O legado de Rino Levi nas mãos dos paulistanos

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e Itaú Cultural mostram ideias do arquiteto para cidades mais humanas

 06/03/2020 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 09/03/2020 as 18:06
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A Ocupação Rino Levi, no Itaú Cultural, em São Paulo – Foto: Divulgação

O interesse de 50 estudantes, de 12 anos de idade, da Escola Municipal Isabel Vieira Ferreira, de São Paulo, movimentou a Ocupação Rino Levi no dia 4 de março passado, uma quarta-feira. Curiosos, foram percorrendo a exposição, no Itaú Cultural, e observando os desenhos saindo das pranchetas para transformar São Paulo em uma metrópole moderna.

Ocupação Rino Levi é realizada graças a uma parceria entre a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e o Itaú Cultural – Foto: Leila Kiyomura

“É incrível. Rino Levi não tinha computador? Como conseguia desenhar assim com a mão? Aqui está escrito que ele usava lápis de cor, giz de cera, grafite. E o que é nanquim?”, pergunta a estudante Isadora Bela de Souza. “Achei interessante. Era mesmo um grande arquiteto, fez a cidade ficar mais bonita com prédios diferentes, casas, cinemas…”

“Gostei também”, comenta a colega Camila Marques. “A nossa escola fica no Parque Primavera. Acho que lá precisava de um arquiteto como ele. Quem sabe eu consiga estudar na USP, fazer arquitetura para planejar hospitais, como ele.”

Na Ocupação, monitores apresentam a vida e a obra do arquiteto Rino Levi  – Foto: Leila Kiyomura

O professor de Artes Alexandre Fernandes Galtarossa, responsável pela turma, concorda: “Há muito que se melhorar na periferia da zona sul. São muito importantes iniciativas como esta da USP e do Itaú Cultural, que buscam incentivar o acesso dos estudantes do ensino fundamental ao conhecimento e bens culturais. Aqui eles têm uma aula da história da cidade. Importantes também, além da forma didática da exposição, as explicações e o trabalho da equipe de educadores e o envio de ônibus gratuito para trazer os alunos.”

Inaugurada no dia 29 de fevereiro passado, a Ocupação Rino Levi já foi apreciada por mais de 5 mil pessoas. A parceria entre a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e o Itaú Cultural resultou em uma apresentação inusitada da vida e da obra do arquiteto, com documentos, desenhos, fotos e filmes, pertencentes ao acervo da FAU.

As obras de Rino Levi qualificaram nossas cidades. A qualidade é uma questão que segue vigente neste momento de grandes transformações urbanas.”

O arquiteto Rino Levi (1901-1965) foi professor da USP entre 1957 e 1960 – Arquivo / USP Imagens

A história de Rino Levi – professor da FAU entre 1957 e 1960 – é contada entre croquis, maquetes, recortes de jornais, fotografias, vídeos inéditos e projetos que ele desenhou, mas não foram construídos. “Ele nasceu em São Paulo, em 31 de dezembro de 1901, quando a cidade tinha 239 mil habitantes. Foi para a Itália e, quando retornou, em 1926, São Paulo tinha 580 mil habitantes. Morreu em 29 de setembro de 1965, durante uma expedição que realizava com o paisagista e amigo Roberto Burle Marx para pesquisar a flora brasileira. A metrópole já tinha atingido 3 milhões de habitantes”, conta a jornalista Luciana Modé, que integra o Núcleo Observatório do Itaú Cultural.

O público tem um panorama da trajetória de Rino Levi em busca da modernização da cidade. “Há muitas obras que não saíram do papel, como o Viaduto do Chá, diferente do que existe atualmente no centro da cidade, e o projeto de Brasília, que perdeu o concurso de 1957 para Lúcio Costa”, acrescenta a jornalista.

A equipe de monitores, orientada pelo Itaú Cultural, se encarrega de apresentar Rino Levi. A Ocupação está dividida em cinco eixos. No primeiro, foram reunidos os projetos que marcam a paisagem de São Paulo, entre eles antigos cinemas, como o Ipiranga e o Universo, e os hospitais Antônio Cândido de Camargo, do Instituto Central do Câncer, e Einstein. No eixo Morar Moderno há os projetos de Levi em diversas escalas, privilegiando os espaços flexíveis e a integração entre arte, design e paisagismo. Há ainda o belo edifício Prudência, na avenida Higienópolis, tombado pelo Departamento do Patrimônio Histórico em 1994. No terceiro eixo, Metrópole Vertical, estão as experimentações do arquiteto com projetos de apartamentos e escritórios. O eixo Cidade Nova traz a arquitetura de Levi valorizando a arquitetura aliada à natureza. No último núcleo,Metrópole Cultural, estão seus projetos que sugerem novos modos de lazer de massa. Entre eles destaca-se o Teatro Cultura Artística, com o gigantesco painel de Di Cavalcanti na fachada. A construção foi atingida por um incêndio em 2008 e está em processo de reconstrução desde 2018.

“Rino Levi foi um arquiteto muito engajado na difusão da arquitetura e do urbanismo e na defesa de seu papel social”, observa a diretora da FAU, Ana Lanna, responsável pelo projeto com o Itaú Cultural, e a equipe de curadores, formada pelos professores Joana Mello, Mônica Junqueira de Camargo e Hugo Segawa, em texto enviado ao Jornal da USP. “Como arquiteto, mas sobretudo como professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e membro do Instituto de Arquitetos do Brasil, Levi procurou mostrar a importância e o alcance da profissão na resposta aos desafios colocados pela metropolização e pelos novos modos de vida: a construção de moradias, de equipamentos que dessem suporte à vida cotidiana como escolas, hospitais, cinemas, escritórios, edifícios industriais, o centro cívico. Todas as grandes cidades têm edifícios desse tipo.”

Mas em que medida foi e é possível produzir edifícios e cidades melhores? “As obras de Rino Levi qualificaram nossas cidades. A qualidade é uma questão que segue vigente neste momento de grandes transformações urbanas. Essa é a atualidade de Rino Levi”, destacam os curadores.

“A Ocupação Rino Levi resultou de uma proposta da FAU, com o objetivo de estabelecer e fortalecer trocas com instituições culturais que viabilizassem maior extroversão do conhecimento produzido na Universidade e do potencial de pesquisa existente em seus acervos”, dizem ainda os curadores. “O ponto de partida era que deveria ser um trabalho de equipe que valorizasse e tornasse público o trabalho da faculdade e o acervo de sua biblioteca. Uma curadoria coletiva, universitária, que articulasse ensino, pesquisa e extensão.”

Os curadores explicam que o Itaú Cultural foi receptivo a essa proposta inovadora de relacionamento entre as instituições. “Um conjunto de docentes, servidores técnico-administrativos e discentes, juntamente com a equipe do Itaú Cultural, abraçou o desafio que demandou quase um ano de trabalho, organizando material inédito e ampliando as perspectivas reflexivas sobre o fazer arquitetura e cidades, sintetizadas na exposição.”

Além de integrar o Projeto Ocupação, a parceria resultou também na organização de dois seminários, um no Itaú Cultural e outro na Cidade Universitária, abertos ao grande público, realizados nos dias 2 e 3 de março passados. Importante ainda a assinatura de convênio que viabilizou que o Itaú Cultural destinasse recursos para o acondicionamento e tratamento da coleção Rino Levi.

Há obras que não saíram do papel, como o Viaduto do Chá, diferente do que existe atualmente no centro da cidade, e o projeto de Brasília, que perdeu o concurso de 1957 para Lúcio Costa.”

 O conhecimento, a experiência e a pesquisa da FAU, aliados à competência, comunicação e criatividade da equipe de curadores do Itaú Cultural, resultaram em um projeto que vem atraindo um público muito diversificado. “Nossa expectativa foi apresentar o campo da arquitetura e do urbanismo para que o público amplie seu conhecimento sobre a profissão, mas também nos interessa apresentar uma reflexão sobre a cidade de São Paulo e sua história e a partir disso sugerir formas de se apropriar da cidade, reconhecendo criticamente os seus processos de transformação e seu patrimônio”, explicam os curadores da FAU. “A equipe do Itaú Cultural, por sua vez, tem vasta experiência de dialogar com o grande público e também apresentar arquitetura e urbanismo de forma amigável e interativa. O Educativo do Itaú Cultural pensou em atividades envolvendo crianças de maneira muito criativa.”

A história de Rino Levi é contada entre croquis, maquetes, recortes de jornais, fotografias, vídeos inéditos e projetos – Foto: Divulgação

A jornalista Luciana Modé lembra que Rino Levi abre a série Ocupação deste ano. “É a 49ª exposição do gênero, idealizada para destacar o trabalho e a trajetória de artistas que são referência em sua área. O público está apreciando a modernização, verticalização e mudança de parâmetros que ele implementou na cidade.”

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A Ocupação Rino Levi fica em cartaz até 12 de abril, de terça a sexta-feira, das 9 às 20 horas, sábados, domingos e feriados, das 11 às 20 horas, no Itaú Cultural (Avenida Paulista, 149, térreo, Bela Vista, em São Paulo). Entrada grátis.


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