“Castro Alves foi um poeta que apostou na intensificação de componentes dramáticos em sua obra para atingir a comoção e a persuasão da opinião pública em favor da abolição da escravatura e da proclamação da República”, diz Giovanna Gobbi, organizadora da mesa-redonda 150 Anos da Morte de Castro Alves: Poesia e Teatro.
Uma realização da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP, o evento vai reunir pesquisadoras para discutir a obra poética e dramática de Castro Alves nesta terça-feira, dia 20, às 14 horas. A transmissão será feita através do canal da biblioteca no Youtube. Além do debate sobre a obra de Castro Alves, também serão abordados o momento histórico do autor e seu legado para as gerações seguintes de poetas e dramaturgos brasileiros.
“As especialistas vão revisitar a produção literária de Castro Alves no interior das questões estéticas e políticas do fim da década de 1860”, afirma Giovanna, que é pesquisadora-residente da BBM e doutora em Literatura Brasileira pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Tais questões serão consideradas “em perspectiva histórica, repensando-as a partir do ápice da campanha abolicionista na década de 1880 e do teatro engajado contra a ditadura na segunda metade do século 20”, acrescenta a organizadora.
“As comunicações do evento resultam de pesquisas de doutorado e pós-doutorado desenvolvidas no âmbito da FFLCH, com o apoio da BBM”, diz Giovanna. Todas as participantes têm trabalhos na área de Literatura Brasileira pela FFLCH, e cada uma abordará aspectos da obra de Castro Alves relacionados à sua área de especialidade.
A doutoranda Jéssica Cristina Jardim vai comentar o drama romântico Gonzaga ou a Revolução de Minas (1876) em seu tempo histórico. Por sua vez, a organizadora Giovanna Gobbi falará sobre a poética da liberdade na obra abolicionista de Castro Alves, com ênfase na representação do Quilombo de Palmares em sua épica inacabada, A República de Palmares. Já Manuella Araujo discutirá a presença de Castro Alves na obra do poeta afro-brasileiro Cruz e Souza. Por fim, Lígia Balista tratará da revisitação da peça Castro Alves Pede Passagem (1971), do dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri.
Literatura com tonalidade libertária
Nascido em 14 de março de 1847, Antônio Frederico de Castro Alves foi um poeta, dramaturgo e ativista abolicionista do século 19. O autor nasceu em Curralinho, na Bahia — cidade que hoje leva seu nome, Castro Alves. “Ele estudou no Ginásio Baiano, instituição de ensino de Salvador, onde foi introduzido à vertente de ativismo abolicionista de Abílio Borges, diretor do instituto”, diz Giovanna. Borges encorajava o engajamento dos alunos em eventos como cerimônias civis, bazares, dramatizações e saraus, que reuniam membros progressistas da sociedade civil com o objetivo de custear publicações abolicionistas e alforrias, explica a pesquisadora.
Assim o poeta se engajou na causa abolicionista, sendo seus primeiros versos acerca do tema, A Canção do Africano, publicados em 1863, aos 16 anos de idade. Castro Alves estudou na Faculdade de Direito do Recife e, em 1866, fundou uma sociedade abolicionista com Rui Barbosa, Regueira Costa, Aristides Spínola e Plínio de Lima, entre outros. “Esse grupo lança um jornal de ideias chamado A Luz e começa a promover eventos e atuar no cenário cultural pernambucano”, conta Giovanna. “Nesse momento, a atividade literária de Castro Alves já expressa forte tonalidade libertária, com declamações e publicações de caráter republicano, como em Pedro Ivo e O Povo ao Poder, e, em 1868, suas produções são marcadamente abolicionistas.”
Naquele ano, o poeta transferiu seus estudos para a Faculdade de Direito de São Paulo. Ainda em 1868, encenou Gonzaga ou a Revolução de Minas no Teatro São José e fazia apresentações de poemas, como O Navio Negreiro, em grêmios estudantis e reuniões abolicionistas. “A partir de sua estada em São Paulo e, no ano seguinte, no Rio de Janeiro, onde é recebido por José de Alencar e Machado de Assis, Castro Alves ganha notoriedade e sua figura pública passa a ser associada às causas abolicionista e republicana”, relata a pesquisadora.
Castro Alves morreu ainda jovem em 6 de julho de 1871, em Salvador, devido a um quadro tuberculoso desenvolvido a partir de um acidente de caça. Espumas Flutuantes (1870), seu único livro publicado em vida, “reúne poemas de tonalidade primordialmente lírica, explorando temas caros ao universo romântico, como a projeção do sujeito lírico sobre a natureza, o sofrimento e a separação amorosos, a criação poética e a liberdade, a inevitabilidade da morte ou, ainda, a morte precoce do gênio”, diz Giovanna.
Apesar de ter uma única obra lançada em vida, o poeta deixou instruções à família e amigos para a edição e publicação de seus trabalhos. A pesquisadora destaca alguns deles. O republicano e abolicionista Gonzaga ou a Revolução de Minas (1876) “se trata de uma peça híbrida entre drama histórico, melodrama, comédia e tragédia, que encena os bastidores da Inconfidência Mineira e a busca de um senhor negro liberto por sua filha desaparecida”. A Cachoeira de Paulo Afonso (1876) “consiste num poema dramático sobre a violência da escravidão, que impossibilita a plena fruição do amor por indivíduos escravizados”. Os Escravos (1883) é uma “coletânea de poemas dedicados à representação comovida e indignada das atrocidades da escravidão”.
Segundo Giovanna, a obra de Castro Alves transita pelos lugares-comuns da expressão romântica, mas traduz também a herança europeia em expressões particulares. “Isto é, numa poesia extremamente imagética e sensorial, atenta à descrição paisagística sertaneja. Além disso, há seu interesse em confrontar as elites políticas brasileiras quanto à manutenção do sistema escravocrata e à resistência à modernização do País”, explica Giovanna. A defesa do direito humano à liberdade é o destaque de sua produção, nas diferentes temáticas abordadas.
Giovanna destaca que, como a obra de Castro Alves só foi publicada após sua morte, a reputação do poeta se deve principalmente a declamações líricas e discursos que realizava em círculos literários, associações estudantis e abolicionistas e teatros. “Sua obra não deve ser compreendida sem considerar sua atuação literária e política no meio teatral no espaço público”, diz. Em contato com a emoção das plateias, Castro Alves buscava mobilizar o público na direção do ativismo abolicionista e republicano.
A pesquisadora ressalta que se trata de uma obra escrita num momento turbulento do Segundo Reinado no País. “A Guerra do Paraguai (1864-1870) intensificou o genocídio negro ao enviar tropas de escravizados aos fronts e postergou as discussões sobre a abolição da escravidão, além de ter exacerbado mazelas sociais e impactado a vida econômica das províncias.” Nesse momento, a poesia castroalvina passa a “representar a memória traumática da escravidão, afirmando a humanidade do indivíduo escravizado de modo a afastá-lo da condição de mercadoria”, afirma Giovanna.
Dessa maneira, as gerações seguintes, tanto de abolicionistas quanto de poetas, tiveram acesso ao repertório de imagem e discurso apresentado por Castro Alves e o utilizaram “como um instrumento para tornar visível o africano escravizado para um público mais amplo possível”. Sua obra modificou a forma como o afro-brasileiro era representado na literatura do País, e os desdobramentos disso são visíveis, por exemplo, nas obras de Sousândrade e de Cruz e Souza. No caso da dramaturgia de Gianfrancesco Guarnieri, a própria figura pública de Castro Alves é retomada, completa Giovanna.
A mesa-redonda 150 Anos da Morte de Castro Alves: Poesia e Teatro acontece nesta terça-feira, dia 20, às 14 horas, e será transmitida pelo canal da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP no Youtube. Grátis. Não é necessária inscrição prévia e haverá lista de presença para emissão de certificados de participação.