Filmes lembram as marcas da ditadura no Brasil de hoje

“Jango” e “Diário de uma Busca” serão exibidos nesta quinta-feira, no evento “Ecos de 1968 – 50 Anos Depois”

 02/10/2018 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 16/10/2018 as 14:53
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Cartazes dos filmes Jango, de Silvio Tendler, e Diário de uma Busca, de Flávia Castro – Fotomontagem a partir dos subsídios gráficos dos cartazes dos filmes 

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São cenas que estão impressas no Brasil de hoje. O filme Jango, de 1984, sob a direção de Silvio Tendler, documenta a trajetória política de João Belchior Marques Goulart, o 24º presidente do Brasil, de 1961 a 1964. Foi democraticamente eleito como vice-presidente, já que na época votava-se também para vice, e tomou posse após a renúncia de Jânio Quadros. Mas foi deposto no dia 1º de abril de 1964. O slogan do cartaz do filme, “Como, quando e por que se depõe um presidente da República”, lançado em março de 1984, quando o golpe completava 20 anos, continua, 50 anos depois, sendo um convite à reflexão.

É com essa proposta que Jango, um dos documentários recorde de público, sendo visto por mais de 1 milhão de pessoas, abre nesta quinta-feira, dia 4, às 16 horas, a programação do evento Ecos de 1968 – 50 Anos Depois, no Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma) da USP. No mesmo dia, às 19 horas, será exibido o filme Diário de uma Busca, da cineasta Flávia Castro, sobre o seu pai, militante da esquerda morto pela ditadura militar (leia abaixo).

As cenas de Jango trazem o Brasil dos anos 1960. O filme começa com a visita de Jango, na época vice-presidente, à China, em agosto de 1961, em um discurso oficial lembrando que a China e o Brasil podem ser bons amigos. São filmes e fotos em branco e preto de um conjunto de imagens que somam quase 100 horas. Narrado por José Wilker, resgata o momento político conturbado. O próprio João Goulart é pego de surpresa com a renúncia de Jânio Quadros, segundo o depoimento do seu secretário de imprensa, o jornalista Raul Ryff.

As cenas do comício de Jango discutindo as reformas, propondo o fim da fome e da miséria, e do apoio dos manifestantes com cartazes com a frase “Desta vez, o governo é o povo” prenunciam o desfecho trágico. O jornalista Ryff lembra que Jango, apesar de ser alertado sobre o efeito de seus discursos, rebateu que “preferia cair, mas cair de pé”.

Cena do filme Jango, de Silvio Tendler – Foto: Reprodução/YouTube

A trilha sonora foi composta por Wagner Tiso e Milton Nascimento. Coração de Estudante torna-se também a trilha do movimento Diretas Já. No filme, a voz de Milton entoando a canção sem a letra é a mensagem que fica no ar: Já podaram seus momentos, desviaram seu destino, seu sorriso de menino, quantas vezes se escondeu/ Mas renova-se a esperança, nova aurora a cada dia.

Silvio Tendler, carioca, 68 anos, já produziu cerca de 70 filmes, entre longas, médias e curtas, além de 12 séries. “Minha opção pelo cinema é política”, diz. “Em 1964, eu, um garoto de Copacabana, classe média, senti o golpe de Estado me pegando no contrapé.”

Cineasta, professor de Cinema e História da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, Tendler observa que ele não é um cineasta que dá aulas ou um professor que filma. “Acho que as duas funções estão muito juntas. Gosto tanto de filmar como estar com os alunos e provocá-los. Fazer a sua cabeça.”
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Filme de Flávia Castro mistura a infância da cineasta com a história do seu pai, militante político nos anos 60 e 70.

.“Meu pai morreu em Porto Alegre, no dia 4 de outubro de 1984, em circunstâncias misteriosas. Ele tinha 41 anos. Não sei se em circunstâncias misteriosas. Vou começar de novo. Meu pai era jornalista.” O filme Diário de uma Busca – que será apresentado às 19 horas desta quinta-feira, dia 4, no evento  Ecos de 1968 – 50 Anos Depois – começa assim, sob o som pesado de botas marchando. A diretora Flávia Castro lembra Celso Afonso Gay de Castro, uma vítima da ditadura que acabou sendo esquecida, como tantas outras.

“Conto a história de meu pai militante político nos anos 60, 70, misturados com a minha infância militante”, diz. “Acho que, no Brasil, o Diário de uma Busca é um dos primeiros filmes que falam da questão dos filhos de militantes e de exilados.”

https://www.youtube.com/watch?v=CoGhWTGS8CU.

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Flávia explica que nunca tinha pensado em fazer um filme de homenagem como muitos. “Durante muito tempo, pensar em meu pai significava pensar em sua morte como se, pelo seu enigma e violência, tivesse apagado a sua história e, junto com ela, parte da minha vida.”

A decisão de fazer um filme veio com a visita de sua meia-irmã, Maria Cavalli Castro, que reside na França. “Ela queria conhecer a história de meu pai, com quem que só conviveu aos dois anos e meio. Meu irmão e eu, que moramos no Rio, fomos até Porto Alegre nos encontrar com ela. Esse encontro foi o impulso para fazer o filme.”

O vazio deixado pelo pai e a falta de respostas sobre a sua morte e também sobre a vida levaram Flávia e o irmão João Paulo ao Diário de uma Busca.

Cena do filme Diário de uma Busca, de Flávia Castro – Foto: Wikimedia Commons

A cineasta viaja ao Chile procurando a casa em que seus pais moraram em 1972, exilados pela ditadura militar. E é questionada pelos donos, que se lembram dos brasileiros. Perguntam: “Ele era uma pessoa importante?”. Flávia responde: “Para mim, sim”.

Diário de uma Busca foi lançado em 2011. Flávia Castro agora se prepara para lançar, no ano que vem, o filme Deslembro, título inspirado no poema de Fernando Pessoa. O filme, embora seja ficção, tem a referência de Diário de uma Busca, contando a história de uma adolescente, Joana, filha de um militante da esquerda assassinado pela ditadura militar no Brasil. Um desfecho difícil, mas que não é possível esquecer: “Os militares não foram punidos. Quase nenhum militar foi punido. Que trabalho de memória fizemos para viver essa história de hoje?”

Celso Afonso Gay de Castro foi morto há exatos 34 anos, completados no dia 4 de outubro de 2018. E a busca continua.
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Leitura cênica relaciona o ano de 1968 às atividades do então Teatro Universitário de São Paulo (Tusp)

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Para encerrar a programação desta quinta-feira, dia 4, do evento Ecos de 1968 – 50 Anos Depois, o Teatro da USP (Tusp) apresenta, às 21 horas, a leitura cênica de A Lua Muito Pequena e a Caminhada Perigosa, de Augusto Boal, com direção de Rogério Tarifa.

Notícia sobre a montagem da peça de Augusto Boal A Lua Muito Pequena e a Caminhada Perigosa – Foto: Acervo Instituto Augusto Boal

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“Estamos realizando leituras cênicas relacionadas ao ano de 1968 e às atividades do então Teatro Universitário de São Paulo, o Tusp. Esse grupo de teatro universitário teve como diretor inicial Paulo José, que em 1967 montou o texto de Brecht A Exceção e a Regra, e tinha como artistas integrantes alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Filosofia e da Física, entre outros”, explica Maria Ceccato, orientadora de Artes Dramáticas do Teatro da USP (Tusp).

Maria conta que, em 1968, o professor da FAU Flávio Império se encarregou da segunda encenação do grupo, a partir de outro texto de Brecht, Os Fuzis da Sra. Carrar. O nome do texto foi abrasileirado para Os Fuzis da Dona Tereza Carrar. É também nesse período que o grupo passa a publicar a Revista aParte, que também será lembrada na apresentação. “Seus dois números iniciais são documentos estético-políticos de posição revolucionária, numa atitude editorial na qual tendência política e qualidade estética não se dissociavam. Os debates presentes nesses dois números impressionam pelo atributo crítico de extremo interesse para a produção artística de então e dos anos futuros da arte no País.”

As exibições de Jango, de Silvio Tendler, e Diário de uma Busca, de Flávia Castro, e a leitura cênica de A Lua Muito Pequena e a Caminhada Perigosa, de Augusto Boal, acontecem nesta quinta-feira, dia 4, às 16h, 19h e 21h, respectivamente, no evento Ecos de 1968 – 50 Anos Depois, que acontece no Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma) da USP (Rua Maria Antonia, 294, Vila Buarque, em São Paulo). Entrada grátis. A programação completa do evento está disponível no endereço eletrônico www.prceu.usp.br.

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