Negação do Holocausto e seus efeitos são tema de evento

Nesta quarta-feira, às 17 horas, especialistas vão debater formas de combater o negacionismo no Brasil

 17/05/2021 - Publicado há 3 anos
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Judeus no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia – Arte de Lívia Magalhães com imagem de Wikipédia

 

Um terço dos europeus nada sabe sobre o Holocausto, segundo levantamento da rede de TV CNN. Um quarto dos jovens americanos acha que o Holocausto é um mito, de acordo com pesquisa da organização judaica Claims Conference. Esses são alguns efeitos do negacionismo em relação ao assassinato de 6 milhões de judeus pelo regime nazista da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tema de evento que o Fórum Permanente sobre Genocídio e Crimes contra a Humanidade promove nesta quarta-feira, dia 19, a partir das 17 horas. Intitulado O Holocausto sob Ataque: a Negação do Holocausto, sua Lógica e seus Efeitos para os Direitos Humanos, o evento é gratuito, mas os interessados em participar precisam se inscrever previamente neste site.

Uma das palestrantes do evento, a doutora em Direito Penal Milena Gordon Baker afirma que a negação do Holocausto é uma forma de discurso de ódio, uma teoria conspiratória que pretende se passar por científica, uma pseudo-história com finalidade racista. Ela alerta que os negacionistas manipulam e distorcem fontes, se vitimizam e consideram que são perseguidos utilizando o discurso do impedimento da liberdade de expressão. “Para eles os judeus não são vítimas, mas vitimizadores”, diz Milena.

Fatores que se relacionam com a negação do Holocausto – altas taxas de antissemitismo, a existência de regimes de extrema direita no mundo e a enorme quantidade de teorias conspiratórias, entre outros – motivaram Milena Baker a investigar o assunto. Ela lembra que, quando tomou conhecimento de um encontro de negacionistas, se deu conta de que inexistia uma lei específica para proibir essa reunião. Suas pesquisas resultaram numa tese de doutorado, defendida na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, publicada em 2020 com o título Criminalização da Negação do Holocausto no Direito Penal Brasileiro. Milena afirma que a intenção foi demonstrar que a intervenção penal de criminalizar o ato de negar, distorcer ou banalizar está justificada. Sua justificativa está na legitimidade da afetação dos bens jurídicos, “um interesse social”, que no caso da negação do Holocausto são a paz, a honra e a igualdade.

Material de pesquisa sobre negação do Holocausto pertencente ao Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (Leer) do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP – Foto: Arquivo Arqshoah/Leer-USP

 

O fato de os sobreviventes do Holocausto estarem desaparecendo e seus arquivos pessoais serem esquecidos – às vezes por ignorância de seus familiares, mal informados do seu valor documental – abre uma brecha para os negacionistas do Holocausto reavivarem suas pseudo-teorias, analisa um dos coordenadores do Fórum Permanente, o professor Arthur Roberto Capella Giannattasio, do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP.

Giannattasio explica que um dos motivos para a ocorrência do negacionismo é a ausência do comprometimento do Estado com políticas públicas voltadas para denunciar e lembrar as diferentes práticas de genocídio e de crimes contra a humanidade, o que contribui para aprofundar a desinformação e a perda da memória coletiva em torno desses fatos. Ele lembra o caso Ellwanger, em 2003, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o industrial e editor gaúcho Siegfried Ellwanger Castan (1928-2010) por causa da publicação de obras antissemitas “negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o Holocausto”. O STF afirmou na mesma decisão que “jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais”.

Para Giannattasio, o perigo da manifestação do negacionismo é a criação ou o reforço de estereótipos que desqualificam os grupos sociais prejudicados. Além de esses grupos reviverem memórias traumáticas, outra possível consequência, acrescenta o professor, é a possibilidade de reinstaurar no plano do discurso e da ação a aceitação social de práticas de desrespeito individual e coletivo com relação a grupos determinados e a seus respectivos membros.

Para manter acesa a memória e fortalecer as instituições democráticas, Giannattasio sugere a realização de exposições permanentes físicas e virtuais sobre perseguições de minorias e violações de direitos humanos e a criação de um calendário anual de atividades conjuntas entre universidades e escolas de ensino fundamental e médio.

A professora Maria Luiza Tucci Carneiro – Foto: FFLCH/USP

A professora Maria Luiza Tucci Carneiro, docente do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e também membro da coordenação do Fórum Permanente, destaca que esse debate é urgente, porque os negacionismos e revisionismos ameaçam vidas humanas, contribuindo para desestabilizar a democracia. Ela afirma que produtores de conhecimento não devem ser coniventes com políticas que colocam em risco o respeito à dignidade da pessoa humana, um dos mais caros alicerces do Estado democrático de direito.

Além da importância da criminalização e do debate sobre a negação do Holocausto, mais medidas são necessárias para o combate ao negacionismo, acredita Maria Luiza. A professora comenta que contra manifestações públicas que negam o Holocausto (discursos, livros, artigos, exposições e charges, por exemplo) devem ser imputadas as penalidade que as definem como crimes de racismo.

Armênios perseguidos pelo Império Otomano durante o genocídio armênio (1915-1923) – Foto: Empresa Brasil de Comunicação

 

“Diante da persistência deste e outros tantos negacionismos que ganham público no Brasil, negando o Holocausto e o genocídio armênio ou silenciando sobre os genocídios dos povos afrodescendentes e indígenas, por exemplo, consideramos emergencial criar um espaço de debate permanente na USP”, considera Maria Luiza. 

O Fórum Permanente sobre Genocídio e Crimes contra a Humanidade reúne três instituições da USP – o Centro de Estudos sobre a Proteção Internacional de Minorias (Cepim) da Faculdade de Direito, o Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (Leer) do Departamento de História da FFLCH e o Instituto de Relações Internacionais – e a Escola Superior de Advocacia da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP). Desde 2020, ele promove encontros periódicos para discutir genocídios e crimes contra a humanidade que foram ou que são praticados ao redor do mundo. 

“O Fórum Permanente é uma iniciativa de resistência e fortalece a esfera pública como um espaço democrático, preocupado com a defesa dos direitos humanos e consciente da importância da proteção de minorias”, complementa Arthur Giannattasio. 

Folder do evento promovido pelo Fórum Permanente sobre Genocídio e Crimes contra a Humanidade – Foto: Reprodução

 

Além de Maria Luiza e Giannattasio, o Fórum Permanente sobre Genocídio e Crimes contra a Humanidade conta na sua coordenação com o professor Paulo Borba Casella e com o doutorando Felipe Nicolau Pimentel Alamino, ambos do Cepim.

O evento O Holocausto sob Ataque: a Negação do Holocausto, sua Lógica e seus Efeitos para os Direitos Humanos, promovido pelo Fórum Permanente sobre Genocídio e Crimes contra a Humanidade, será realizado nesta quarta-feira, dia 19, às 17 horas, via internet. O evento é gratuito, mas é preciso fazer inscrição neste site. Os dados de acesso serão enviados para os inscritos um dia antes do encontro.


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