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No final do ano passado, a editora Ateliê Editorial lançou o livro Paulinho da Viola e o Elogio do Amor, de Eliete Eça Negreiros, que além de cantora e escritora é doutora em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O livro “é uma reflexão sobre a lírica amorosa de Paulinho, cujo eixo é a separação dos amantes”, como explica a professora, filósofa e escritora Olgária Matos na apresentação da obra. O livro surgiu como resultado da tese de doutoramento da autora, que afirma que buscou “mostrar algumas modalidades da representação do amor na obra do compositor e sua inscrição no âmbito da tradição lírica do Ocidente”.
Este é o segundo livro que Eliete escreve sobre o compositor carioca. O primeiro, lançado em 2011 também pela Ateliê Editorial, trazia uma análise de viés estrutural das canções de Paulinho e recebeu o título Ensaiando a Canção: Paulinho da Viola e Outros Escritos. Desta vez, a autora busca uma abordagem mais temática e aponta: “Fui buscando ver como o amor é retratado na obra de Paulinho da Viola. Digamos que neste livro há um viés mais reflexivo, mais filosófico, mais abrangente”. Para tanto, Eliete visita grandes autores como Montaigne, Walter Benjamin, Aristóteles, Baudelaire, Freud, entre outros.
A autora abre o livro afirmando que Paulinho trabalha a temática amorosa como fonte de ensinamentos para todos os aspectos da existência, numa espécie de, como ela mesma diz, “‘educação sentimental’ que culmina em máximas morais, como experiência e conhecimento”. Ela exemplifica a trajetória em busca de conhecimentos de Paulinho com a música Coisas do Mundo, Minha Nega. Nela, o compositor vaga pelas ruas da cidade para encontrar sua amada e, no caminho, se depara com diversos personagens que transmitem mensagens melancólicas, como nos versos: “Primeiro achei Zé Fuleiro / Que me falou de doença / Que a sorte nunca lhe chega / Está sem amor e sem dinheiro” e “Por fim achei um corpo, nega / Iluminado ao redor / Disseram que foi bobagem / Um queria ser melhor”. Por outro lado, ao encontrar finalmente sua amada, o eu lírico vive uma “experiência de felicidade e transcendência”, como caracteriza Eliete.
Depois da abertura, o livro é dividido em quatro partes: “O Amor Breve”, “O Amor e a Melancolia”, “O Amor Feliz” e “Educação Sentimental”. Na primeira parte, Eliete aborda o que chama de “amor fugaz” ou aquele que não resiste ao tempo. Segundo ela, essa linha de pensamento foi herdada dos gregos e representa a constante preocupação com a “fragilidade da condição humana e a brevidade da vida”. Enquanto cita os seguintes versos de Paulinho: “Aquela felicidade que você conheceu / Um dia, na minha vida, já terminou, / Aquele amor parecia um sonho de primavera / O sol da minha vida nem sei quem foi que levou” a autora faz paralelos com os pensamentos de Sófocles em Édipo Rei e Sêneca em Consolação a Políbio e Sobre a Brevidade da Vida.
Na segunda parte, “O Amor e a Melancolia”, a autora se debruça sobre o amor irrealizável, que se prende aos detalhes cotidianos e não se desenvolve, ficando registrado apenas nas lembranças do que foi um dia e já não mais o é. Eliete conta que para atingir essa reflexão, procurou entender como o amor e a melancolia se relacionam a partir de ensinamentos de Freud em Luto e Melancolia e outros pensadores como Aristóteles, Montaigne e Walter Benjamin. Para representar a melancolia sempre presente nas canções de Paulinho, Eliete cita Nada de Novo, de 1970: “Nada de novo capaz de despertar minha alegria”.
Em “O Amor Feliz”, a terceira parte do livro, Eliete analisa a constante busca pela felicidade, almejada pelo amado e pelo amante como fim de seus encontros, e de que maneira esse amor feliz e possível se apresenta nas canções do compositor carioca. Ela cita Aristóteles e sua Ética a Nicômaco para concluir que todos os humanos, unanimemente, buscam a felicidade como fim de suas ações e que atingi-la depende de fatores externos, daí a fragilidade e transitoriedade desse sentimento. Esta efemeridade é representada, de acordo com Eliete, nos seguintes versos: “Eu então rezei / Agradecendo ao Criador / O prazer de conhecer / Por um momento / A felicidade desse amor” retirados da canção Bela Manhã.
Na quarta e última parte, batizada de “Educação Sentimental”, a autora busca explicar o papel da música como cultura popular e como guia para a formação de uma “gaia ciência” que norteia as ações de um povo. Para tanto, relata a sensação de pertencimento que Paulinho tem ao samba e à cultura que permeia o próprio samba, como fica claro nesta sequência de versos de Eu Canto Samba: “Eu canto samba / Porque só assim eu me sinto contente / Eu vou ao samba / Porque longe dele não posso viver / […] / O samba é alegria / Falando coisas da gente”. É justamente essa vivência e pertencimento a uma cultura tão abrangente que permite ao compositor atingir a “educação sentimental” que culmina em máximas morais, como aponta Eliete.