“Ciro Marcondes mudou o entendimento sobre comunicação no Brasil”

Professor da USP, que morreu no dia 8, deixa como legado uma produção científica reconhecida internacionalmente

 10/11/2020 - Publicado há 3 anos
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O professor Ciro Marcondes Filho: 46 anos dedicados ao ensino e à pesquisa na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP - Foto: Matheus Araújo/IEA/USP

Professor titular do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Ciro Juvenal Marcondes Filho morreu na tarde do último domingo, dia 8 de novembro, aos 72 anos, em São Paulo. “Ciro Marcondes Filho será lembrado por todos com imensa gratidão pelos anos dedicados à pesquisa e à docência”, lamentou, em nota, a diretoria da ECA. Foi também com grande pesar que o Departamento de Jornalismo e Editoração informou a morte de um de seus mais ilustres professores e um dos principais teóricos da comunicação e do jornalismo no Brasil: “O professor Ciro se dedicou à ECA e ao Departamento de Jornalismo e Editoração por 46 anos, formando gerações de jornalistas e acadêmicos de referência. Sua genialidade e rigor acadêmico, sua retidão moral, sua dedicação ao alunato e à ECA já são profundamente sentidos. Só não serão ainda mais porque seu legado está mais vivo do que nunca nos seus ex-alunos, nos seus colegas e em suas obras e ensinamentos”.

Bacharel em Ciências Sociais e em Jornalismo pela USP, Ciro Marcondes Filho era professor titular da ECA desde 1987, doutor pela Universidade de Frankfurt e pós-doutor pela Universidade de Grenoble, na França. Ingressou na USP, em 1968, na segunda turma do curso de graduação em Jornalismo, tornando-se docente em 1974. Também coordenou o Núcleo de Estudos Filosóficos da Comunicação da ECA e foi coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Novas Tecnologias, Comunicação e Cultura da USP. Como jornalista, foi editor do Jornal da USP, colaborador do jornal Leia e colunista da Rádio USP (93,7 MHz) e da revista Caros Amigos. Na Rádio USP, produziu a série de programas O Teatro do Mundo – A Canção e Ciência Feliz.

Com uma produção intelectual reconhecida internacionalmente, Ciro Marcondes Filho transitava entre as áreas de comunicação, filosofia e sociologia. Desenvolveu a chamada Nova Teoria da Comunicação – referência para os estudos em teoria e filosofia da comunicação no Brasil e reconhecida em diversas universidades do exterior – e é autor de mais de 50 livros, dentre os quais O Capital da Notícia (Ática, 1986),  A Saga dos Cães Perdidos (Editora Hacker, 2000), Ser Jornalista: O Desafio das Tecnologias e o Fim das Ilusões (Editora Paulus, 2009) e Das Coisas que nos Fazem Pensar (Ideias de Letras, 2014). Atualmente estava coordenando o projeto de pesquisa internacional Tragédias Políticas, que buscava analisar o fenômeno da desinformação e seus impactos sobre a política e a sociedade.

Os professores Ciro Marcondes, Vitor Blotta e Dennis de Oliveira - Foto: IEA/USP

“O professor Ciro Marcondes Filho me impactou ainda como recém-formado com a obra O Capital da Notícia, na qual ele defende a ideia de que o principal objetivo do jornalismo hegemônico é vender o produto, pois se trata de uma empresa capitalista como outra qualquer”, afirma o professor Dennis de Oliveira, docente da ECA e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. Segundo Oliveira, “o professor Ciro apresentava uma concepção de ideologia extremamente instigante – como um modo capitalista de pensar, funcionando nas estruturas inconscientes, que tinha como viagem psicodélica de um LSD a ida ao shopping center, como ele escreve na coletânea de artigos intitulada Quem Manipula Quem“. Para Oliveira, foi o rigor teórico e intelectual de Ciro Marcondes Filho que o fez considerar o jornalismo como algo sem possibilidades, como escreve em Jornalismo Fin-de-Siècle e mesmo na reflexão histórica do jornalismo A Saga dos Cães Perdidos. “Todos esses textos, eu acompanhei durante o curso de pós-graduação na ECA e no início da minha carreira docente, e o que me impressionava não era só sua grande produção, mas a densidade das suas reflexões e, principalmente, a sua preocupação com o afastamento de uma possibilidade de uma sociedade baseada no esclarecimento”, comenta.

O professor Oliveira ainda lembra que, em 2017, teve a oportunidade de dialogar com o professor Ciro Marcondes Filho em um seminário no IEA sobre os modelos curriculares para o ensino de jornalismo, onde ele aponta os dilemas da área a partir da sua experiência como docente. “Foi um momento ímpar para minha carreira docente ter a oportunidade de estar ao lado desse grande intelectual que marcou o Departamento de Jornalismo, a ECA, a USP e toda a área de comunicação. São pessoas assim que fazem a Universidade e o trabalho intelectual valer a pena.”

O professor Vitor Blotta, também do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA, teve o primeiro contato com a obra de Ciro Marcondes Filho ainda durante a graduação, quando fazia iniciação científica. “Tentei ler o livro A Produção Social da Loucura (Paulus, 2003), sobre psicanálise e mídia de massa, e tive bastante dificuldade. Percebi que Ciro era um autor controverso quando um professor de orientação marxista disse que ele era ‘um pós-moderno’. Não desisti e continuei lendo suas obras, mesmo porque por meio delas aprendia sobre outros grandes autores, como Habermas, Luhmann e Adorno. Mas, como todo grande autor, o pensamento de Ciro era construído em diálogo com esses e outros pensadores, e sempre numa relação de igualdade com eles, e não de subserviência de pensamento. Ainda que para alguns podia parecer como arrogância, logo percebi que o diálogo franco de Ciro com gigantes da filosofia e das ciências sociais vinha de um profundo conhecimento desses autores, de uma grande segurança teórica e também de uma coragem de saber e inventar o novo”, relata Blotta.

Blotta também conta que, antes de se tornar seu colega, foi aluno de pós-graduação mesmo depois de ter concluído seu doutorado, pois queria conhecê-lo e se aproximar mais de seu pensamento sobre opinião pública e mídias digitais. “Quando me tornei professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA, pude conhecer outras qualidades profissionais e pessoais de Ciro Marcondes Filho. Sua estatura intelectual e acadêmica nunca o impediram de se dispor a dialogar comigo para responder a perguntas e a dar conselhos acadêmicos, filosóficos e científicos. Sempre generoso e disposto a dialogar”, recorda.

Mas foi um contato mais pessoal que o impressionou: “Foi dele a mensagem mais bonita e carinhosa que recebi quando do nascimento de minha filha Aurora, em maio de 2020, em plena pandemia”, diz, e continua: “Pude perceber com essa mensagem como ele via nas crianças a esperança de um futuro melhor. Como ele disse, ‘em meio a tantas crises, uma luz no fim do túnel’”. Para Blotta, “hoje nosso departamento e a ECA estão órfãos de um de seus mais ilustres filhos. Além de todo o conhecimento e a obra que nos legou, posso dizer que sua maior lição para nós foi de amor e dedicação, pois amava a ECA com aquele amor de pai”.

Ciro Marcondes Filho, em entrevista para a TV Unesp - Foto: Reprodução/YouTube
Ciro Marcondes Filho, em entrevista para a TV Unesp - Foto: Reprodução/YouTube

Segundo a também professora da ECA Cremilda Medina, que conviveu com o professor desde os primeiros anos da década de 1970, a presença de Ciro Marcondes Filho não desaparecerá. “De décadas de produção intelectual e gesto solidário, posso testemunhar, porque acompanhei sua pesquisa desde o pioneiro curso de pós-graduação em Ciência da Comunicação na ECA, implantado em 1972. Daí saíram autores que dariam um salto qualitativo na bibliografia nacional, latino-americana e internacional. Ciro é um dos que assinam um número significativo dessas obras”, afirma Cremilda.

“Partilhamos especiais momentos, ao mesmo tempo de prazer nos estudos e de constrangimentos na ditadura”, destaca Cremilda. “Saí da USP por motivos políticos em 1975 e quando voltei, em 1985, ao me reintegrar à experiência acadêmica, lá estava o parceiro que, embora tenha seguido outras linhas reflexivas, em nenhum momento se isolava numa carreira individual, pois mantinha a curiosidade aberta a outras estradas do conhecimento. Diria que estávamos sintonizados na epistemologia do diálogo social.” A professora acrescenta: “Sentirei falta de encontrá-lo nos corredores da ECA, sempre disposto ao abraço de objetivos comuns – a constituição de um campo do saber humanizado e a constante renovação de interrogantes. Mas as novas gerações estão aí para revitalizar sua ausência”.

O professor Atílio Avancini, também da ECA, teve um contato mais próximo com Ciro Marcondes Filho em 2010, durante o projeto Transporizações, que discutia as travessias, caminhos ou meios para ocorrer a comunicação: “A grandeza de Ciro ficou, para mim, simbolizando os poros de uma esponja através da qual a sabedoria flui num movimento de incessante ressonância”.

Para Alexandre Barbosa, que foi professor temporário do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA entre 2015 e 2016, Ciro Marcondes Filho era uma referência: “Entre tudo que me deixava encantado nessa experiência estava o fato que eu dividia o corredor de professores com o Ciro Marcondes. Alguém que era minha referência bibliográfica, que eu citava nos artigos e teses, agora era meu colega de trabalho. Uma perda lastimável que só ganha conforto em saber que o professor Ciro marcou seu nome na história das ciências da comunicação latino-americana”.

Como compara o professor Luciano Maluly, do mesmo departamento, “assim como Herbert Marshall McLuhan, o professor Ciro Marcondes Filho era um gênio que, com ideias de vanguarda, mudou o entendimento sobre as teorias da comunicação no Brasil e no mundo”. 

“Sempre vou me lembrar com muito carinho e saudade do amigo gentil, acolhedor, bom ouvinte, excelente anfitrião e ótimo cozinheiro”, consola-se a professora Mônica Rodrigues Nunes, da ECA. “Apesar da sua partida prematura, ficam as obras de um pesquisador e professor dedicado, genial e humano.”

Capa de livro em homenagem ao professor Ciro Marcondes Filho, por ocasião dos seus 70 anos, publicado em 2018 - Foto: Reprodução/Editora Paulus
Capa de livro em homenagem ao professor Ciro Marcondes Filho, por ocasião dos seus 70 anos, publicado em 2018 - Foto: Reprodução/Editora Paulus

Entidades também prestam homenagens

Entidades ligadas ao ensino e à pesquisa em jornalismo e comunicação lamentaram a morte do professor Ciro Marcondes Filho.

A diretoria da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós) rendeu homenagens à contribuição do professor para a qualificação do debate no campo comunicacional no Brasil: “Ciro, um gigante da comunicação, com larga trajetória nas ciências da comunicação e no pensamento do jornalismo no País, deixa um legado filosófico-científico ímpar para a área de comunicação no Brasil”.

A Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) lamentou a morte do professor titular do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP: “Ele nos deixa um importante legado em sua obra, especialmente sobre a Nova Teoria da Comunicação”.

Já a Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) também registrou seu pesar: “Ciro Marcondes Filho era um nome de referência nos campos acadêmicos da comunicação e do jornalismo, contribuindo ao longo de sua carreira com importantes reflexões e publicações científicas”.


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