Artistas de várias gerações se reúnem para “Contar o Tempo”

Exposição no Centro Maria Antonia da USP, com a curadoria de Dária Jaremtchuk, apresenta obras que revisitam o projeto modernista

 30/03/2022 - Publicado há 2 anos
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Dupla Exposição, de Laís Myrrha – Foto: Divulgação

Artistas de várias gerações se reúnem para "Contar o Tempo"

Exposição no Centro Maria Antonia da USP, com a curadoria de Dária Jaremtchuk, apresenta obras que revisitam o projeto modernista

Texto: Leila Kiyomura

Arte: Ana Júlia Maciel

Artistas de diferentes gerações integram, a partir desta quarta-feira, dia 30, a exposição Contar o Tempo no Centro Maria Antonia da USP. E através de suas obras dialogam com o público apresentando as diversas formas de perceber, sentir, ver, criar, buscar, viver e refletir sobre o tempo. Partem da ideia de que “não há um fluxo contínuo, mensurável e homogêneo”.

Contar o Tempo reúne trabalhos produzidos por artistas que possibilitam observar que as dimensões sociais, políticas, psicológicas e intelectuais interferem no que se compreende como tempo”, explica Dária Jaremtchuk, vice-diretora do Centro Maria Antonia e curadora da mostra. “Quando fomos chamados pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, com outras instituições de cultura,  para discutir o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, resolvemos organizar uma mostra que pensasse como as efemérides contribuem para uma observação incomum da passagem do tempo.”

A curadora acredita que comemorações históricas devem incluir revisões críticas e balanços historiográficos, capazes de transformar as perspectivas sobre o passado. “Partindo da reflexão de Eric Hobsbawm em A Invenção das Tradições, resolvemos pensar um eixo da mostra que estivesse voltado aos ecos críticos do moderno perceptíveis na produção atual.”

Dária Jaremtchuk - Foto: Arquivo Pessoal

"Nesses trabalhos, a reverberação do imaginário moderno e o fracasso da modernização e do projeto de emancipação nacional aparecem de modo visível."

Em Contar o Tempo, a arte moderna tem versão própria nas obras de Lais Mirrha e Talles Lopes, especialmente criadas para a exposição. “Nesses trabalhos, a reverberação do imaginário moderno e o fracasso da modernização e do projeto de emancipação nacional aparecem de modo visível”, explica Dária. “Também os autorretratos de Rosana Paulino trazem referências ao entrelaçamento de temporalidades artísticas diversas. O corpo nu como modelo tradicional na história da arte, as máscaras africanas e as referências emblemáticas na arte moderna brasileira como Tarsila e Volpi. Há outros artistas que trazem questões caras à tradição moderna, como Marilá Dardot, com Ir y Volver. Nessa performance, ela escreveu com água em um muro ‘a la esperanza vuelvo‘. Toda vez que concluía a frase, voltava ao seu início, insistindo em manter as palavras visíveis antes que o vento e o calor as dissipassem.”
O visitante vai perceber o tempo fluindo na arte das diferentes gerações de professores e estudantes da USP. O rigor estético e a sensibilidade de Carmela Gross, que surpreendeu a todos na 34ª Bienal de São Paulo, está em Contar o Tempo. “Apresento o vídeo Luz del Fuego ll, de 2018, com 11 minutos e 24 segundos”, explica a artista. “Trata dos tempos atuais, com toda ordem de guerras, lutas sociais, manifestações e embates coletivos de perto e de longe.”

A reflexão crítica de Dora Longo Bahia, professora do Departamento de Artes Visuais da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, marca presença. “É impossível não pensar no tempo da depredação da natureza.” Dora Longo Bahia participa da mostra com obras em grande escala: duas pinturas e duas fotografias. As telas produzidas por ela trazem cenas aniquiladas pela exploração econômica e brutalidade devastadora. “Borralho (Cubatão) e Borralho (Jaci Paraná) referem-se a espaços de crimes ambientais em processo.”

Carmela Gross, artista e professora, participa da mostra com "Luz Del Fuego 2" - Foto: Divulgação
Cacos, de Adriana Monteiro e Marina Zilbersztejn - Foto: Divulgação
Cacos, de Adriana Monteiro e Marina Zilbersztejn - Foto: Divulgação

Contar o Tempo traz imagens de Perito Moreno e Marcelo Moscheta, que conduzem o visitante à história do planeta e, ao mesmo tempo, à sua degradação e devastação. Importante também observar o trabalho dos artistas Adriana Moreno, Marina Zilbersztejn, Diogo de Moraes, Clara Ianni, Talles Lopes e Walmor Corrêa, entre outros.

"O Núcleo Arqueológico apresenta um conceito de tempo distinto daquele proposto pelo senso comum, ou seja, um tempo não linear, e a ausência de uma separação clara entre passado, presente e futuro."

O chamado Núcleo Arqueológico integra a mostra Contar o Tempo. Com a curadoria dos professores Astolfo Gomes de Mello Araújo, do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, e Maria Mercedes Martinez Okumura, do Instituto de Biociências (IB) da USP, as peças levam às culturas milenares que habitaram o Brasil. “A ideia principal é pensar as possibilidades de diferentes percepções do tempo em relação à nossa própria percepção atual através dos artefatos arqueológicos”, destaca Araújo. “O Núcleo Arqueológico apresenta um conceito de tempo distinto daquele proposto pelo senso comum, ou seja, um tempo não linear, e a ausência de uma separação clara entre passado, presente e futuro.”

Atualmente, segundo os curadores, é possível observar a riqueza cultural dos grupos indígenas do País e, no passado, isso não era diferente. “Queremos homenagear alguns grupos indígenas que resistem e persistem até os dias de hoje, mostrando como a evidência arqueológica aponta para uma história de longa duração desses grupos nesses territórios”, acrescenta Araújo.

Astolfo Araújo e Maria Mercedes Okumura acreditam que as cerâmicas do Núcleo Arqueológico levam à reflexão da persistência cultural e da existência de uma conexão profunda desses grupos indígenas ao que é o atual território brasileiro. Ao mesmo tempo convidam a pensar nos processos de dinâmicas culturais ocorridos nesses grupos ao longo de suas histórias de persistência e resistência.
“Nossa expectativa é de que os visitantes, ao se depararem com os artefatos arqueológicos, possam rever as ideias sobre progresso e inovação”, observa Maria Okumura. “Ao visitar a exposição, é importante considerar as tradições culturais ou ideias que nos são caras e descobrir que temos muito mais em comum com esses grupos apresentados do que tínhamos imaginado. Nunca é demais enfatizar a importância de políticas públicas que respeitem e valorizem o patrimônio cultural dos habitantes originais desse território.”

 

O professor Astolfo Gomes de Mello Araújo, do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP - Foto: Arquivo Pessoal
A professora Maria Mercedes Martinez Okumura, do Instituto de Biociências (IB) da USP - Foto: Arquivo Pessoal

Peças que integram o Núcleo Arqueológico da exposição Contar o Tempo remontam aos povos e culturas milenares que habitaram o Brasil - Fotos: Divulgação

A exposição Contar o Tempo fica em cartaz de 30 de março a 19 de junho de 2022, de terça-feira a domingo e feriados, das 10 às 18 horas, no Centro Maria Antonia da USP (Rua Maria Antonia, 258, Vila Buarque, região central de São Paulo). Grátis. É obrigatório o uso de máscaras de proteção individual e apresentação da carteira de vacinação contra a covid-19.

 


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A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.


 


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