Antonio Candido ocupa o Itaú Cultural

De 23 de maio a 12 de agosto, evento vai mostrar as várias faces do professor da USP e crítico literário

 22/05/2018 - Publicado há 6 anos
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Antonio Candido (1918-2017) completaria 100 anos no próximo dia 24 de julho – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável.”

 

Em 1988, o então professor aposentado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Antonio Candido (1918-2017) encerrava assim o ensaio O Direito à Literatura, reafirmando seu compromisso, como intelectual, com a sociedade. Trinta anos depois, essas mesmas palavras servem de “luz espiritual e filosófica” para a exposição que apresenta ao público 80 anos de uma vida dedicada ao estudo, ao ensino e à militância.

A partir de 23 de maio, o Itaú Cultural sedia a Ocupação Antonio Candido, reunindo 200 obras vindas do acervo de Candido e sua esposa, a também professora da FFLCH Gilda de Mello e Souza (1919-2005). São cadernos de estudos, anotações, planos de aula, textos revisados, fotos, vídeos e objetos pessoais, quase a totalidade inédita para o público. É um pequeno recorte dentro das 45 mil peças que foram doadas para o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP pela família do homenageado.

“A Laura Escorel, neta de Candido, procurou o Itaú Cultural quando colaboramos com a doação do acervo da Aracy Amaral para o IEB e perguntou se não estaríamos interessados em fazer um trabalho igual para o acervo do avô”, explica Claudinei Ferreira, gerente do núcleo de audiovisual e literatura da instituição e integrante da equipe curatorial da exposição.

Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza – Foto: Marina de Mello e Souza/Acervo Pessoal

Inspirados pelo texto de 1988, escrito para uma palestra organizada pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, Ferreira e a equipe de curadores, que conta também com Laura, buscaram apresentar o crítico literário, sociólogo e professor Antonio Candido em primeira pessoa, privilegiando a documentação produzida pelo próprio intelectual.

O Direito à Literatura é um texto muito importante para o Brasil de hoje”, reflete Ferreira. “Esse Brasil fraturado, onde aparecem grupos radicais distorcendo todo e qualquer processo civilizatório de discussão.” Além de orientar o trabalho dos curadores, trechos do texto aparecem por toda a exposição, que é dividida em sete eixos.

O acervo como personagem

O primeiro eixo, “Autocrítica e Artigos em Destaque”, trata dos escritos de Candido para a imprensa feitos entre 1943 e 1947. São críticas para a Folha da Manhã e o Diário de S. Paulo contendo análises das primeiras obras de autores do calibre de Clarice Lispector, Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto.

“Os Parceiros do Rio Bonito” e “Formação da Literatura Brasileira” trazem documentações sobre seus dois livros homônimos e seminais. O primeiro deles é fruto de sua tese de doutorado em Sociologia, defendida em 1954 e tornada livro dez anos depois. Já o segundo, um monumento em dois volumes escrito entre 1945 e 1951, foi editado em 1959 e reeditado em tomo único em 2007.

Já “Clima e Argumento” relata a atuação do homenageado como crítico literário em dois momentos. No primeiro, expõe o início de sua trajetória como integrante da revista Clima. Publicado de 1941 a 1944, sob os auspícios do dramaturgo Alfredo Mesquita, o periódico reunia uma constelação de jovens críticos de arte e intelectuais, composta de Candido na literatura, Décio de Almeida Prado no teatro, Paulo Emílio Salles Gomes no cinema, Lourival Gomes Machado nas artes plásticas e Antonio Branco Lefèvre na música, além da colaboração de Gilda, professora de Estética e crítica de arte.

O segundo momento retrata o crítico maduro, agora na revista Argumento, que convocou o mesmo time de autores da publicação dos anos 1940. Com vida curta, Argumento teve apenas quatro edições, editadas entre 1973 e 1974. Após um dos números sofrer censura, o grupo decidiu encerrar abruptamente o projeto.

Antonio Candido (em pé, à direita), em 1927, aos 9 anos de idade, ao lado dos pais e irmãos, em Campos do Jordão (SP) – Foto: Fundo Antonio Candido de Mello e Souza/IEB-USP

Em “Suplemento Literário”, o público conhece o surgimento do caderno elaborado pelo intelectual para o jornal O Estado de S. Paulo, que circulou de 1956 a 1974. “Família e Infância” traz documentação íntima e dos primeiros anos de Candido, incluindo caderno que pertenceu ao homenageado quando tinha 10 anos. Finalmente, a seção “Educador” explora sua atuação como professor e orientador.

Para Ferreira, a força da exposição está no conjunto dos elementos reunidos e não em itens isolados. “O acervo em si já é um personagem.” O curador chama a atenção para 25 cadernos de anotações que estão dispostos ao redor da ocupação, como se a abraçassem. “Com eles você pode ver a trajetória de Antonio Candido, perceber o processo de criação, como e o que ele anotava para realizar as reflexões, escrever os ensaios, dar aulas ou compor livros como Formação da Literatura Brasileira.”

Além da exposição, a ocupação contará com um hotsite sobre o homenageado (www.itaucultural.org.br/ocupacao) e uma publicação com manuscritos, datiloscritos e artigos escritos pelo intelectual. O conjunto reúne ensaios curtos sobre a origem da criação literária, relações entre literatura e sociedade e concepções históricas sobre o romance. Traz também as resenhas sobre as obras de Guimarães Rosa, Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto.

“Extraordinariamente democrático”

As homenagens a Candido se completam com um colóquio internacional, que acontece de 23 a 25 de maio. Para debater sua vida, obra e militância, tomarão a palavra os escritores Antonio Prata e Luiz Ruffato, os professores Celso Lafer, Marisa Lajolo e Walnice Nogueira Galvão e o ensaísta José Miguel Wisnik. A palestra de abertura do colóquio, no dia 23, às 19 horas, será feita pela professora Walnice.

Também participam do colóquio a professora e tradutora checa Šárka Grauová, integrante do Departamento de Estudos Luso-Brasileiros da Faculdade de Letras da Universidade Carolina de Praga (República Checa), e o professor Pablo Rocca, da Universidade Federal do Uruguai.

Antonio Candido, aos 29 anos, quando começou a pesquisa de campo sobre o caipira do interior paulista – Foto: Reprodução/livro Os Parceiros do Rio Bonito

Segundo a professora Walnice, o maior legado de Candido é a união entre crítico literário e militante. “Ele passou a vida inteira defendendo causas progressistas e socialistas”, comenta.

Walnice foi aluna e depois assistente de Candido. Na abertura do colóquio, ela vai examinar o ex-professor em suas múltiplas facetas: educador, crítico literário, escritor e orientador. Segundo a professora, Candido foi seu melhor mestre, destacado na didática e na democracia. “Sempre excelente e extraordinariamente democrático, como tudo que fez na vida. Antonio Candido não tinha um pingo de personalidade autoritária.”

A Ocupação Antonio Candido acontece de 23 de maio a 12 de agosto, com visitas de terça a sexta-feira, das 9 às 20 horas, e aos sábados, domingos e feriados, das 11 às 20 horas. O Colóquio Internacional começa no dia 23, às 19 horas. Entrada grátis. O Itaú Cultural fica na Avenida Paulista, 149, em São Paulo.

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