Lutero promoveu o pluralismo moderno, diz pastor e sociólogo

Doutor em Sociologia pela USP analisa os 500 anos da Reforma Religiosa do século 16

 31/10/2017 - Publicado há 6 anos
Por
Martim Lutero: reformador está na origem do conceito moderno de autonomia individual – Foto: Domínio Público via Wikimedia Commons

.
No aniversário de 500 anos da Reforma Religiosa do século 16 – que ocorre nesta terça-feira, dia 31 de outubro -, o protestantismo sofre o risco de repetir os mesmos erros cometidos pela Igreja cristã medieval, contra os quais se debateu o monge agostiniano alemão Martim Lutero (1483-1546). Entre esses erros está a intolerância. É o que afirma o reverendo Valdinei Ferreira, pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo – a Catedral Evangélica de São Paulo -, que fez graduação, mestrado e doutorado em Sociologia na USP.

Para ele, o protestantismo está na base do pluralismo moderno. O movimento liderado por Lutero, que tinha como um de seus princípios o livre exame da Bíblia pelos cristãos, levou à contestação dos dogmas da Igreja e à liberdade de pensamento dos fiéis. Essas são as origens do atual conceito de autonomia do ser humano, segundo o pastor e sociólogo. “É por isso que as Igrejas protestantes têm que trabalhar a partir da tolerância.”

O pastor e sociólogo Valdinei Ferreira, da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo – Foto: Arquivo Pessoal/Allison de Carvalho

.
Isso não está em contradição com o conhecido e tão criticado antissemitismo de Lutero, acredita Ferreira. De acordo com ele, as críticas do reformador aos judeus são algo “datado”, um produto da época, “resquício das Cruzadas”. “Atualmente, quase se dá o contrário, ou seja, uma quase ausência de crítica a Israel no que se refere aos conflitos na Palestina, por exemplo”, acrescenta o pastor, referindo-se a determinados setores do protestantismo.

Embora tivesse motivações espirituais, a Reforma deu grandes contribuições para a sociedade ocidental também nos campos da política e da economia, diz o pastor. Na política, ela contribuiu para quebrar as distâncias presentes na sociedade ao contestar a hierarquia católica e permitir que, nas congregações, os membros da Igreja escolhessem seus representantes. “Isso reapareceu na história na forma de movimentos contra os absolutismos.”

Já no que se refere à economia – continua o pastor -, o protestantismo promoveu a racionalidade na administração dos bens públicos, contribuindo para o desenvolvimento das nações que adotaram a Reforma, como Alemanha, Holanda e Inglaterra. Reconhecendo que, ao lado da prosperidade, o capitalismo impulsionado pela Reforma também ajudou a fazer crescer a exploração humana e a desigualdade social, o pastor lembra que o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), no livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, já apontava essas mazelas como “consequências não previstas pelos reformadores”.

Para Ferreira, o protestantismo sempre se preocupou com a situação da sociedade. O reformador francês João Calvino (1509-1564) – que introduziu a Reforma em Genebra, na Suíça -, por exemplo, fundou abrigos para refugiados e criou serviços de diaconia para atender os pobres.

Para ser fiel a esse legado, diz o pastor, a Igreja que comanda vai lançar o Manifesto Reforma Brasil, nesta terça-feira, dia 31, às 20 horas (leia o texto abaixo). “Não celebraremos dignamente o legado da Reforma Protestante se fizermos menção das conquistas civilizatórias do passado, mas fecharmos os olhos para os desafios dos nossos dias”, escreve Ferreira, num texto de apresentação do Manifesto. “O grande desafio de nosso tempo é uma reforma política de verdade.”

O reformador francês João Calvino: cuidado com os pobres – Foto: Domínio público via Wikimedia Commons

.
Protestantes lançam manifesto político

O Manifesto Reforma Brasil será lançado nesta terça-feira, dia 31 de outubro – data de aniversário de 500 anos da Reforma Religiosa do século 16 -, às 20 horas, num ato cívico público a ser realizado na Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, a Catedral Evangélica de São Paulo (Rua Nestor Pestana, 152, Consolação, região central de são Paulo).

O documento enfatiza a necessidade do fortalecimento da democracia no Brasil, valoriza a política como mediadora dos conflitos sociais e destaca que cabe à sociedade – e não aos políticos de carreira – estabelecer as regras da política no País. Entre as propostas do Manifesto estão o fim do foro privilegiado, o estabelecimento de limites para reeleição no Poder Legislativo, a introdução do voto distrital – como forma de baratear as campanhas eleitorais e aproximar os eleitores de seus representantes – e a mudança de regras para a nomeação de ocupantes de cargos nos tribunais.

“Queremos promover uma campanha de mobilização permanente, apartidária, em favor de uma reforma política de verdade para o Brasil”, afirma o reverendo Valdinei Ferreira, pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo e doutor em Sociologia pela USP.

Ouça o programa Manhã com Bach, da Rádio USP (93,7 MHz), que apresentou cantatas de Johann Sebastian Bach em homenagem à Reforma Religiosa do século 16.
.


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.