Claudia Andujar, Yanomani, da série A Casa, 1974-76, ampliação fotográfica analógica sobre papel prata/gelatina, 83 x 100 cm - Coleção MAM

MAC e MAM saem na defesa da cultura e da natureza

As duas instituições exibem a mostra Zona da Mata, que critica os descaminhos políticos e ambientais do Brasil

02/07/2021

Por : Leila Kiyomura

Arte: Simone Gomes

Os paulistanos que quiserem se embrenhar na nossa cultura, história e natureza para refletir sobre os desafios políticos, sociais e ambientais que o Brasil enfrenta precisam só atravessar uma passarela. De um lado está o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP e, do outro, bem no centro do Parque Ibirapuera, o Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo. Esses dois patrimônios da cidade, projetados por Oscar Niemeyer, se unem para apresentar juntos a mostra Zona da Mata.

Com a curadoria de Ana Magalhães, Marta Bogéa, ambas do MAC, e Cauê Alves, do MAM, a exposição, como bem define esse trio de professores e pesquisadores da USP,  “é uma metáfora simbólica, não apenas no sentido da geografia física, mas no enfrentamento necessário do desafio de tratarmos da violenta constituição do nosso território”.

Tanto no MAC como no MAM os curadores, através do texto exposto em um mural, questionam: “Frente à exploração predatória de pessoas e lugares, como restituir dignidade ao que precisamos reconhecer como nossa morada? É incontornável repactuar nossa condição humana na indissociável relação entre cultura e natureza”.

“Diante do Brasil em febril convulsão, violentamente retrógrado, Zona da Mata é hoje todo o País.“

Claudia Andujar, Yanomani, da série A Casa, 1974-76, ampliação fotográfica analógica sobre papel prata/gelatina, 83 x 100 cm – Coleção MAM

Zona da Mata geograficamente se refere à faixa litorânea da região nordeste do Brasil, paralela ao Oceano Atlântico, que se estende do Rio Grande do Norte até a Bahia. “Emprestamos o termo como título da exposição, porque ele, antes de mais nada, é usado para descrever o território de entrada dos colonizadores no século 16, marcado necessariamente pela destruição da vegetação original ao longo dos séculos, devido ao ciclo predatório da indústria açucareira, pelo genocídio de suas populações autóctones e pela violência da escravidão”, explica Ana Magalhães, diretora do MAC. “Como afirmamos em nosso texto de apresentação, diante do Brasil em febril convulsão, violentamente retrógrado, Zona da Mata é hoje todo o País. A exposição pretende colocar em pauta a necessidade de repactuarmos nossas relações com saberes ancestrais e com a natureza.”

Obra em exposição no Museu de Arte Moderna (MAM) – Foto Karina Bacci

A exposição está dividida em quatro partes, que ocupam diferentes espaços, com distintas temporalidades. O visitante não tem a totalidade da mostra. Fica diante de fragmentos. Cabe ao visitante juntar e avaliar esses fragmentos. No MAC ela foi montada no quinto andar, na ala B e no térreo, e segue até 1º de maio de 2022, com trabalhos de Brasil Arquitetura (Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci), Claudia Andujar, Fernando Limberger, Gabriela Albergaria, Gustavo Utrabo, Guto Lacaz, Jaime Laureano, Julio Plaza, Leandro Lima, Gisela Motta e Claudia Andujar, Marcius Galan, Paulo Nazareth e Rodrigo Bueno.

A exposição Zona da Mata no Museu de Arte Moderna (MAM) – Foto Karina Bacci

No MAM, Zona da Mata  tem dois momentos, com montagens de artistas diferentes. Até 17 de outubro, a Sala de Vidro do MAM recebe obras de Marcius Galan, Guto Lacaz e Gustavo Utrabo, e de 23 de outubro a 6 de março de 2022 será apresentado, no mesmo espaço, o trabalho do artista Rodrigo Bueno, feito especialmente para o local.

Zona da Mata também leva em conta o Parque Ibirapuera, antes do corte provocado pela Avenida 23 de Maio”, observa Cauê Alves, curador-chefe do MAM. “Acredito que é urgente uma possibilidade de reflexão sobre como estamos transformando a nossa paisagem e ignorando saberes ancestrais que não podem mais ser desprezados. Estamos no limite, na beira do abismo.”

Diante dessa realidade, a parceria entre o MAM e o MAC é fundamental. “Há uma ligação histórica entre essas duas instituições que integram o eixo cultural do Ibirapuera. É essencial somarmos esforços, nos reposicionarmos a partir de parcerias e refletirmos sobre o modo como arte e arquitetura abordam a transformação da paisagem e seus vínculos com questões socioambientais”, observa Alves.

“Compreendo a proteção das florestas como uma responsabilidade de todos nós. A mostra visa a contribuir para sensibilizar sobre esse compromisso coletivo.

Quando o visitante sai do elevador, sem pressa, há de se deparar com a instalação e o recado de Jaime Laureano: “Nessa terra, em se plantando, tudo dá”. A citação é de Pero Vaz de Caminha, escrita em 1500 para o rei Dom Manuel, de Portugal. A obra do artista paulistano apresenta uma frágil muda de pau-brasil dentro de uma caixa de madeira com refletores e um sistema de irrigação. A árvore está iluminada. Mas presa em uma estufa.

E quando seguir pelo espaço, é interessante constatar a orientação da curadora, vice-diretora do MAC e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP Marta Vieira Bogéa. “Zona da Mata vislumbra a proteção socioambiental em relação ao País”, comenta. “Paisagem Reflexiva, do gaúcho Fernando Limberger, é uma obra relevante para lançar um olhar atento e ver germinar a paisagem a partir do sítio onde estamos localizados. Compreendo a proteção das florestas como uma responsabilidade de todos nós. A mostra visa a contribuir para sensibilizar sobre esse compromisso coletivo.”

Limberger chamou sua obra de Floresta. Ela se insere em um conjunto de 15 trabalhos. São objetos geométricos feitos de pedaços de madeira e galhos queimados e pintados com encáustica.

Jaime Laureano: “Nessa terra, em se plantando, tudo dá” – Foto: Atílio Avancini

Aos 90 anos, completados no último dia 12 de junho, Claudia Andujar – fotógrafa, jornalista, ativista e grande defensora dos Yanomani – marca presença na mostra. As fotos apresentadas, de 1974 a 1976,  integram o acervo do MAM. A fotógrafa é um nome respeitado internacionalmente na defesa dos índios e das florestas. Em Paris, no início do ano passado, a sua exposição na Fundação Cartier Bresson atraiu milhares de pessoas.

Claudia Andujar, Yanomani, da série A Casa, 1974-76, ampliação fotográfica analógica sobre papel prata/gelatina, 83 x 100 cm – Coleção MAM

Na travessia da passarela, o visitante contempla a São Paulo do Parque Ibirapuera. A exposição continua na vida do paulistano correndo, passeando, respirando. Na Sala de Vidro do MAM, Guto Lacaz aparece, em vídeo, pintando um quadrado em torno de duas árvores plantadas na calçada de uma rua de São Paulo. Um gesto gráfico, pictórico, em que o artista sinaliza uma área de abertura no concreto para as raízes crescerem. O arquiteto e artista Gustavo Utrabo propõe Um Restaurante no Jardim, resgatando a leveza dos lugares ao ar livre. E Marcius Galan protesta, em Arquipélago, contra o desmantelamento dos espaços públicos e a transformação da paisagem sufocada por elementos urbanos.

A exposição Zona da Mata está em cartaz de terça a quinta-feira, das 11 às 19 horas, e de sexta a domingo, das 11 às 21 horas, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Parque Ibirapuera, São Paulo). É preciso agendar a visita através deste link. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 2648-0254.

Zona da Mata também está no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, no Parque Ibirapuera, de terça-feira a domingo, das 12 às 18 horas (Avenida Pedro Álvares Cabral, s/nº, Portões 1 e 3, telefone 11 5085-1300). Agendamento neste link