Exposição na FAU discute assentamentos populares

Através da reconstrução da história do prédio São Vito, a mostra promove debate sobre habitações populares e a transformação da cidade

 17/09/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 24/09/2019 as 10:33
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Exposição na FAU apresenta história do edifício São Vito – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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A destruição do edifício São Vito, e de seu vizinho Mercúrio, em 2011, gerou 40.000 metros cúbicos de entulho, que posteriormente foram utilizados para asfaltar 2.600 metros de vias, em São Paulo. O prédio que virou rua é tema da exposição São Vito: uma escavação, em cartaz no Salão Caramelo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. A mostra inaugurada dia 9 de setembro fica até o fim do mês.

Ao contrário do que o nome sugere, não aconteceu literalmente uma escavação nos destroços do prédio São Vito. A metáfora é utilizada para se referir ao processo de investigação da história daquela região, feito para a exposição com o objetivo de colocar em debate a questão do assentamento popular  e as transformações da cidade.

Primeiramente apresentada no Sesc Dom Pedro II, que hoje incorpora o terreno dos antigos prédios, a mostra quer falar sobre o que a ascensão e a queda do edifício São Vito representaram para a cidade. “Nosso entendimento de história é que questões não sanadas sempre se colocam de novo. É preciso olhar para o passado para entender o presente e projetar o futuro”, diz Thais Gurgel, uma das idealizadoras da mostra junto com Lygia Rodrigues, da Grifo Projetos.

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Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Tomando uma das laterais do Salão Caramelo, a exposição da FAU conta com painéis de vidro equilibrados em uma base de concreto, no estilo de Lina Bo Bardi. Dispostos sempre em duplas e de modo a fazer o visitante passear em ziguezague, os painéis apresentam fotografias, textos, mapas, imagens de satélite e propagandas da época. 

“Utilizamos uma grande diversidade iconográfica para que as proposições que a gente fez nessa exposição pudessem criar uma complexidade maior do que é esse universo”, conta ainda Thais. E completa: “tentamos ser o mais simples e diretos possível, para conversarmos principalmente com o público que vive na pele as transformações da cidade”.

A parede ao lado dos painéis também é utilizada como suporte para alguns trabalhos fotográficos, que acompanharam a evolução daquele espaço dos anos 50 aos anos 2000. “Nossa proposta era fazer uma linha do tempo que tivesse o básico, mas que convidasse a se pensar em como as cidades são feitas e como as prioridades são estabelecidas”, diz Thais Gurgel.

No final do caminho percorrido pelo visitante, encontra-se uma mesa que apoia um aparelho cheio de fotos colocadas uma atrás da outra. Ao mexer na manivela acoplada ao dispositivo, essas imagens entram em movimento e formam um breve filme, que mostra a construção e a queda do edifício São Vito. 

Além disso, no chão próximo aos painéis, é possível ver desenhada com fita crepe a planta de uma das mais de 600 quitinetes que compunham o prédio. O visitante tem a liberdade de entrar e passear pelo pequeno cômodo, interagindo com os móveis também desenhados.

Outra proposta dos organizadores da exposição é promover debates para discutir o assunto sob outras perspectivas. O último, realizado no dia 11, contou com a presença da Helena Menna Barreto, que coordenou o Programa Morar no Centro de 2001 a 2004, e Cláudia Márcia Alves, antiga moradora do edifício. “O São Vito não existe mais, mas existem muitos outros como ele que a gente gostaria de, no mínimo, discutir, de não ver desaparecer assim como se nada fosse”, termina Thais. 

Esse ciclo de discussões acontece desde quando a mostra estava no Sesc Dom Pedro II, e foi ao ser convidada para falar em uma delas que a professora Ermínia Maricato e sua orientanda de doutorado Ana Gabriela Akaishi se encantaram com o potencial deste trabalho. “Nós gostamos muito do material, elas fizeram uma pesquisa bastante rica e achamos que ainda havia outras coisas que poderiam ser abordadas”, conta Ana sobre o interesse do Laboratório de Habitação da FAU na exposição. 

“A ideia, primeiro, foi trazer para o circuito universitário, para depois tentarmos conseguir financiamento para levar esse trabalho a outras universidades parceiras da FAU e do LabHab”, completa a doutoranda. 

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Exposição O Parque Dom Pedro II – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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História do prédio São Vito:

O São Vito, erguido em 1959,  foi projetado seguindo a tendência modernista de extrema verticalização, atendendo à crescente demanda habitacional da região. Dessa forma, a grande quantidade de apartamentos pequenos — quitinetes ― surgiu como alternativa para pessoas de baixa renda que buscavam moradia no centro, próximo ao trabalho.

Embora antes o Parque Dom Pedro II abrigasse as elites, a construção de viadutos, avenidas e prédios acabou diminuindo as áreas verdes e espantando os antigos moradores. Foi então que o mercado imobiliário decidiu investir em moradias populares, como o São Vito e o Mercúrio.

No entanto, com o tempo e a falta de manutenção, o prédio foi sendo sucateado junto com o resto daquela região. Isso, somado aos projetos de revitalização e higienização do centro, fez com que o edifício se tornasse um alvo fácil. 

A primeira proposta de implosão aconteceu em 1987, época em que Jânio Quadros era prefeito, mas a ideia logo foi deixada de lado. A pauta voltou a ganhar força no início dos anos 2000, na gestão da Marta Suplicy, que também considerou a demolição do prédio. 

Por fim, a desocupação aconteceu sob o pretexto de reforma do edifício e realocação das famílias, o que nunca ocorreu. “Um dia veio a polícia, o caminhão de mudança, os bombeiros, tudo isso, e aí já não tinha mais o que fazer”, conta Margarida Ramos, antiga moradora do edifício Mercúrio, que era geminado ao São Vito e seguia a mesma ideia.

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Foto: Marcos Santos/USP Imgens

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Ainda, segundo o marido da moradora, Cléber Ramos, que também viveu no prédio, eles ganharam uma liminar do juiz que permitia que eles ficassem ali por mais 90 dias. No entanto, em determinada reunião com representantes do governo aquele documento foi levado e no dia da desocupação não estava com eles. Assim, as famílias que ainda se encontravam ali não tiveram escolha a não ser sair de suas casas.

“E aí foi bem feio. Eles já colocavam a gente para fora e cortavam tudo, água, luz, tudo. Até quebravam a pia, que era para a gente não conseguir voltar mesmo”, diz Margarida, que relembra com tristeza tudo o que aconteceu. Depois de passarem por três casas diferentes até se estabilizarem, a família Ramos hoje mora em Santana. E através de um grupo no WhatsApp ainda mantém contato com alguns dos outros moradores do prédio.

A exposição São Vito: uma escavação fica no Salão Caramelo da FAU (Rua do Lago, 876) até o dia 30/9. A visitação é gratuita. 


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