Está no ar o Multitudo, podcast do Grupo de Estudos Espinosanos (GEE), criado para divulgar a filosofia feita na universidade pública – em especial, na USP. O programa, que estreou em novembro, já conta com cinco episódios disponíveis no Spotify e no YouTube; o sexto e último programa da temporada, com a convidada Marilena Chauí, irá ao ar na terça-feira (26). Professora Emérita na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), Chauí fundou o GEE em 1995, a fim de unir discentes e docentes na pesquisa sobre a filosofia do século 17.
Na atual configuração do podcast, a mesa de apresentadores é formada pelo doutorando Abel Beserra, o pesquisador José Marcelo Siviero e a graduanda Yonah Zimerman. “A gente está tentando se contrapor ao mito de que não existe filosofia no Brasil. A ideia é mostrarmos o que que a gente já produziu e o que podemos fazer a partir de agora. É um duplo olhar para o futuro e para o passado”, explicou Beserra em entrevista ao Jornal da USP.
Frente à divulgação científica em revistas, redes sociais ou artigos, o grupo viu no formato de podcast uma oportunidade de alcançar um público maior. “A ideia é justamente ocupar um pouco esse espaço bastante comum hoje no consumo de conteúdo popular”, afirma Beserra, inspirado em sucessos do entretenimento como os programas Mamilos e Não Inviabilize. Enquanto o grupo se esforça para enquadrar a filosofia na mídia, tenta também adaptar o algoritmo ao ritmo deles. Pensando em priorizar qualidade e não quantidade, cada episódio demora cerca de um mês para ir do papel aos ouvintes, de modo que a temporada sendo produzida atualmente só será lançada em 2025. “Embora exista muito conteúdo na internet, nós identificamos que nem sempre esse conteúdo tem uma curadoria tão cuidadosa. A ideia é remar um pouco contra a maré, mas ao mesmo tempo também se atualizar em relação ao que hoje em dia tem uma difusão maior.”
O episódio piloto foi gravado com Tessa Lacerda, supervisora do GEE. Na mesa, a professora discute seu livro de ensaios Pela memória de um paí[s]: Gildo Macedo Lacerda, Presente! (2023), no qual ela remonta à própria história na ausência de seu pai, preso político assassinado pela ditadura militar. Ao longo dos quatro ensaios, Tessa reúne relatos de terceiros para construir um pai que nunca pode ter, que lhe foi roubado pelo regime militar. A partir destas memórias emprestadas, ela exprime o desejo de retomar o testemunho como categoria filosófica, isto é, que as experiências narradas possam ser ferramentas de pesquisa e reflexão. A valorização dos depoimentos convém à proposta conversacional do podcast: “Ela nos apoiou desde o início. Consideramos esse episódio incrível muito importante, porque ela tem esse lugar especial, acolheu o projeto e nos estimula a fazer esse trabalho”, afirma Beserra.
No segundo episódio do programa, o professor Pablo Rubén Mariconda pauta a agnotologia, ou seja, o estudo da produção científica da ignorância. O termo, cunhado por Robert Proctor, não se refere apenas a ocultar fatos comprovados, mas a disseminar desinformação sistematicamente. O professor usa o exemplo da indústria do tabaco: enquanto que a ciência comprovava os males cancerígenos do fumo, o setor tabagista financiava pesquisas contrárias, a fim de confundir a opinião pública. Por usarem o método científico, as campanhas não eram mentirosas, mas tendenciosas, e funcionaram para diminuir a confiança dos consumidores nas pesquisas antifumo, garantindo o lucro, afirma Mariconda. Casos assim, acreditam os criadores do podcast, reforçam a importância de projetos de divulgação como este, que aproximam a produção da pesquisa acadêmica à comunidade externa.
Criado pelo Grupo de Estudos Espinosanos, o podcast tem uma afinidade com o filósofo holandês Baruch Espinosa (1632-1677), mas não se limita ao escopo de ideias defendidas por ele. Os apresentadores querem pautar a atualidade, história, política, artes e educação, sempre a partir de pesquisas filosóficas desenvolvidas dentro da universidade. “É interessante que a gente consiga criar uma ecossistema de mais podcasts, porque é um formato que eu acho que veio para ficar. É importante que a universidade pública ocupe esse espaço, porque existe uma demanda e, às vezes, ela é saciada por fontes não tão confiáveis”, conclui Beserra.
Os outros convidados até o momento foram os professores Vinícius Figueiredo (UFPR), Fran Alavina (UFVJM), Sérgio Cardoso (FFLCH), além de Marilena Chauí (FFLCH). Os próximos episódios, já em produção, vão receber os pesquisadores Fernando Bonadia (Unicamp), Julio Canhada (UFSCar) e Lourenço Fernandes Neto (FFLCH), dentre outros nomes da filosofia nacional.
Os próximos episódios do programa Multitudo irão ao ar às terças e quintas, sempre às 8 horas, tanto no canal da FFLCH no YouTube quanto no Spotify. Sugestões de pauta podem ser enviadas para o e-mail natureza.historia@gmail.com.