Exposição revela os bastidores do acervo do MAC

Mostra traz mais de 150 obras da reserva técnica
do Museu de Arte Contemporânea da USP

 09/08/2024 - Publicado há 2 meses     Atualizado: 13/08/2024 às 12:47

Texto: Lara Paiva*

Arte: Beatriz Haddad**

Ninho de cobras, obra de Regina Vater, 1988 – Foto: Cecília Bastos /USP Imagens

Com mais de 150 obras de 46 artistas diferentes, a exposição Acervo Aberto, em cartaz no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, traz obras do acervo do museu inéditas ou não expostas há mais de dez anos. Há grande variedade na seleção, com obras recentes (2022) e do século passado (1925), artistas nacionais e internacionais, e diversas correntes artísticas. A curadoria, feita por um Grupo de Trabalho (GT) do MAC, imita a lógica da reserva técnica, espaço restrito aos funcionários e com condições de segurança, climatização e higienização adequadas para a guarda de obras de arte.

Assim como em uma reserva técnica, Acervo Aberto – que estreou no dia 3 passado – é organizada de acordo com as semelhanças na materialidade das obras. “Não adianta procurar relações históricas ou de movimentos de artistas. A exposição está organizada por zonas, porque são guardadas assim dentro de uma reserva técnica. Por exemplo, uma zona de papel, metal, vídeo ou mista”, aponta a pesquisadora Alecsandra Matias, participante do GT e especialista em cooperação e extensão universitária do MAC. “Pensamos no potencial da reserva técnica, em como as obras são guardadas e conservadas, e nos inspiramos na sinalização da reserva para trazer essa experiência.”

Alecsandra M. de Oliveira - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Exposição "Acervo Aberto" reúne mais de 150 obras de 46 artistas do acervo do MAC - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
A reserva técnica visível do Museu de Arte Contemporânea, no segundo andar. Através de um vidro, é possível vislumbrar como as esculturas são guardadas no acervo - Foto: Cecília Bastos /USP Imagens

Por cerca de seis meses, os integrantes do GT se reuniram para discutir as possibilidades. “Cada um de nós é especialista em uma etapa da exposição, e trabalhamos na nossa especialidade”, explica Matias. O projeto de curadoria por GT, até então inédito no MAC, contou com profissionais de design, produção, comunicação, documentação, conservação e restauro e arquitetura.

O processo de seleção de trabalhos partiu da análise de listas de obras nunca expostas antes pelo MAC ou que não eram expostas há dez anos. “Não era interessante para nós mostrar as obras que são ícones e estão sempre em exposição. Priorizamos obras distantes, que têm certa dificuldade de serem escolhidas”, diz Matias. Os diferentes membros complementaram com referências de memória e suas subjetividades e a exposição foi tomando forma.

Obras de diferentes propostas estéticas e períodos convivem em Acervo Aberto
– Fotos: Cecília Bastos /USP Imagens

A arquitetura da exposição trouxe os códigos da reserva técnica, mas de maneira que ainda fosse possível fluir pelos espaços. “Buscamos dar protagonismo aos trabalhos – não tem uma tese específica; queremos sua autonomia, que sejam vistos e aprendidos”, complementa Marta Bogéa, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, também integrante do GT. Bogéa explica que o objetivo era um transbordamento do que ocorre nos bastidores, a que o público pouco ou nunca tem acesso, de maneira que ainda fosse possível fluir pelos espaços. Após o primeiro esboço, integrantes do GT decidiram coletivamente quanto às adaptações no desenho.

A sinalização no chão e nas paredes separa as zonas da exposição, assim como em uma reserva técnica – Fotos: Cecília Bastos /USP Imagens

A exposição também destacou obras com montagem mais complexa. O GT buscou levar ao generoso espaço do anexo do MAC obras grandes ou difíceis de serem expostas em outros lugares. “Estar presente durante as discussões foi interessante para já esclarecer as implicações, dificuldades, necessidades e demandas de cada obra, principalmente as que são de montagem mais complexa ou que exigem esclarecimentos prévios”, pontua Michelle Alencar, documentalista do acervo e membro do GT. Para abraçar obras espaçosas como O Homem Sem Qualidades Caça Palavras, de Elida Tessler (2007), foram revistas as possibilidades de exibição e questões de documentação. “Foi positivo para resolver as demandas não para uma exposição específica, mas para refletir sobre soluções amplas que podem ser aplicadas nesta exposição e ficar como registro para o futuro”, acrescenta a documentalista. Outro caso foi O Galho (2018), de Laura Vinci, que entrou recentemente para o acervo do museu. A obra pende do teto, propondo um desafio de gravidade e exigindo uma certa especificidade em sua montagem.

Para traduzir os bastidores do acervo, a sinalização e a lógica de guarda das obras foram destacadas. Um exemplo são as esculturas de bronze, dispostas em fileira, como o tablado na reserva. Outro recurso encontrado foi expor obras de papel ao lado de seus envelopes. “Há um rodízio a cada três meses, já que as obras precisam de menos luz para sua proteção. Usamos o mecanismo da própria reserva como solução”, diz Bogéa. Para a arquiteta, o resultado final foi um lugar híbrido, uma zona fronteiriça entre o exibir e expor e os índices presentes no acervo. “Você percebe isso na maneira do gráfico de instalar as zonas marcadas. Ou pela variação de luz e temperatura na presença dos envelopes, com as obras ‘descansando’ na exposição”, conclui.

Fotos: Cecília Bastos /USP Imagens

Para Nathielly Ricardo, estagiária do MAC, colaboradora da mostra e estudante de Arquitetura da FAU, a colaboração de profissionais de diferentes áreas aumentou sua experiência de aprendizado. “É muito interessante ver as engrenagens do museu funcionando e trabalhando juntas desde o início. Se aparecia uma questão em uma área e alguém perguntava, outra pessoa ajudava e também entrava em contato com o assunto”, afirma.

Com o critério escolhido, foi possível ver outras faces de artistas que não são comumente mostradas, como é o caso de Nelson Leirner (1932-2020) com o desenho. “Estamos habituadas à colagem de fragmentos, das bancas de jornal… Ele é um artista com vocação pop, mas pode-se ver os desenhos dele. Esse deslocamento também é uma coisa interessante de se perceber”, aponta Bogéa. A obra Flores… Cor Carmim (1986-1988) chama atenção ao cobrir uma grande parte da parede do anexo, e oferece ao público uma produção artística alternativa à de Leirner que ficou internacionalmente conhecida.

Além da materialidade, as demandas para a exibição de cada trabalho também definiram as escolhas tomadas para a disposição na mostra. Foi o caso de Caderno Azul (1990-1992), de Amélia Toledo, e Ninho de Cobras (1988), de Regina Vater, cujo convívio cria um efeito novo para o espectador. “Uma te leva a olhar de perto, por ser no piso, e a outra exige uma certa distância e convida, pela textura, a um desejo de aproximação. Tem um movimento do corpo das duas justapostas que torna o ambiente valioso”, opina Bogéa.

O Grupo de Trabalho responsável pela curadoria da mostra é formado por Alecsandra Matias, Ana Maria Farinha, Ariane Lavezzo, Claudia Assir, Elaine Maziero, Marta Bogéa, Michelle Alencar, Paulo Roberto Amaral Barbosa, Rejane Elias e Sérgio Miranda.

A exposição Acervo Aberto está em cartaz até 25 de maio de 2025, de terça-feira a domingo, das 10 às 21 horas, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, em São Paulo). Entrada grátis.

*Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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