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É inegável o fato de que o Brasil passa por um momento importante de sua trajetória política, com rupturas e transformações que tornam difícil prever o caminho que estamos seguindo. Ao mesmo tempo, estamos sempre expostos a uma enorme quantidade de conteúdo que de certa forma reflete esse momento. Além das notícias, há os filmes, séries, novelas, músicas e outras produções em diferentes formatos. Como tudo isso se relaciona? Qual o impacto que essas produções podem ter e de que modo retratam nossa realidade?
Para refletir sobre essa e outras questões surgiu o Coletivo Chá de Fita, fundado por alunos do curso de Audiovisual da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. A ideia é discutir a relação entre política não apenas no cinema, mas no campo do audiovisual como um todo.
Essa discussão será retomada na próxima semana. Na segunda-feira, dia 20, às 19 horas, na ECA, o coletivo vai realizar um debate sobre a gravação de manifestações de rua. O encontro terá a participação da documentarista Lívia Perez, doutoranda da ECA e diretora de Quem Matou Eloá? (2015) e Lampião da Esquina (2016).
Como contam Nayla Guerra, Gustavo Maan e Aline Assis, todos do segundo ano da graduação, o coletivo surgiu de uma necessidade de vários alunos de conversar mais sobre o lugar da produção audiovisual na sociedade, algo que não é contemplado pela grade curricular.
“Isso é uma demanda que já vem com outras turmas, de pensar melhor a contextualização das imagens na sociedade, para que servem, como operam”, diz Gustavo. Ele acrescenta que a sua turma, de 2018, foi a primeira do curso após a aprovação de cotas pela Fuvest – a fundação que organiza o vestibular de ingresso na USP -, o que fez com que muitas dessas discussões surgissem naturalmente durante as aulas. “Além disso, também existem muitas pessoas da turma que querem abordar essas temáticas políticas nos seus filmes, e querem pensar em como fazer isso”, completa.
As primeiras reuniões para a criação do coletivo começaram logo no início do ano passado, e vários alunos se interessaram. Entretanto, a greve que ocorreu no departamento meses depois fez com que os planos fossem adiados, e as conversas só foram retomadas em meados do segundo semestre.
Com isso, surgiu a ideia de fazer um festival para inaugurar oficialmente as atividades do coletivo, e assim foi realizada a primeira Mostra Chá de Fita, em abril passado. Além de debates sobre cinema e política, foram exibidos diversos curtas e longas-metragens, todos produzidos por pessoas ligadas ao Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) da ECA.
“A ideia foi dar visibilidade às produções feitas aqui para pessoas que não são do CTR. Geralmente, só a gente vê esses trabalhos”, explica Nayla. “Queríamos que pessoas de fora também viessem ver, também discutissem audiovisual e política.”
O que é político?
Para montar a programação da mostra, os estudantes buscaram professores, funcionários e outras pessoas antigas do departamento para perguntar sobre o que foi produzido ao longo das mais de cinco décadas de existência do departamento. Já nesse processo surgiu uma dúvida: afinal, o que seria um filme político?
Essa e outras questões foram levadas para os debates, não necessariamente com o objetivo de encontrar todas as respostas, mas sim para levantar os diversos questionamentos discutidos durante a mostra e nas próximas atividades do coletivo.
A seleção de filmes dessa primeira atividade procurou diversificar temas e abordagens, sempre com o objetivo de expandir as possibilidades de discussão. Além disso, também houve a participação de convidados, como os professores Eduardo Morettin e Eduardo Vicente, que recapitularam a importância política do audiovisual brasileiro nas décadas recentes e falaram também sobre o papel fundamental do CTR nessa trajetória.
Foram resgatadas produções pouco conhecidas do CTR, algumas abordando questões bastante atuais, como o documentário Minoria Absoluta (1995), no qual são entrevistados intelectuais negros da USP, como o geógrafo Milton Santos e o sociólogo Clóvis Moura, que falam sobre a relação da negritude com a academia.
Na mesma linha, trouxeram o curta Um Clássico, Dois em Casa, Nenhum Jogo Fora (1968). O filme foi a primeira produção audiovisual da ECA e, em plena ditadura militar, foi também um dos primeiros no País a abordar a temática LGBT com seriedade, através da história de dois jovens universitários que se conhecem em São Paulo.
A partir das discussões levantadas com essa primeira atividade, o coletivo estruturou a programação de suas primeiras reuniões, que aconteceram nas últimas semanas. Os encontros têm debatido temas como a questão do lugar de fala na arte e a possibilidade desta de gerar transformação social e política. Tudo a partir de textos teóricos e exibição de curtas e videoclipes. Na reunião mais recente, por exemplo, realizada no dia 6 deste mês, assistiram ao curta As Tais Cariátides (1984), de Agnès Varda, e o clipe de Envolvimento, da cantora MC Loma.
Para acompanhar as próximas atividades – entre elas, o encontro sobre gravação de manifestações de rua, no dia 20 -, acesse a página do Coletivo Chá de Fita no Facebook. As reuniões são abertas e acontecem, geralmente, segundas-feiras a partir das 19 horas.