutível para os diretores dos museus. Contudo, as quatro instituições se apoiam no mesmo triunvirato que suporta toda a Universidade de São Paulo. Ensino e extensão podem cintilar com intensidades difusas em cada unidade, mas estão no horizonte de cada uma delas.
Nenhum museu possui curso de graduação. Em vez disso, oferecem disciplinas optativas para os estudantes de toda a Universidade. São matérias à disposição de quem procura conhecimento diferente de sua grade regular, que não estão atreladas a nenhum currículo. Segundo Carlos Brandão, diretor do MAC, mais de mil estudantes procuraram disciplinas nos quatro museus em 2017.
“O estudante de engenharia naval, por exemplo, tem o privilégio de fazer uma disciplina de história e descobrir um campo de convergência de interesses”, comenta Solange, diretora do Museu Paulista. O exemplo não é metafórico. Segundo a diretora, uma peça em exposição no Museu Republicano de Itu contém informações oriundas da sala de aula de uma dessas disciplinas, resultado de cálculos feitos por um estudante de engenharia sobre uma embarcação paulista do período colonial, ligada às monções.
“Isso é o mais interessante de um museu na universidade, que faz jus ao nome universidade: essa possibilidade transversal”, complementa Solange.
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