Mostra no Museu da Casa Brasileira convida o visitante a observar detalhes da obra de Bernardo Figueiredo - Foto: Alisson Ricardo

Bernardo Figueiredo e a arte do móvel como "suporte da vida"

Trajetória do arquiteto é mostrada em exposição e livro por três especialistas da USP

06/08/2021

Autor: Leila Kiyomura

Arte: Simone Gomes

Uma história para todos. Assim três pesquisadoras da USP foram compondo o livro e a exposição Bernardo Figueiredo: Designer e Arquiteto Brasileiro, lançados no Museu da Casa Brasileira (MCB), em São Paulo, instituição ligada à Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. Curadoras da mostra, a  professora Maria Cecília Loschiavo dos Santos, a mestre Karen Matsuda e a doutoranda Amanda Carvalho, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, contam a trajetória de um cidadão carioca com pensamento aberto, um dos pioneiros do design moderno, criando peças que se destacam por características bem brasileiras: arte, criatividade, conforto, elegância e um tom muito humano.

Karen Matsuda,  Amanda Carvalho e a professora Maria Cecília Loschiavo dos Santos – Foto: Arquivo pessoal

“Todos os seus projetos foram bem estudados antes de serem executados, ajustando-se muito bem ao corpo”, lembra a professora Maria Cecília. “São móveis que não perderam a sua utilidade e são atemporais.”

Amanda Carvalho faz questão de destacar: “O estudo rigoroso, a dedicação e o fôlego são as características que podem ser vistas em toda a obra de Bernardo Figueiredo”. E completa: “Falando especificamente sobre seus móveis, registram o momento em que os arquitetos buscaram mobiliar os espaços com peças que pudessem refletir o espírito e o ideal da época. Como era muito difícil encontrar essas peças, eles mesmos as faziam. Bernardo projetou e construiu diversos móveis, formando três linhas diferentes: duas residenciais e uma de escritórios”.

O arquiteto Bernardo Figueiredo – Foto: Reprodução

Certo é que os visitantes do Museu da Casa Brasileira já se sentem à vontade para entrar e percorrer as salas para conhecer Bernardo Figueiredo. “O móvel brasileiro existe quando atende às condições próprias da nossa gente. É essa exatamente minha preocupação ao criar um modelo. Proporcionar, através do conforto, plástica, materiais e autenticidade, o encontro daquilo que é acima de tudo útil para quem o procure. É uma questão de identidade”, defendia o arquiteto que morreu no Rio de Janeiro, no dia 24 de maio de 2012.

“Na sala onde estão os móveis de época, o visitante revê a Ipanema dos anos 1960. A música Garota de Ipanema ecoa pela sala com cenas do filme de Leon Hirszman que tem cenas gravadas no apartamento de Bernardo Figueiredo.”

 

Logo na entrada, o visitante já se depara com uma linha de tempo que o leva à travessia de uma história de criatividade, idealismo e trabalho. “No hall, mostramos quem foi Bernardo Figueiredo, destacando os pontos principais da trajetória do arquiteto e designer”, observa Maria Cecília Loschiavo. “Desenhos e fotos registram suas criações. Na parede oposta, mostramos seu trabalho como arquiteto. Nela pode-se ver algumas casas, edifícios comerciais e residenciais, feiras e shopping centers. Nas mesas do corredor estão os projetos urbanísticos, todos feitos à mão, destacando a qualidade de seus desenhos.”

Fotografias registram a ambientação dos projetos de Figueiredo – Foto: Alisson Ricardo

A exposição se divide em três salas principais. “Apresenta móveis dos anos 1960, projetos originais e móveis reeditados”, destaca Karen Matsuda. “Na sala 1, onde estão os móveis de época, o visitante revê a Ipanema dos anos 1960. A música Garota de Ipanema ecoa pela sala com cenas do filme de Leon Hirszman que tem cenas gravadas no apartamento de Bernardo Figueiredo.”

Nessa sala há também fotos do porão da loja Chica da Silva, que tinha como proprietária a figurinista Kalma Murtinho, considerada pioneira no comércio de artesanato brasileiro no Rio de Janeiro. Esse espaço era o ponto de encontro dos intelectuais da época, onde o arquiteto também expunha seus móveis. “Criamos um ambiente a partir de móveis originais feitos por Bernardo Figueiredo junto com imagens de ambientações feitas por ele”, explica a professora.

Interessante também observar a Poltrona Carioca que está desmontada em uma das paredes, mostrando as partes que a compõem.

A poltrona Carioca foi desmontada e cada uma das suas partes, aplicada na parede – Foto: Alisson Ricardo

“Na exposição, o público verá poltronas e cadeiras feitas para o Palácio Itamaraty. Algumas são originais e outras, reproduções. Para evitar a confusão entre elas, mantivemos as reedições em cores mais claras.”

Detalhes da poltrona Senhor – Foto: Reprodução

Cadeira dos Arcos, desenhada e produzida em 1967 para a Sala do Conselho de Política Exterior no Palácio do Itamaraty, em Brasília – Foto: Reprodução

Poltrona Senhor, exemplar da década de 1960 – Foto: Reprodução

“Ao sair de Ipanema, o visitante vai até Brasília, na sala 2, e entra no Palácio Itamaraty. Bernardo Figueiredo foi convidado para realizar as ambientações e os desenhos dos móveis”, explica a professora Maria Cecília.

“Na exposição, o público verá as peças feitas para o Palácio Itamaraty, que abriga o Ministério das Relações Exteriores em Brasília. Há móveis originais como a Cadeira dos Arcos e a Poltrona Rio, que dividem espaço com reedições como a Cadeira Bahia e a Poltrona Leve. Para evitar a confusão entre elas, as reedições têm cores mais claras.”

Estantes modular BF e sofá Deck, peças criadas por Bernardo Figueiredo – Foto: Alisson Ricardo

A sala 2 foi montada no Museu da Casa Brasileira seguindo os detalhes da pesquisa feita por Karen Matsuda para sua dissertação de mestrado – apresentada na FAU – sobre a formação do Palácio Itamaraty, entre 1959 e 1970. “Foi nessa pesquisa que entrei em contato com a produção moveleira de Bernardo Figueiredo, responsável pela composição de salas do Palácio Itamaraty: duas salas de jantar, Sala Bahia e Sala Rio de Janeiro, Sala de Reuniões do Conselho de Política Exterior, Salão de Baile, Pequeno Salão do Terraço e Sala de Estar, ambientes assim nomeados à época da construção do palácio.”

Karen explica que atualmente as salas mudaram de nome e de ambientação. “Muitos móveis desenhados por Bernardo Figueiredo não estão mais no palácio, de modo que a produção moveleira dele para o Palácio Itamaraty foi, ao longo dos anos, desaparecendo e tornando-se menos conhecida.”

Um motivo a mais para as curadoras Maria Cecília, Karen e Amanda destacarem no livro e na exposição a importância de Bernardo Figueiredo para o projeto do Palácio Itamaraty. O vídeo Palácio dos Arcos, de Angela Figueiredo, também resgata o design pioneiro do pai, reunindo fotos e imagens de 1967 a 2017.

Sala com a reedição do sofá Conversadeira e apresentação do vídeo Palácio dos Arcos, produzido por Angela Figueiredo, com fotos e imagens de 1967 a 2017 – Foto: Alisson Ricardo

Na terceira sala são apresentadas peças reeditadas pela Schuster Móveis, que desde 2011 produz os móveis de Bernardo Figueiredo. Um espaço onde o visitante pode observar e desfrutar do conforto das peças. “A ideia é mostrar o móvel como objeto que dá suporte à vida, ao uso cotidiano, e não como algo intocável que deve ser visto a distância”, diz Amanda Carvalho.

“Crescemos entre pranchetas, lapiseiras, réguas T, compassos, plantas, papel manteiga, construções, escritórios, fotografias, projetos, móveis, jogos de futebol do Flamengo e idas ao Maracanã.”

O livro Bernardo Figueiredo: Designer e Arquiteto Brasileiro, da Editora Olhares, é a exposição em páginas. Maria Cecília, Amanda e Karen organizaram o livro destacando a vida e obra do arquiteto entre seus projetos, fotos, desenhos, amizades, a família e o sol de Ipanema.

O texto Pela Luz do Seu Olhar, que abre o livro, traz a história do pai entre as lembranças das filhas Adriana e Angela Figueiredo. “Crescemos entre pranchetas, lapiseiras, réguas T, compassos, plantas, papel manteiga, construções, escritórios, fotografias, projetos, móveis, jogos de futebol do Flamengo, idas ao Maracanã e à praia e passeios de barco pelo litoral do Rio de Janeiro. Com nosso pai, íamos à praia em Ipanema, no Arpoador – era a época dos primeiros surfistas e dos pranchões. Vivemos muitas aventuras.”

Na exposição, o vídeo Fabricando a Poltrona Milhases apresenta a montagem da peça na fábrica Schuster, no Rio de Janeiro – Foto: Alisson Ricardo

Adriana e Angela descrevem o cotidiano com o pai. “No apartamento em que crescemos, os ambientes eram decorados em estilo design moderno, com espaços amplos, alguns móveis projetados por nosso pai e outros por nossa mãe. Para a gente, viver em um ambiente com móveis do design moderno brasileiro era algo muito natural e familiar. Até hoje, é onde nos sentimos em casa. Naquela época, não fazíamos ideia de que aquilo expressava o esforço criativo de uma geração para repensar a cultura material do nosso País.”

O livro reúne também o pensamento que se expressa nos detalhes dos projetos esmiuçados em desenhos. Bernardo Figueiredo se formou em 1957 na antiga Faculdade Nacional de Arquitetura, hoje Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Como ele mesmo costumava dizer, o curso de Arquitetura era ainda recente e ele e seus colegas se viram na necessidade de entender o campo de atuação. Assim, buscou atuar em diversas frentes”, explica a professora Maria Cecília. “Em 1980 tive a feliz oportunidade de entrevistar Bernardo Figueiredo, em seu escritório no Rio de Janeiro, como parte de pesquisa de mestrado, realizado no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Ele falou sobre educação em projeto e sobre os anseios dos jovens estudantes, ressaltando sua colaboração com o colega Paulo Casé, numa atitude que ele chamou de ‘modernosíssima’ no projeto do móvel. Destacou, ainda, o sonho de estudante que rendeu a ambos o primeiro contato com o design de mobiliário. Esse fato manifesta com clareza o fascínio que a prática de projeto exerce sobre os jovens alunos, levando-os às experiências inventivas, que vão muito além da sala de aula e do ateliê.” 

Capa do livro que reproduz a exposição no Museu da Casa Brasileira – Foto: Reprodução

A exposição Bernardo Figueiredo: Designer e Arquiteto Brasileiro, com curadoria de Maria Cecília Loschiavo dos Santos, Amanda de Carvalho e Karen Matsuda, fica em cartaz até 12 de dezembro, de terça-feira a domingo, das 10 às 18 horas, no Museu da Casa Brasileira (Avenida Faria Lima, 2.705, em São Paulo, telefone 011 3032-3727). Entrada: R$ 15,00 (inteira) e R$ 7,50 (meia). Grátis às terças-feiras. Mais informações estão disponíveis no site do Museu da Casa Brasileira. 

Bernardo Figueiredo: Designer e Arquiteto Brasileiro, de Maria Cecília Loschiavo dos Santos, Amanda de Carvalho e Karen Matsuda, Editora Olhares, 176 páginas, R$ 139,00.


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