A comemoração pelos 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – instituído em 13 de julho de 1990 – foi interrompida pela pandemia de covid-19 em 2020, mas a celebração pelos seus 31 anos está sendo antecipada através da publicação do e-book ECA 31 Anos – Nem a Pandemia Nem o Ódio Podem Matar Nossos Sonhos, organizado pelo professor Roberto da Silva, da Faculdade de Educação da USP. O e-book já está disponível em diversas livrarias digitais, ao preço de R$ 15,00.
O livro reúne 20 artigos escritos por alunos do curso de Pedagogia, resultado das atividades propostas na disciplina Teoria e Prática do Estatuto da Criança e do Adolescente – a primeira disciplina de graduação sobre o ECA, criada por Silva em 2005 -, durante o segundo semestre de 2020. “Eu elegi 20 temas para que os alunos escolhessem, individualmente ou em grupos, se aprofundassem sobre a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente nesse período de pandemia e verificassem em que medida os princípios do Estatuto estavam sendo efetivamente cumpridos”, explica o professor, que é também representante da USP na Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e no conselho curador da antiga Febem (atual Fundação Casa). Segundo ele, são abordados na obra diferentes aspectos do ECA, desde investigações sobre famílias com filhos em escolas públicas e privadas e a vida das crianças em ocupações urbanas até filmes e séries televisivas que estão sendo utilizados para fomentar o ensino/aprendizagem durante a pandemia, além de um balanço detalhado das alterações do Estatuto ao longo desses 30 anos.
Militante em favor da infância e da adolescência que acompanha a trajetória do Estatuto desde 1988, quando o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua levou essa proposta ao Congresso Nacional, Silva já foi interno da antiga Febem e dá seu depoimento em um dos capítulos do livro, Histórias de Vida: Relatos da Infância Brasileira Antes do ECA, escrito por Clarice Penha Garcia e Eliete Ferreira Silva. Como ele conta: “Aos 15 anos de idade, no sombrio e úmido porão do arquivo do Juizado de Menores, eu, Roberto da Silva, pude pela primeira vez ver uma fotografia minha, aos 5 anos de idade, e vim a saber que tinha mãe, pai e irmãos. Descobri ainda que eles também estavam internados em unidades da Febem”. Ainda nesse capítulo está a história do menino Aloysio, que foi levado de um abrigo do Rio de Janeiro para trabalhar como escravo em uma fazenda no interior de São Paulo, caso que ficou famoso por conta do documentário Menino 23 (2016), dirigido por Belisário Franca.
Destaque também para o artigo Análise das Alterações do Estatuto da Criança e do Adolescente ao Longo de Seus 30 Anos, assinado por Silva ao lado de Letícia Camile de Souza Ananias. Segundo ele, foram mapeadas mais de 500 alterações no ECA. A mudança mais visada – mas nunca conseguida – se refere à idade penal do adolescente. “Há mais de cem propostas no Congresso Nacional que pretendem rebaixar a idade para 14 e 16 anos, mas nunca se conseguiu isso”, comenta. O professor ainda informa que parte significativa dessas mudanças foi concentrada nos dois governos Lula e depois no seguinte, de Dilma Rousseff, e se refere basicamente à ampliação dos direitos das mães das crianças e dos adolescentes, principalmente nos aspectos de alimentação, saúde e cuidados, além de direitos trabalhistas e previdenciários. Silva ainda relata que fez uma feliz constatação: a importância, para essas mudanças, das atividades do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação em Regimes de Privação da Liberdade, coordenado por ele na Faculdade de Educação da USP. Esse grupo teve participação ativa na elaboração do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária. “Mais da metade das alterações realizadas durante esses três governos foi por causa desse Plano de Convivência Familiar e Comunitária”, afirma.
“Celebramos a manutenção do Estatuto e sua importância na preservação e garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes. No entanto, apontamos também para a existência de problemas na implementação do ECA e ressaltamos que, ainda que ele venha a assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil, quando feito um recorte de acordo com condição econômica e social, local de moradia, gênero e etnia, esses grupos ainda estão à margem da lei, portanto ainda vulneráveis e sujeitos a violações de seus direitos”, escreve o professor no livro. E continua: “A expectativa é de que esse estudo possa ilustrar o campo de disputa acirrada que é a área da infância e da adolescência, tanto do ponto de vista político quanto legislativo e judicial, e a necessidade de se preservar o Estatuto da Criança e do Adolescente, a importância de sua ampla divulgação e a vigilância constante da sociedade e das instituições democráticas e progressistas para que eventuais alterações sejam sempre no sentido de aprimorar a aplicação da lei e de avançar na promoção, garantia e defesa de direitos, e não na sua negação ou supressão”.
O professor ainda levanta duas questões. Uma delas é que, por força da Lei 11.525, de 2007, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, os conteúdos que tratam dos direitos de crianças e adolescentes são obrigatórios no currículo do ensino fundamental. Daí se depreende que sejam obrigatórios também nos cursos de formação de professores, especialmente na Pedagogia e nas Licenciaturas. “Os professores de ensino fundamental e médio precisam trabalhar os conteúdos da criança e do adolescente nas aulas, por isso precisamos disponibilizar esse conhecimento”, diz o professor, que tenta tornar obrigatória a disciplina que ministra no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação, hoje optativa. A segunda questão diz respeito ao artigo 266 do ECA, que determina que todos os órgãos e instituições públicas criem versões populares do Estatuto. Segundo Silva, a Universidade está providenciando uma versão digital que será publicada no Portal de Livros Abertos da USP antes de julho deste ano, comemorando os 31 anos do documento.
ECA 31 Anos: Nem a Pandemia Nem o Ódio Podem Matar Nossos Sonhos, de Roberto da Silva (organizador), Editora Simplíssimo, 212 páginas, R$ 15,00.