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Grupo de Teatro da Poli apresenta peças que refletem sobre a ditadura militar
Com quase 80 anos de história, o grupo coloca em cartaz Bailei na Curva e Lembrar É Resistir
Legenda e crédito
Cena da peça Lembrar É Resistir: a arte como forma de representar a realidade brutal da ditadura militar brasileira – Foto: Mateus Tosatti
Prestes a completar 80 anos de atividades, o Grupo de Teatro da Poli (GPT) – fundado em 1945 por estudantes de engenharia da USP – apresenta duas peças, que estão em cartaz no Prédio do Biênio da Escola Politécnica da USP: Bailei na Curva, já exibida em 2011, e a inédita Lembrar É Resistir.
Néia Barbosa, diretora do GTP, conta que ambos os espetáculos retratam o contexto da ditadura militar brasileira (1964-1985). “Escolhemos a arte como forma de representar essa realidade brutal enfrentada pelo País”, afirma.
Em Bailei na Curva, a plateia se depara com a trajetória de sete amigos, vizinhos da mesma rua, em abril de 1964. Da infância à vida adulta, eles convivem com os efeitos de terem vivenciado um golpe militar que impactou os sonhos e a esperança de uma geração. Escrita em meados dos anos 1980 por Julio Conte, a peça se mantém atual e relevante por retratar para o público jovem e universitário a convivência em meio à ditadura militar brasileira. Néia Barbosa, que também é diretora do espetáculo, reitera a importância da obra para as novas gerações. “Em vez de ter medo de tocar na ferida, a juventude de hoje precisa entender essa realidade”, diz.
A diretora também comanda a montagem e a produção de Lembrar É Resistir, escrita por Analy Alvarez e Izaías Almada. Ao abordar as torturas e punições praticadas contra perseguidos políticos durante o período militar, a peça discute o desrespeito aos direitos humanos e a intolerância na sociedade brasileira.
As próximas sessões de Bailei na Curva acontecerão nesta sexta-feira, dia 29, e nos dias 3, 7 e 10 de dezembro. Já Lembrar É Resistir será apresentada nos dias 2, 6, 9 e 14 de dezembro. A entrada é grátis.
Tradição artística na Poli
A montagem das duas peças reforça a trajetória crítica do GTP, que, desde a sua fundação, em 1945, reúne alunos politécnicos e demais participantes em apresentações teatrais, reuniões de estudo dramatúrgico e ensaios. “São momentos em que nos sentimos em família”, afirma o estudante Caíque Pachá, aluno do terceiro ano da Escola Politécnica da USP, descrevendo sua experiência no Grupo de Teatro da Poli. Atualmente, o grupo conta com mais de 30 integrantes, que se dividem em diferentes núcleos de pesquisa teatral.
“A intenção não é profissionalizar engenheiros na área teatral, mas sim instrumentalizá-los e humanizá-los”, comenta Néia sobre os objetivos do GTP. Foi sobre esse princípio que o grupo foi criado: em meados dos anos 1940, as universidades brasileiras costumavam ser ambientes fundamentalmente técnicos e acadêmicos, sem muitas atividades extracurriculares ou organizações estudantis. A única entidade formada por alunos na Escola Politécnica até então era o Grêmio Politécnico.
Na década de 1940, o Grêmio planejava a construção da Casa do Politécnico, instalação próxima à antiga unidade da Poli, então localizada no centro de São Paulo, que abrigaria estudantes da faculdade a baixo custo. A fim de angariar fundos para a casa que, mais tarde, seria chamada de Cadopô, os alunos promoveram mobilizações como bailes beneficentes e doações. Um desses alunos, o mineiro fascinado por dramaturgia João Ernesto Coelho Neto, já formado em Engenharia Civil, sugeriu a arrecadação de verba por meio de apresentações teatrais. Ele dava início assim a um dos primeiros grupos de teatro universitário do Brasil.
Coelho Neto liderou a organização até 1954, participando tanto da direção das peças como da atuação sobre os palcos. Em outubro de 1953, na comemoração do 50º aniversário do Grêmio Politécnico, o grupo encenou O Doente Imaginário, em que Coelho Neto se destacou na interpretação da personagem principal.
Durante a ditadura militar
No decorrer dos chamados “anos de chumbo” que sucederam o golpe cívico-militar de 1964, a intensa repressão e perseguição política que assolaram o País também restringiram as atividades do Grupo de Teatro da Poli, que então ganhava cada vez mais adesão e reconhecimento no meio universitário. O jornalista Luiz Roberto Serrano, atual coordenador editorial do Jornal da USP, integrou o GTP entre 1968 e 1970. Ele destaca o grupo como um espaço de resistência contra o regime. “Entre discussões políticas e passeatas, a participação no GTP abriu a minha cabeça para o pensar social, econômico e cultural do Brasil”, relembra Serrano, que logo deixaria a Poli e acabaria se formando em Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.
Serrano ainda aponta a atuação no GTP como um fator de formação para além do curso de Engenharia, já que, segundo ele, o grupo oferece uma “perspectiva humana fantástica” aos seus membros. O jornalista conta um episódio marcante durante sua passagem no grupo: em 1968, após a invasão da peça Roda Viva, no Teatro Ruth Escobar, pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC), os integrantes do GTP foram chamados para ajudar na segurança do espetáculo nos três dias seguintes. Serrano foi um dos “seguranças” da peça.
Ainda em 1968, os integrantes do grupo escreveram e encenaram a peça A Caça, da qual Serrano participou como ator. O espetáculo foi apresentado uma única vez no Teatro João Caetano e, em seguida, foi censurado pela ditadura militar. Em 1969, os participantes do GTP formaram a chapa GAL 70 (Grêmio aos Alunos), que ganhou as eleições do Grêmio Politécnico naquele mesmo ano. Serrano explica que a chapa, de esquerda, tinha como objetivo movimentar as ações do Grêmio.
O GTP nos dias de hoje
O GTP não se manteve ativo nos anos 1980, o que mudou a partir de 1989 com a primeira Semana de Arte da Poli, criada por José Alberto Orsi. No evento, o grupo encenou a peça Eclipse. Os anos seguintes, porém, não foram de êxito na retomada das reuniões e apresentações. Apesar de outras tentativas de reviver o teatro, a primeira peça apresentada com um GTP mais bem estabelecido foi O Fiscal, em 1999. O grupo entrou nos anos 2000 com maior produtividade, mas ainda assim enfrentou dificuldades para se manter. A partir de 2003, quando a diretora Bia Szvat assumiu o grupo, houve um período de estabilidade. Em 2011, ela deixou a liderança do GTP e o cargo foi transferido para Néia Barbosa, que permanece até hoje.
“Trabalhamos bastante a parte socioemocional, a comunicação interpessoal, a rede de amizades e o arcabouço de memórias”, ressalta Néia, sobre a essência dos trabalhos do GTP. Segundo ela, o grupo se baseia nos princípios do teatro da pessoalidade, de Antonio Januzelli, professor de Teatro da ECA, e segue uma estética dramática, de modo a romper com as noções de enredo, linearidade e caráter teatral. A diretora também destaca a variedade de gêneros dramatúrgicos apresentados pelo grupo, que já encenou desde peças autorais até textos de Nelson Rodrigues, Shakespeare, Caio Fernando Abreu e Frank Wedekind.
A peça Bailei na Curva será apresentada nesta sexta-feira, dia 29, nos dias 3 e 10 de dezembro, às 20 horas, e no dia 7 de dezembro, às 14 horas. A peça Lembrar É Resistir será exibida nos dias 2, 6 e 9 de dezembro, às 20 horas, e no dia 14, às 14 horas. As apresentações acontecem no Centro Cultural Politécnico (Avenida Professor Almeida Prado, 128, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis.
* Estagiária sob supervisão de Marcello Rollemberg e Roberto C. G. Castro
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