Entre anonimato e intimidade, exposição reflete sobre nosso lugar no mundo

Em cartaz no Centro MariAntonia da USP, mostra da artista Renata Ursaia faz vídeos e pinturas dialogarem sobre a existência

 13/12/2024 - Publicado há 1 mês
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Uma parede de vidro.
A exposição "Em Órbita", em cartaz no Centro MariAntonia da USP — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“Pintar me dá um alívio do ofício. É um refúgio para a materialidade, para o pictórico, para tentar achar um tipo de encantamento perdido que, no nosso dia a dia na cidade, tende a ficar mais difícil. A exposição é um intercâmbio: os vídeos funcionam um pouco como as pinturas e vice-versa.” É assim que a artista Renata Ursaia define a exposição Em Órbita, que ela apresenta no Centro MariAntonia da USP. Inaugurada no dia 30 de novembro passado, busca apresentar situações cotidianas, de fácil identificação, mas também trazer o olhar para quem se sente isolado da sociedade, mesmo estando inserido nela. Em Órbita fica em cartaz até 13 de abril de 2025. A entrada é grátis. 

 

Entre solidão e afeto

Quem adentra a exposição, que ocupa uma sala do Edifício Joaquim Nabuco do Centro MariAntonia, se depara com um vídeo intitulado Baile Surdo. A gravação, feita em 2015 por Renata Ursaia, tem a câmera apontada para o vidro de um salão onde está acontecendo uma aula de dança. Devido à luminosidade e ao reflexo, é possível enxergar, ao mesmo tempo, a dança e as pessoas passando na rua. Ao Jornal da USP, a artista explica o conceito por trás dessa escolha: “A ideia é trazer a relação de intimidade, que existe, mas também as coisas que continuam acontecendo lá fora, no ritmo da cidade”. A intenção de Renata se torna concreta à medida que, na gravação, ela alterna o foco da câmera, lentamente, entre a parte de dentro e a parte de fora do salão. Isso se amplifica pelo fato de que o vidro está pichado e, dentro da sala, há mais um vidro, o que acrescenta elementos à cena.

Mulher em pé ao lado de uma parede de vidro.
A artista Renata Ursaia — Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Um vídeo e duas pinturas pendurados numa parede.
Obras expostas na mostra "Em Órbita" — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A parede onde está Baile Surdo termina com duas pinturas: Onde Quer Que Estejamos Juntos (2024) e O Mundo Acordar (2023). A primeira mostra duas pessoas se abraçando, o que Renata conta ter sido idealizado quando ela fazia um ensaio sobre visitas em um presídio. Já a segunda pintura traz um casal abraçado — cena que, segundo a artista, retrata um casal de rua. “É essa busca por encontrar vínculos dentro de uma coisa que é diferente, hostil, solitária, violenta, triste. E onde você encontra isso? Talvez em coisas que você já tenha visto, mas que vai de outro jeito agora, por estar recortado, em um ambiente que coloca você em um outro ritmo, num lugar mais contemplativo, como é uma exposição”, completa Renata, que é formada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU) da USP.

Fotografias penduradas numa parede.
Um vídeo e fotografias pendurados na parede.

O vídeo da seção Astronautas é chamado de Poeira Leve, e traz registros de 2024 — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Fora de órbita

Depois de sair da realidade e chegar à órbita, a exposição se estende para apresentar as galáxias e a noite, com as obras 618 Galáxias (2024), Toda Luz (2024), Noite (2024) e Mina (2015). As três primeiras são pinturas que retratam, respectivamente, imagens de galáxias no Universo, a fachada de uma loja de luminárias e um carro embrulhado com uma capa prateada. Já a quarta é um vídeo que reproduz a vitrine de uma loja de pedras — que, de perto, passa a ideia de galáxia. “Nessa parte, é feita uma ponte entre o que é ‘da lua’ e o que é estar solto no espaço, num lugar que é um universo. São pequenos universos dentro de um maior que é, a princípio, indiferente, mas leva você para outro lugar”, conta Renata. Ela acrescenta, ainda, que a presença da noite como algo constante nessa seção não é coincidência: “É algo que é da cidade, mas leva a algo mais etéreo, idílico, dos sonhos. Tem a ver com sonho também por ser uma coisa noturna, de você poder imaginar outros mundos a partir do mundo em que você está”.

Fotografias penduradas numa parede.
Um vídeo e quadros pendurados numa parede.

 O mundo dos sonhos, a noite e a imaginação são os temas de uma das seções de Em Órbita — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

De volta à realidade

Depois, as pinturas que ilustram Em Órbita visam retornar ao mundo real. Em Sinuca (2024), Sarah (2024), Pianista (2024) e Domingo na Mari (2023), a artista apresenta várias situações com as quais o visitante pode se identificar, seja por vivê-las cotidianamente, seja por vê-las em perspectiva, como é o caso de uma partida de sinuca entre amigos, uma festa infantil ou uma tarde na piscina na casa de uma amiga. Também oriundas de fotografias ou da junção de fotografias a cenários, “as cenas podem não ser do seu mundo, mas são do seu mundo também, simplesmente por poderem fazer com que você se lembre de algo ou de alguém”, exemplifica Renata. Para ela, mais do que retratar o real, o objetivo com essas pinturas é despertar sensações e explorar, nas pessoas, o doméstico e o introspectivo. “É importante que os meus vínculos apareçam na exposição de alguma maneira. Em um momento em que o ‘lugar de fala’ é um tópico tão presente, acho que tem que ter uma certa coragem e até uma certa vulnerabilidade para poder falar dos outros e também poder falar de mim”, explica a artista.

Pintura que mostra pessoas sentadas ao lado de uma piscina.
Dois quadros pendurados numa parede.
Para Renata Ursaia, objetivo das pinturas é despertar sensações e explorar nas pessoas o doméstico e o introspectivo — Foto: Marcos Santos/USP Imagens
 

A mostra se completa com a pintura Caixa de Azulejos (2024) e um vídeo em formato de time-lapseFuturo Lançamento (2022). Renata conta que as imagens desse vídeo foram feitas por meio de uma câmera posicionada na janela do quarto de um amigo seu, que fez a gravação todas as noites, durante um ano. “Tem isso de ir acontecendo de um jeito sorrateiro. Você nunca vê ninguém, parece um pouco um teatro fantasma. É só de noite. As coisas vão acontecendo sem ninguém perceber e o vídeo acaba quando o céu acaba”, descreve a artista. Para ela, a parte mais impactante do vídeo é acompanhar uma construção que acontece em frente à casa do amigo: “Eles vão acendendo as luzes dos andares conforme vão fazendo a construção. Parece um cenário. E tem uma presença pictórica forte no que diz respeito, por exemplo, ao ritmo, que é lento”.

Um vídeo e um quadro pendurados numa parede.
Obras em cartaz na exposição "Em Órbita" - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A exposição Em Órbita, da artista Renata Ursaia, com curadoria de Didiana Prata, fica em cartaz até 13 de abril de 2025, de terça-feira a domingo e feriados, das 10 horas às 18 horas, no Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antonia, 258, Vila Buarque, em São Paulo, próximo às estações Higienópolis-Mackenzie e Santa Cecília do metrô). Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3123-5202.


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