Especialistas discutem as ideias de Mário Pedrosa para o Brasil

Com organização de professores da USP, evento acontece a partir de 5 de outubro, com transmissão pelo Youtube

 01/10/2020 - Publicado há 4 anos
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Ouça no link abaixo entrevista do professor Everaldo Andrade sobre o evento Homenagem a Mário Pedrosa – 120 anos, concedida à repórter Claudia Costa, do Jornal da USP.

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Mário Pedrosa durante exílio no Chile, na década de 1970 – Foto: acervo da família Pedrosa

Em 2020 são celebrados os 120 anos do nascimento de Mário Pedrosa (1900-1981), intelectual pernambucano que contribuiu de modo decisivo para a formação e o desenvolvimento político e artístico do Brasil. Para lembrar a data, será promovido, de 5 de outubro até 30 de novembro, sempre às segundas-feiras, um evento que vai revisitar a vida e a obra do escritor, jornalista, crítico de arte e militante. A organização é do Programa de Pós-Graduação em História Econômica do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB) e da Fundação Perseu Abramo.

Homenagem a Mário Pedrosa – 120 anos vai reunir historiadores, arquitetos, psicólogos, economistas e políticos para discutir o pensamento do intelectual, com transmissão ao vivo através do canal da Fundação Perseu Abramo na plataforma Youtube. Haverá também uma exposição virtual durante todo o evento. Segundo o professor da USP Everaldo Andrade, um dos organizadores do encontro, “Mário Pedrosa é um dos grandes pensadores do século 20 no Brasil, com contribuições não só na crítica de arte, mas também com obras importantes sobre a economia brasileira, sobre a defesa da democracia e a luta contra o fascismo e até mesmo na arquitetura, com trabalhos sobre a fundação de Brasília, além de contemplar ainda a psicologia”. Para o professor, Mário Pedrosa é “uma luz” para se pensar o futuro imediato do País.

O professor Everaldo Andrade, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP – Foto: Leonor Calasans / IE

Mário Pedrosa nasceu em Timbaúba, no interior de Pernambuco, em uma família próspera – seu pai era senador da República. Formou-se em Direito no Rio de Janeiro e aos 20 anos se transferiu para São Paulo, onde iniciou carreira no Jornalismo. Nessa época, aderiu ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e depois à dissidência oposicionista, como conta Andrade, ressaltando sua militância política intensa. “Nos anos 30, ele encabeçou em São Paulo um movimento antifascista importante. Durante o período Vargas, se exilou na França e depois nos Estados Unidos e, quando voltou ao Brasil, em 1945, retomou sua atividade no jornalismo, tornando-se referência nacional na crítica de arte moderna. Na década de 60, continuou atuando politicamente, sofreu perseguições durante a ditadura militar e precisou fugir do País novamente, nos anos 70, exilando-se no Chile”, relata Andrade.

Em 1977, Mário Pedrosa retornou ao Brasil, um pouco doente, mas ainda assim realizando suas intervenções na arte, continua Andrade. “Ele escreveu um livro sobre Rosa Luxemburgo – A Crise Mundial do Imperialismo e Rosa Luxemburgo – e atuou na formação do Partido dos Trabalhadores (PT). Antes de existir o partido, apoiou as mobilizações contra a ditadura e em defesa da democracia. “Mário Pedrosa se envolveu com a política econômica do Brasil de maneira muito intensa, como demonstram seus artigos de jornais escritos nos anos 50 e 60, publicados no Estadão ou no Jornal do Brasil, onde acompanha de perto todos os acontecimentos políticos e, inclusive, formula propostas”, explica Andrade, citando dois livros que considera fundamentais na carreira do intelectual, do ponto de vista da história do Brasil: A Opção Brasileira e A Opção Imperialista, lançados em 1966.

Crítico de arte reconhecido

“Não faltou reconhecimento para o Mário Pedrosa crítico de arte em vida. Embora ele tenha começado efetivamente a carreira de crítico de arte nos jornais cariocas tardiamente (só no final dos anos 1940, depois da volta de seu exílio nos Estados Unidos), rapidamente foi reconhecido”, afirma o professor Francisco Alambert, também docente da FFLCH e organizador do evento. “Na verdade, a influência que causou foi avassaladora”, ressalta. “Ele tinha uma formação intelectual única. Conhecia profundamente os debates do marxismo mais avançado, teoria e prática, havia estudado teoria estética, psicologia da forma (Gestalt) e tinha uma capacidade de síntese em um texto que, mesmo restrito às exigências jornalísticas, era de uma profundidade única”, comenta.

Foi essa formação que, segundo Alambert, fez com que ele se tornasse o principal defensor do abstracionismo, a nova vanguarda que chegava tardiamente no Brasil e que se opunha às diferentes formas do figurativismo, que foram marcas do primeiro modernismo e eram até então inquestionáveis. “Sua defesa apaixonada desse novo caminho da arte, e também da arquitetura, o colocou no centro dos debates estéticos e políticos dos anos 1950 e 1960. Não apenas como crítico, mas também como planejador e organizador das instituições artísticas que iam surgindo. Ele foi figura central dos novos museus de arte moderna (o MAM de São Paulo e o MAM do Rio de Janeiro), das Bienais de São Paulo, da Associação Internacional dos Críticos de Arte (Aica) e de sua representação no Brasil, a Associação Brasileira dos Críticos de Arte (ABCA)”, conta.

Mário Pedrosa (à direita) na marcha contra a censura na cultura, em 1968 – Foto: arquivo do Jornal do Brasil. Arte: Marcelo Brodsky

Tudo isso acontecia a par da militância política radical e muito consequente, diz Alambert, lembrando que sua trajetória passaria ainda pela fundação de um jornal, o Vanguarda Socialista. “O Golpe de 1964 o perseguiu a ponto de, aos 70 anos, Mário ser obrigado a fugir novamente do País. Foi para o Chile, a convite de Allende (Salvador Allende, então presidente do país), e lá, já consagrado como um dos maiores críticos de arte do mundo, realiza o projeto de um museu originalíssimo, o Museu da Solidariedade, destinado a ser uma realização do socialismo democrático chileno, que ele organizou com o apoio dos mais importantes artistas da época do mundo todo”, relata Alambert, informando que o golpe de Augusto Pinochet, no Chile, em 1973, o levou a novo exílio, na França.

“No final da década de 1970, ele foi progressivamente abandonando o ofício da crítica de arte e suas posições sobre o destino da cultura mudaram com a emergência daquilo que ele definiu, antes de o termo se tornar moda, de arte ‘pós-moderna’”, destaca Alambert. Ainda segundo o professor, na medida em que Mário Pedrosa se afastava da rotina da arte, ele se reaproximava da política, “defendia apaixonadamente uma união latino-americana contra o crescente imperialismo norte-americano, criticava radicalmente o desenvolvimentismo falido e planejava a reorganização da política do socialismo democrático a partir das greves do ABC paulista desde 1978”.

Vanguarda Socialista

O jornal Vanguarda Socialista, publicado entre 1945 e 1948, reunia um grupo de intelectuais socialistas independentes – entre eles o professor da USP e crítico literário Antonio Candido –, que não eram vinculados ao Partido Comunista. “Um grupo que não tinha muito espaço, não porque era da esquerda, mas porque não era da esquerda oficial”, diz o professor Everaldo Andrade. Ele cita um fato pouco conhecido sobre Mário Pedrosa: o seu vínculo com Pagu (Patrícia Galvão), que também fazia parte do grupo e compartilhava a mesma posição do crítico sobre a arte. “Ambos acreditavam que a arte não deveria ser panfletária, ou seja, ligada explicitamente a questões políticas. Para eles, o artista deveria ser completamente livre, porque isso o aproximaria da emancipação e de um projeto revolucionário de país”, lembra Andrade, acrescentando ainda que Jorge Amado e Cândido Portinari foram duramente criticados por Mário Pedrosa por submeterem a liberdade artística a um controle político.

O professor Francisco Alambert, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP – Foto: Navis/USP

“Desde seu falecimento, em 1981, até o final dos anos 1990, a fama de Mário Pedrosa ficou restrita a um pequeno grupo de admiradores (alguns críticos mais velhos, militantes trotskistas)”, aponta Alambert. Mas, “desde que Otília Arantes passou a republicar organizadamente e explicar sua obra (sempre dispersa em textos publicados por todo o mundo), o interesse por Mário Pedrosa renasceu poderosamente”, garante Alambert. “Jovens críticos e artistas passaram a ver nele ideias, posturas e intuições que alimentavam o presente e o futuro. E não apenas no Brasil. Em toda parte, da América Latina aos Estados Unidos e Europa, as ideias e métodos do crítico e do pensador marxista da sociedade foram arregimentando adeptos fervorosos e estupefatos com aquele pensador sui generis”, completa, informando que em 2015 o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa) publicou uma alentada coletânea de textos do crítico brasileiro. “Desde então, Mário Pedrosa estava definitivamente colocado no panteão dos maiores pensadores da arte do século 20, e do 21 também.”

Discussão ampla

Homenagem a Mário Pedrosa – 120 anos está organizado em oito mesas-redondas, que buscam cobrir a trajetória de Mário Pedrosa, mas que também têm uma preocupação temática devido à ampla atuação do intelectual, que, como diz Andrade, discutia desde assuntos como a crítica da arte impulsionar a marca abstrata no Brasil até a produção de artigos críticos às políticas do chamado desenvolvimentismo nacionalista. A mesa de abertura, no dia 5, Mário Pedrosa: Fascismo, Bonapartismo e Ditaduras Brasileiras, vai abordar questões sobre autoritarismo e democracia. Andrade destaca ainda a mesa Psicologia e a Obra de Mário Pedrosa, informando que o crítico usava a psicologia como instrumento de reflexão sobre a arte, e que vai trazer sua relação com a psiquiatra Nise da Silveira; além do debate acerca da arquitetura, área em que Mário Pedrosa também se tornou referência ao elaborar trabalhos importantes, como as suas reflexões sobre a construção de Brasília.

Outro tema conhecido de quem estuda o autor, Mário Pedrosa: Internacionalismo, Trotski e 4ª Internacional, trata de sua adesão ao Movimento Comunista Internacional, ligado à Oposição de Esquerda liderada por Leon Trótski, no final dos anos 30. “Ele é considerado o fundador do trotskismo brasileiro”, comenta Andrade. Além disso, na França, em 1938, foi o único latino-americano presente no congresso de fundação da Quarta Internacional, onde foi eleito para o comitê executivo internacional, e, como informa Andrade, mesmo depois de ter deixado a militância na 4ª Internacional, continuou sendo uma referência e também perseguido, até mesmo pelo Partido Comunista Brasileiro, que não aceitava a posição independente de Mário Pedrosa. “Ele foi um crítico e um socialista marxista independente, e foi muito discriminado. Ele era um pensador livre, progressista, o que permitiu que produzisse uma obra aberta, criativa e independente. Uma obra original sobre os problemas e o desenvolvimento do Brasil”, afirma Andrade.

Ainda segundo Andrade, um aspecto interessante na biografia de Pedrosa é que seus textos políticos caíram no esquecimento, sendo ele lembrado e estudado na área da crítica da arte. O próprio Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, do qual Mário Pedrosa foi diretor, como conta Andrade, tinha um projeto de publicar dez volumes com o conjunto de seus artigos sobre crítica de arte e texto políticos, porém apenas quatro foram publicados. “O evento tem o objetivo de resgatar Mário Pedrosa como uma das referências mais importantes da cultura e do pensamento brasileiro contemporâneo, além de incentivar a retomada dos estudos acerca desse intelectual”, diz o professor, e avisa que todo o material produzido durante o evento será publicado posteriormente em formato de livro.

Homenagem a Mário Pedrosa – 120 anos será realizado de 5 de outubro a 30 de novembro, sendo que a mesa de abertura acontece às 19 horas e as demais, a partir das 20 horas, através do canal da Fundação Perseu Abramo na plataforma Youtube. As gravações das mesas-redondas ficarão disponíveis depois no canal da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP no Youtube. A participação é gratuita, sem necessidade de inscrição.

 

 

 


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