A vida, a obra e o legado de Antonio Candido

Através de textos, fotos e áudios, o “Jornal da USP” mostra a trajetória de um dos maiores intelectuais do Brasil

 19/05/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 22/05/2017 às 10:22
Antonio Candido, pensador do Brasil – Arte sobre foto de Francisco Emolo/USP Imagens

 

Um dos maiores intelectuais da história do Brasil, o crítico literário, sociólogo e professor da USP Antonio Candido (1918-2017), que morreu no dia 12 de maio, é uma das principais referências do País na área da cultura.
Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP por 50 anos – desde 1942 até 1992 -, Candido foi um dos principais pensadores ligados aos estudos sobre a formação do Brasil, inaugurados nos anos 30 e 40 por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior. Autor de obras fundamentais como Formação da Literatura Brasileira, de 1959, e Os Parceiros do Rio Bonito – sua tese de doutorado em Ciências Sociais, defendida em 1954 -, ele inovou o pensamento sociológico e literário brasileiro.
Nos textos, áudios e imagens a seguir, o Jornal da USP conta um pouco da trajetória de Antonio Candido.
O professor deixou um livro de entrevistas inédito, resultado de encontros semanais que teve com o jornalista Marcello Rollemberg, do Jornal da USP, ao longo de mais de dois anos, no início dos anos 2000. “Em dado momento, o professor aceitou, sim, fazer o livro. Mas com uma condição: o trabalho só seria publicado quando ele morresse”, escreve Rollemberg no texto que abre este Especial.
Nos áudios que o jornal publica, pode-se ouvir a voz do professor, em entrevista à Rádio USP, gravada em 1990, sobre a formação da USP e os professores franceses que formaram o primeiro corpo docente da Universidade. “Quem teve mesmo a ideia da Universidade foi Júlio de Mesquita Filho, associado ao Fernando de Azevedo”, disse Candido.
Também está disponível a entrevista da professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, diretora da FFLCH, concedida à Rádio USP poucas horas depois do anúncio da morte do professor.
Artigos de especialistas sobre a vida, a obra e o legado de Antonio Candido completam esta iniciativa do Jornal da USP em homenagem à memória de um dos maiores pensadores brasileiros e um dos mais ilustres professores da história da Universidade de São Paulo.
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Obra aberta

Marcello Rollemberg, editor de Cultura do Jornal da USP

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Em finais dos anos 1990, começo dos anos 2000, fui convidado pela editora Ivana Jinkings, da Boitempo Editorial, para uma tarefa ao mesmo tempo instigante e complexa – para não dizer quase impossível: convencer o professor Antonio Candido a dar uma longuíssima entrevista, um grande depoimento, na qual sua história de vida se fundiria com a história do Brasil e do mundo, com os vários personagens de carne e osso que o grande professor conheceu ou que foram seus contemporâneos ao longo de décadas. A tarefa era quase impossível por uma razão: Candido já havia sido instado a fazer livro semelhante por pesquisadores brasileiros e estrangeiros e havia negado. Na sua profunda e sincera humildade, afirmava que “não tinha muito a acrescentar”.

Mesmo sabendo das dificuldades, me empenhei. Pedi ajuda – o professor Décio de Almeida Prado, velho amigo de Antonio Candido de uma vida inteira, desde os primórdios da USP e da revista Clima, se dispôs a interceder –, fui atrás dele em cerimônias uspianas ou não, quase fiz plantão em frente à sua casa, ainda no bairro do Itaim Bibi. Ok, fui um jornalista chato e obstinado. Mas qual não é – ou não deveria ser? Ao final de tudo, um prêmio: o professor aceitou começar a conversar comigo. “Neguei várias vezes esse livro, mas você se empenhou muito. Acho que podemos conversar”, me disse ele, na nossa primeira conversa. Nesses encontros iniciais, eu era “Rollemberg”, uma forma clara que o professor encontrou para um distanciamento cortês.

As conversas foram se desenvolvendo – a partir de um momento não mais na casa do Itaim, mas no espaçoso apartamento da Rua Padre João Manuel – e, em dado momento, o professor aceitou, sim, fazer o livro. Mas com uma condição: o trabalho só seria publicado quando ele morresse. Acabei aceitando, relutante, por várias razões. Uma delas era o prazer intelectual que aquelas conversas semanais me davam. Durante pouco mais de dois anos convivi com o professor Antonio Candido semanalmente, gravando nossas conversas, tomando chá – eventualmente um xerez – e ficando cada dia mais embevecido (com o perdão da expressão) não mais com o acadêmico, o ícone da crítica literária brasileira, o antagonista de Getúlio Vargas (que, em uma de nossas conversas, ele confessou estar reavaliando), o fundador do PT. Nada disso. O que me deixava cada vez mais integrado naquelas conversas era o ser humano excepcional que Antonio Candido era. Generoso, a ponto de me presentear com uma pasta com um curso de literatura que havia ministrado em Santa Catarina, já que eu começava a dar aulas; ou com uma biografia de Charles Dickens, que ele sabia ser um de meus autores favoritos.

Um verdadeiro gentleman, desses que não se encontram mais. Divertido, com uma memória fantástica e um talento impressionante para fazer imitações de personagens como Carlos Drummond, Graciliano Ramos… Está tudo gravado, ainda em velhas fitas k-7.

Foi em meio a essas nossas conversas e ao aumento do material editorial de um livro improvável – já que o professor fazia questão de colocar restrições, de querer ler todo o material antes de dá-lo como pronto – que eu creio ter recebido o maior elogio da minha vida profissional, sem exageros. Em um dado dia, enquanto tomávamos chá, o professor Antonio Candido virou-se para mim e, após dizer que estava feliz com o caminho que nossas conversas estavam tomando, que  “talvez” o livro ficasse realmente bom, ele falou: “Sabe, Marcello (já havia um tempo que eu não era mais ‘Rollemberg’), antes éramos dois intelectuais conversando. Agora somos dois amigos”. Se eu pudesse, colocaria essa frase em uma placa de mármore.

Nossas conversas formais para o tal livro se encerraram em 2003, logo depois de Lula ter sido eleito presidente. Segundo Candido, sua eleição coroava toda a luta por liberdades e melhorias sociais que sua geração empreendeu. A partir dali, ele se afastaria das discussões políticas e achava que a eleição era um bom final para o “nosso” livro”. Desde então, nos falamos por telefone, visitei-o algumas vezes e fiz questão de todo dia 24 de julho lhe dar os parabéns pelo aniversário. As conversas eram sempre saborosas, mas eu fazia questão de não falar do nosso trabalho.

O livro vai sair? Não faço ideia. Ele existe, está escrito, mas talvez isso agora nem importe tanto, já que depende de muitos fatores. O que ficou para mim foi a oportunidade de conviver por mais de dois anos com uma pessoa que me ensinou muito, que me abriu sua casa e a possibilidade de sermos amigos. Isso, sim, vale a pena. E certamente é desse material que os sonhos são feitos.


Antonio Candido fala sobre a Universidade de São Paulo

Em 1990, o professor Antonio Candido participou de uma série especial da Rádio USP (93,7 MHz), intitulada Esta é a Universidade de São Paulo – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, coordenada pelos jornalistas Melchiades Cunha Jr. e Marcello Bittencourt. Nela, o professor abordou as origens da USP, destacando a importância do jornalista Júlio de Mesquita Filho e dos professores estrangeiros que formaram o primeiro corpo docente da Universidade.

A formação da USP, por Antonio Candido

Logo da Rádio USP


No áudio acima, Antonio Candido fala sobre a criação da USP. “Quem teve a ideia da Universidade foi Júlio de Mesquita Filho”, afirma o professor.

A visão de Candido sobre a missão francesa 

Logo da Rádio USP


No áudio acima, Antonio Candido afirma que a principal contribuição dos professores franceses para a USP foi o “espírito” de universidade que eles transmitiram.


Um intelectual comprometido com as questões do Brasil

Logo da Rádio USP

Em entrevista à Rádio USP (93,7 MHz), a professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, falou sobre a obra do professor Antonio Candido. “Ele foi um intelectual comprometido com as questões do Brasil”, disse Maria Arminda. “Era mestre no sentido integral da palavra.”

Transmitida ao vivo no dia 12 de maio, poucas horas depois do anúncio da morte do professor, a entrevista foi apresentada no programa Via Sampa, apresentado por Mário Sant, com produção de Heloisa Granito.

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Candido atuou como professor da USP durante 50 anos, de 1942 até 1992 – Foto: Francisco Emolo/USP Imagens

Convívio com Antonio Candido – Momentos

João Baptista Borges Pereira, Professor Emérito da Universidade de São Paulo

Mil novecentos e cinquenta e cinco. Entrei pela porta ampla, toda de ferro e vidro, do prédio da Rua Maria Antonia, logo de manhã, onde iria realizar a prova de redação no vestibular em Ciências Sociais. À minha espera, solidário comigo, andando pelo vasto saguão do prédio, estava Jorge Nagle, meu amigo de infância e colega nos cursos ginasial e normal do Instituto de Educação Leonidas do Amaral Vieira, de nossa cidade, Santa Cruz do Rio Pardo. Mais do que eu, Nagle estava ansioso para saber o nome do professor que iria me examinar. Disse-lhe o nome, desconhecido de ambos. Nagle foi ver pela janelinha da porta o desconhecido examinador. Leia mais…

Antonio Candido, a literatura, a cidade: uma homenagem

Marisa Midori Deaecto, professora do Departamento de Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

Antonio Candido, esse grande brasileiro, era carioca de nascimento, mineiro por temperamento e um paulista vocacionado a transformar e a compreender a cidade, em seus diferentes âmbitos. Esse “grande homem das letras e da justiça”, como bem o definiu recentemente Walnice Nogueira Galvão, foi partícipe de uma geração que desbravou São Paulo, ampliou seus horizontes culturais e vivenciou os momentos decisivos de sua viragem política pelo operariado. Leia mais…

A crítica empenhada

Heitor Ferraz, poeta, doutorando em Letras pela FFLCH e professor de Jornalismo Cultural na Faculdade Cásper Líbero

Para o jornalismo cultural brasileiro, a presença de Antonio Candido deveria ser uma referência obrigatória. Sabemos que, desde cedo, o crítico desempenhou um papel importante, seja nas suas primeiras críticas publicadas na revista Clima, ao lado de seus colegas de faculdade e geração, como Paulo Emílio Salles Gomes, Lourival Gomes Machado e Décio de Almeida Prado, seja posteriormente em sua atividade empenhada de crítico de rodapé, em jornais como Folha da Manhã e Diário de S. PauloLeia mais…

A lição do mestre

Fabio Cesar Alves, professor de Literatura Brasileira do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH

morte de Antonio Candido tem provocado, justificadamente, reações muito comovidas. Tomado de consternação, e em um momento terrível da vida nacional, vejo professores, colegas e alunos meus também emocionados. Não perdemos apenas o maior crítico, o homem empenhado a pensar o País, o descobridor de novos escritores: perdemos também o autor do primeiro ensaio efetivamente dialético no âmbito da crítica literária brasileira, “Dialética da malandragem”, que revolucionou o modo de ler as Memórias de um sargento de milícias e, a partir dele, toda a literatura nacional. Leia mais…

Sétima instância da vida (Antonio Candido)

Aguinaldo José Gonçalves, professor de Teoria Literária da Unesp, poeta, ensaísta e crítico de arte

Há vidas que suplantam a própria vida. Tentei protelar estas palavras por saber quantas serão ainda proferidas em homenagem a Antonio Candido. Entretanto o que move hoje o meu ser inteiro é maior que as vicissitudes do instante. Este homem atuou em minha vida de várias formas e com intensidade incomparável, por isso decidi usar este meio de comunicação para passar às pessoas comuns e não comuns algumas informações/ensinamentos de quem com ele conviveu em planos distintos. Leia mais…

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Edição de arte: Caio de Benedetto


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