
Nas aulas sobre jornalismo digital ministradas on-line neste semestre, alunos de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP foram convidados a ler a peça A Noite, do escritor português José Saramago (1922-2010), e a escrever sobre ela. O resultado dessa atividade é o recém-publicado livro A Noite e a Internet – O Que José Saramago Pode nos Ensinar sobre o Jornalismo Digital?, disponível gratuitamente no Portal de Livros Abertos da USP.
No livro, os alunos comparam as situações vividas na peça de Saramago – ambientada numa redação de jornal na noite anterior à Revolução dos Cravos, ocorrida em Portugal em 25 de abril de 1974, época anterior ao advento da internet e do jornalismo digital – com o trabalho dos jornalistas no século 21. A obra foi organizada pelo pesquisador Rafael Duarte Oliveira Venancio, conferencista convidado que propôs a atividade aos alunos, e pelo professor Luciano Maluly, do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA.
Como explica Venancio, A Noite mostra o comportamento de três grupos de pessoas que atuam na produção de notícias: os dirigentes do jornal, os jornalistas e a equipe técnica. “Esse contexto traz a dinâmica da produção jornalística e permite debater temas como o que noticiar, o estatuto da verdade e as hoje chamadas fake news”, afirma o pesquisador. “Como eu verifico se um boato é notícia ou fato? Eu devo noticiar algo que é contra minha ideologia política? Devo noticiar algo só porque é a favor da minha ideologia política? São questões como essas que a peça nos faz discutir.”

Os temas atemporais do jornalismo abordados na peça de Saramago tornam possível discutir jornalismo digital a partir de uma obra artística produzida num tempo que não é digital e percebê-los em debates atuais, continua Venancio. O pesquisador destaca que é importante mostrar que certas práticas jornalísticas, debatidas até com fervor nas redes sociais – como o interesse público e a busca pela veracidade das notícias -, não são características especificamente da internet ou do jornalismo digital, mas sim procedimentos que se encontram no jornalismo desde sempre. “O olhar histórico permite relativizar, colocar coisas em contexto e fazer os alunos entenderem o que é específico do digital e o que é algo que sempre compôs o jornalismo”, completa Venancio.
A Noite e a Internet traz textos de 12 alunos, além de um capítulo escrito por Venancio e a apresentação assinada por Maluly. Um desses textos, O Imediatismo Instaurado no Ato de Noticiar, é de autoria de Tiago Sameshima de Medeiros, que, ao comparar o fazer jornalístico exposto na peça de Saramago e o praticado atualmente, dá destaque para o tempo de divulgação das notícias. “Se no caso da redação relatada em A Noite houve grande debate sobre a inclusão ou não do rumor posteriormente confirmado de ocorrência de uma manifestação política, nos dias atuais não haveria brecha para postergar a notícia”, escreve o aluno. “Atualmente o tempo da notícia é quase inexistente.”
O livro A Noite e a Internet – O Que José Saramago Pode nos Ensinar sobre o Jornalismo Digital?, organizado por Luciano Maluly e Rafael Duarte Oliveira Venancio, está disponível gratuitamente no Portal de Livros Abertos da USP.