Exposição volta à época dos pioneiros da videoarte no Brasil

Projetos incentivados por Walter Zanini nos anos 70 estão em cartaz no Museu de Arte Contemporânea da USP

 31/05/2021 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 08/06/2021 as 15:32
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Câmara Obscura, 1977, vídeo de Julio Plaza – Foto: Reprodução

É uma história de um dos projetos pioneiros do professor e crítico de arte Walter Zanini (1925-2013) em sua gestão como diretor do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. O público pode conhecer presencialmente como surgiu, no final da década de 1970, uma das primeiras iniciativas da videoarte no Brasil. Com a curadoria de Roberto Moreira Cruz, a exposição Vídeo_MAC, lançada virtualmente em agosto do ano passado no site da instituição, agora está sendo apresentada em sua sede no Ibirapuera, em São Paulo.

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“A mostra reúne vídeos de Regina Silveira, Gabriel Borba, Julio Plaza, Carmela Gross, Roberto Sandoval, Gastão de Magalhães e Donato Ferrari, entre outros. Há também a série Videopost, organizada por Jonier Marin”, explica o curador. Tão interessante quanto apreciar essa produção é voltar no tempo e reconstituir a época em que foi criada pelos artistas que participavam das atividades visionárias do professor e diretor do MAC. “Walter Zanini constitui, em 1977, um Setor de Vídeo. Esses artistas integram o laboratório de experimentação e passam a fazer uma produção muito embrionária e intuitiva, utilizando o equipamento adquirido pelo MAC no formato portapak. Tinha um preço acessível e foi o primeiro para uso doméstico fabricado pela Sony na década de 1960, modelo AV3400, de 1⁄2 polegada, em preto-e-branco.”

“Aquilo que pode parecer precário aos olhos de um espectador contemporâneo, na verdade, é o que tem que ser ressaltado”

Vídeo de Carmela Gross, 1977 – Foto: Reprodução

 

Zanini, como observa o curador, estimulou a criatividade do grupo, mesmo sabendo da estranheza diante do equipamento. “Todos eles, exceto o Gabriel Borba, experiente com o conteúdo de audiovisual na USP, tinham total desconhecimento da ferramenta do portapak. Esse aspecto é interessante de ser observado. Aquilo que pode parecer precário aos olhos de um espectador contemporâneo, na verdade, é o que tem que ser ressaltado.”

Certo é que o diretor idealista estava orgulhoso com o trabalho do grupo. Apresentou o resultado, em 1978, no Encontro Internacional de Videoarte, no Museu da Imagem e do Som. “Zanini estava interessado na possibilidade de que as questões das novas tecnologias, do emprego das mídias como forma de experimentação artística, pudessem fazer parte do código de linguagem dos artistas contemporâneos brasileiros.”

Videologia, 1978, vídeo de Regina Silveira – Foto: Reprodução

Apesar da importância desses vídeos pioneiros, eles ficaram desaparecidos por 35 anos. Como bem define Roberto Cruz, é uma história surreal. A professora e curadora Cristina Freire e a artista Regina Silveira se empenharam na sua busca. Já tinham vasculhado vários arquivos. Até que um dia, em 2013, o material foi, enfim, localizado por acaso no arquivo do próprio Museu da Imagem e do Som. Regina Silveira levou as fitas para a Espanha e o material foi digitalizado com a contribuição do artista multimídia Antoni Muntadas, que fez a remasterização e providenciou a sua digitalização.”

“É interessante olhar para esses vídeos e tentar descobrir o que eles trazem como algo próprio e intrínseco com o momento histórico em que estavam sendo realizados.”

Transformar o cubo branco do MAC em caixa preta e despertar a atenção dos visitantes para o momento histórico dos vídeos que estão sendo apresentados pela primeira vez foram o desafio do curador. Uma tarefa que é também o resultado do pós-doutorado que o curador Roberto Cruz, pesquisador e especialista em projetos de vídeos de arte, realizou no Programa de Pós-Graduação Interunidades de Estética e História da Arte da USP, com a supervisão de Cristina Freire. “O meu trabalho foi quase uma pesquisa de arqueologia de imagem, porque eu tinha que, a partir do visionamento do material, levantar hipóteses a respeito de como aquele material foi produzido, quais eram as fitas matrizes dessa produção e os vídeos copiados das fitas portapak.”

Madri, Espanha, 1938, vídeo de Julio Plaza – Foto: Reprodução

A experiência de Cruz em projetos de videoarte está na montagem que permite ao espectador observar os vídeos de uma forma integrada em várias telas e perceber os trabalhos simultaneamente. “Procurei esse desenho espacial exatamente para estabelecer uma correlação um pouco mais nuclear em torno dos vídeos, estabelecer correlações entre uma tela e outra, entre uma projeção e outra, e deixar que esses vídeos se contaminem entre si e inclusive o áudio, permitindo que as pessoas, ao circularem nesse espaço, possam construir as suas interpretações.”

A montagem projetada pelo curador deixa claro que os vídeos foram produzidos no mesmo momento histórico, no mesmo setor e no mesmo laboratório de experimentação. “Procurei reproduzir no espaço expositivo a mesma unidade dessa produção coletiva no MAC.”

O curador Roberto Moreira Cruz: mostra é resultado do seu pós-doutorado em Estética e História da Arte na USP – Foto: Arquivo pessoal

Em uma sala separada está a série de 18 vídeos de curta duração realizada por Jonier Marin, em setembro de 1977, a convite de Walter Zanini. “Ele trabalhou a produção desses audiovisuais com o mesmo pressuposto da arte postal. Entrava em correspondência com artistas da França, do Japão e de várias partes do mundo e eles enviavam para ele a proposta da realização de um vídeo, que executava com equipamento portapak do MAC.”

Roberto Cruz orienta o espectador na compreensão e apreciação dos vídeos dos artistas: “Importante buscar captar a natureza da imagem, a baixa definição, os recursos parcos de produção e as decisões ou as formas de experimentação que eram propostas na criação dos vídeos como um conceito, um discurso ou como uma obra. É interessante olhar para esses vídeos e tentar descobrir o que eles trazem como algo próprio e intrínseco com o momento histórico em que estavam sendo realizados. Enfim, perceber esse background da história do audiovisual no Brasil.”

A exposição Vídeo_MAC está em cartaz de terça-feira a domingo, das 10 às 19 horas, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, em São Paulo). Entrada grátis. É preciso agendar a visita através do site do MAC

 

 


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