O vídeo Da Ordem do Inventado: Um Olhar Matemático Sobre a Arte foi idealizado e produzido por professores do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, com apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) da USP e do Museu de Arte Contemporânea (MAC), também da USP: reflexões sobre as intersecções entre matemática e arte - Fotomontagem: Jornal da USP - Fotos: Pixabay e Divulgação/MAC USP

Arte + matemática = criatividade ao infinito

O resultado pode ser constatado no vídeo realizado por professores do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, em que três matemáticos analisam obras de Max Bill, Tarsila do Amaral e Karel Appel no Museu de Arte Contemporânea

 27/04/2023 - Publicado há 12 meses

Texto: Leila Kiyomura
Arte: Carolina Borin Garcia

Quando a matemática tem uma iniciativa inusitada de se questionar através da arte, o resultado surpreende. Alia razão e sensibilidade, formas e emoções. E o que aparentemente é abstrato surge em uma equação estética em que é possível ver muito além da simples realidade. 

Prova disso é o vídeo Da Ordem do Inventado: Um Olhar Matemático Sobre a Arte, idealizado pelas professoras Christina Brech e Deborah Raphael, do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, com apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) da USP e do Museu de Arte Contemporânea (MAC), também da USP.  Assista ao vídeo no link abaixo.

Em 16 minutos e 30 segundos, os professores e matemáticos Christina Brech, Pedro Tonelli - ambos do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP - e Rogério Monteiro, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), também da USP, convidam a uma reflexão sobre matemática e arte. Para essa análise, a produção selecionou três obras que são destaque no Museu de Arte Contemporânea (MAC).

Max Bill, Tarsila do Amaral e Karel Appel encantam e desafiam a matemática

“A escultura Unidade Tripartida, de Max Bill, abre o vídeo”, conta a professora Deborah Raphael. “Desde o princípio, ela nos pareceu obrigatória. Os matemáticos se encantam com essa obra e ela tem uma ligação intencional com a matemática.”

Um encantamento que o espectador/leitor vai perceber na análise de Rogério Monteiro. “Um problema que é comum entre matemáticos e artistas ao longo do século 19 tem a ver com a dúvida sobre se o que produzimos é ou não uma representação da natureza. Max Bill está experimentando várias versões de como colar as faixas, de como explorar a volumetria e de como ocupar o espaço. Ele é ligado à arte concreta, mas não está fazendo referência a uma árvore ou a um coração, do mesmo jeito que os matemáticos concebem fórmulas abstratas que tomam forma.”

Deborah Raphael - Foto:  Fernanda Nogueira
Deborah Raphael - Foto: Fernanda Nogueira
Christina Brech - Foto: Arquivo Pessoal
Christina Brech - Foto: Arquivo Pessoal

Christina chama a atenção para o estudo da superfície do artista, que é também uma área dos matemáticos. As características geométricas de Max Bill são analisadas por Pedro Tonelli: “É uma obra muito matemática, quase sem cor, que se refere a um conhecimento básico da tipologia”. Tonelli caminha observando a geometria da obra, fica atento às curvas, observa a sua presença no espaço e acrescenta: “Por outro lado, ela tem uma diversidade em suas características, que é a forma e a luz que produz, reproduz e reflete”. Também passeia ao redor da obra e percebe que ela vai mudando. Chegam à conclusão de que Unidade Tripartida sintetiza várias obras. “ Sutil, quase um jogo de sedução”, observa Christina. 

Tarsila do Amaral também está presente. A Estrada de Ferro Central do Brasil foi selecionada por apresentar muitos elementos geométricos de maneira nada óbvia”, aponta Deborah.

Os matemáticos observam a pintura atentamente. “Há vários componentes interagindo. A intervenção do homem é mais reta, enquanto as árvores e os rios são expressos em curvas”, analisa Tonelli, enquanto Christina chama a atenção para outra característica de Tarsila: “Ela representa objetos de maneira simples, mas buscando a sua essência em formas limpas e isso tem a ver com a nossa busca na matemática, que é entender a essência dos objetos e enunciar resultados de forma limpa também”.

Pedro Tonelli - Foto:  Fernanda Nogueira
Pedro Tonelli - Foto: Fernanda Nogueira

A terceira obra apresentada no vídeo é Cabeça Trágica, do holandês Karel Appel. “Uma pintura abstrata, em que é possível reconhecer uma cabeça, boca, olhos e uma situação de inconformismo com a própria existência. Não é uma obra figurativa, mas com o tempo você vai juntando pedaços da obra para observar a sua composição”, considera Tonelli. 

Da esquerda para a direita, Unidade Tripartida, de Max Bill, A Estrada de Ferro Central do Brasil, de Tarsila do Amaral, e Cabeça Trágica, de Karel Appel - Fotos: Divulgação/MAC-USP

Artistas e matemáticos: um desafio e uma referência

Marta Bógea - Foto: Arquivo pessoal
Marta Bógea - Foto: Arquivo pessoal
Alecsandra Matias de Oliveira - Foto: Arquivo pessoal
Alecsandra Matias de Oliveira - Foto: Arquivo pessoal
Geciane Porto - Foto: Arquivo pessoal
Geciane Porto - Foto: Arquivo pessoal
Lisbeth Rebollo Gonçalves - Foto: Francisco Emollo/USP Imagens
Lisbeth Rebollo Gonçalves - Foto: Francisco Emollo/USP Imagens
Sandra Makowieky - Foto: Arquivo pessoal
Sandra Makowieky - Foto: Arquivo pessoal

A análise dos matemáticos é uma referência para o olhar dos críticos e pesquisadores de arte. E, ao mesmo tempo, propicia um diálogo diferente com a matemática. Marta Bogéa, vice-diretora do MAC, observa: “Considero o vídeo uma iniciativa valiosa do IME. Suas aproximações às obras a partir dos parâmetros da matemática resultaram didáticas e interessantes, em uma abordagem interdisciplinar que aproxima as obras para um público mais amplo”.  E acentua: “O acervo é um valioso patrimônio público salvaguardado pelo MAC, aberto a receber pesquisadores de todas as áreas que tenham interesse em desenvolver pesquisas sobre ele.” 

O vídeo vem repercutindo entre os pesquisadores e críticos de arte. “Assisti e tive uma grata surpresa. As leituras dos matemáticos sobre as principais obras do MAC são exercícios de reflexão interessantíssimos, dotados de abordagens inusitadas e cheias de sensibilidade. Eles nos trazem o olhar da descoberta. E, assim, arte e matemática são campos com profundas interações, caindo por terra a falsa oposição entre arte e ciência, na qual a primeira é relacionada à ‘criação’ e a segunda, à ‘compreensão das leis da natureza’ – essa ideia é superficial e incompleta”, opina Alecsandra Matias de Oliveira, especialista em cooperação e extensão universitária no MAC-USP e professora do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.

Geciane Porto, artista e professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, também aprecia o encontro entre matemática e arte: “O vídeo propõe uma instigante discussão sobre a fluidez do processo criativo nas artes e na matemática, campos que, em geral, são percebidos como completamente distintos. Mas que possuem uma inusitada convergência. A matemática e a arte estão em busca da essência dos objetos/representação, ou seja, teoremas, obras de arte não existentes no plano real, mas que tornam-se concretos como resultado do trabalho matemático e artístico, ou seja, resultados do processo criativo”.

Lisbeth Rebollo, presidente da Associação Internacional de Críticos de Arte (Aica) e professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, acha importante a iniciativa dos matemáticos e muito interessante a análise das obras de Tarsila do Amaral, Max Bill e Karel Appel.  “A interface entre as disciplinas do saber é sempre muito interessante.”

Na visão de Sandra Makowieky, presidente da Associação Brasileira de Críticos de Arte e professora do Departamento de Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), a arte é uma expressão ou um produto do conhecimento científico. “O escultor Waltércio Caldas diz que a realização de uma obra se dá na medida em que vai encontrando condições de transformar algo que não havia em coisa que existe. O sentido não está presente nas coisas, cabe a artistas e receptores, aos matemáticos, armar sérias conexões para devolver ao trabalho que realizam um acréscimo ao mundo”, assinala. “Arte e matemática lidam com essas abstrações. Além desse acréscimo ao mundo, evidenciamos que artistas e matemáticos são como atores que encenam o texto de um outro autor, de tal modo que o principal ‘ato’ de um texto é repor os textos anteriores que foram decisivos para a existência do seu. Nada se dá de forma isolada, não há como não considerar o que veio antes. O vídeo mostra essa relação.” 


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