A Lua é pop

As viagens espaciais e a chegada do homem ao nosso satélite natural inspiraram livros, discos e filmes

 19/07/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 30/07/2019 as 16:22
Por

MARCELLO ROLLEMBERG

Lua vista da Apollo 11 - Foto: NASA

Desde que o primeiro ser humano olhou para o céu e avistou, flutuando lá longe, aquele disco prateado, nunca mais as coisas foram as mesmas. A Lua inspirou temor, curiosidade, paixões. E uma incrível fascinação. Na prolífera imaginação humana, o nosso único satélite natural já foi habitado por São Jorge, foi esconderijo de monstros espaciais metálicos e transformistas, já teve seu solo cravado por um monolito estranho que zumbia, serviu de pretexto para poemas e poetas dos mais variados naipes – bons e ruins, ambos.

“Porque estava lá”, respondeu sir Edmund Hillary quando lhe perguntaram a razão de ter sido o primeiro a subir os 8.850 metros do Everest. Da mesma forma, pode-se dizer que o homem resolveu ir à Lua também porque ela estava lá – já há alguns bilhões de anos e a 384 mil quilômetros de distância. Porque ela, já se disse isso, sempre inspirou curiosidade e fascinação. E no dia 20 de julho de 1969, um domingo, aquela curiosidade começou a ser saciada, enquanto a fascinação só aumentava. Junto com o satélite que visitavam, Neil Armstrong (e sua famosa frase), Buzz Aldrin – os primeiros a saracotearem pelo solo lunar – e seu companheiro astronauta Michael Collins, que orbitava a Lua a 96 mil metros de altura à espera dos outros dois, entraram no imaginário popular.

Na verdade, engordaram esse imaginário. Se a Lua já serviu de fonte inspiradora para poetas, faz tempo também que ela e as viagens espaciais servem de inspiração para escritores, músicos e cineastas. Isso, sem se falar de séries televisivas que vivem na memória afetiva de muitos, principalmente as dos anos 1960, como Perdidos no Espaço, Star Trek e Jeannie é um Gênio – o major Nelson era astronauta, lembram? Na ficção ou na realidade, a Lua é pop. 

Leia o livro, veja o filme

Stanley Kramer Productions / Wikimedia Commons

Há muito tempo viajar pelo cosmo – e mais precisamente, ir à Lua – tem sido uma fonte onde os escritores não cansam de encher seus cântaros de ideias. Pode-se citar, por exemplo, Cyrano de Bergerac – o próprio, não aquele ficcionado por Edmond Rostand no século 19 -, que no ano de 1657 escreveu Histoire Comique des Etats et Empires de la Lune (História Cômica  dos Estados e Impérios da Lua), talvez a primeira obra moderna a tratar de viagens espaciais – isso, quando o homem não tinha sequer inventado a bicicleta.

Mais conhecido do que o trabalho do narigudo Cyrano é De la Terre à la Lune (Da Terra à Lua – ou Viagem à Lua ou ainda, Viagem ao Redor da Lua, dependendo do editor brasileiro), do francês Julio Verne, um dos precursores da ficção-científica na literatura. Publicado originalmente em 1865, a história serviu de inspiração – ao lado de The First Man in the Moon (O Primeiro Homem na Lua), de H.G. Wells, publicado em 1901 – para aquele que é considerado o primeiro filme SciFi de todos os tempos: Voyage dans la Lune (Viagem à Lua), do francês Georges Méliès. Lançado em 1902 e eleito pela publicação americana Village Voice como um dos cem melhores do século 20, o filme é uma deliciosa – e improvável – alegoria da chegada do homem à Lua. É dele a cena que se tornou clássica, com o foguete sendo lançado por um canhão e acertando o olho de uma Lua atônita e enfurecida.

A relação livro-filme, com adaptações para as telas do que autores colocaram no papel das mais variadas qualidades, é uma constante. Mas quando se trata de viagens à Lua ou do tão propalado programa espacial americano, essa relação é ainda mais intensa. Muito do que saiu em livro acabou virando filme – e de sucesso.

Para a lista não ficar muito extensa, cita-se aqui pelo menos dois: Os Eleitos, de Tom Wolfe (um dos criadores do new journalism), e O Primeiro Homem, de James Hansen. O primeiro trata dos primeiros 15 anos de trabalhos da Nasa, ainda nos anos 1950, quando pilotos militares eram arrebanhados para fazer parte de um projeto que poucos entendiam e menos ainda sabiam do que se tratava. Nada demais: era só colocar o homem no espaço. A corrida espacial tinha tido a sua largada. Lançado em 1983, o filme dirigido por Philip Kaufman – como o livro – centra força na figura de dois astronautas que se tornaram ícones americanos: John Glenn e Alan Shepard.

O Primeiro Homem entrega o enredo logo no título: é a biografia de Neil Armstrong. Livro e filme foram lançados juntos, ano passado, na marqueteira ideia de aproveitar a curiosidade do consumidor por todos os lados. No filme, que ganhou Oscar de efeitos visuais, Armstrong é interpretado por Ryan Gosling – e sua performance de chuchu finalmente encontra guarida na personalidade casmurra e distante do primeiro astronauta a pisar na grudenta poeira lunar. 

Nesta lista de filmes lunares e espaciais, não poderiam faltar pelo menos dois, quase uma obviedade inescapável (tanto como citar 2001, Uma Odisseia no Espaço, de Kubrick, que fica aqui como hors-concours): Apollo 13 e Perdido em Marte. Eles, pode-se dizer, tratam daquilo que não foi, ou do que poderia dar muito errado e acabou se consertando. Enquanto Perdido em Marte conta, entre drama e comicidade, a história de superação de um astronauta (Matt Damon) deixado no planeta vermelho por engano por seus companheiros, Apollo 13 é a história real da missão que não chegou nem perto da Lua. No meio do caminho, uma explosão no módulo de serviço fez com que a missão fosse abortada e o que se vê no filme é justamente a epopeia dos astronautas para voltarem vivos para a Terra.

Houston, we have a problem” (“Houston, temos um problema”) se tornou uma frase quase tão emblemática quanto aquelas dos passos de Armstrong, só que com polaridade invertida. E talvez o problema fosse quem a proferiu: o astronauta e comandante da missão Jim Lovell (vivido no filme por Tom Hanks). Ele estava na tripulação original da Apollo 11, mas problemas de saúde de Michael Collins – que estava na equipe da Apollo 8 – obrigaram a Nasa a fazer um reescalonamento, com Lovell e Collins trocando de lugar. Tudo bem, haveria a Apollo 13. Mas não houve. Definitivamente, não era para Lovell ir à Lua.  

Música no espaço

Toda boa história merece uma trilha sonora adequada. E a Lua e as viagens espaciais inspiraram muitos artistas, principalmente a partir da década de 1960, quando idas ao espaço, rock e cultura pop acabaram por criar um amálgama inextricável.

Para começar de uma forma mais suave, pode-se escolher Fly me to the Moon – e não qualquer versão, já que ela foi gravada por vários cantores. Melhor ser a que Frank Sinatra gravou com Tom Jobim em um de seus últimos álbuns, aquela em que Tom convida: “Francis, let’s fly…” O ambiente está pronto.

Reproduzir vídeo

A partir daí, é entrar no clima quase lisérgico que a Lua e outras viagens ao cosmo criaram. Em 1966, por exemplo, o grupo americano The Byrds lançou Mr. Spaceman e criou seu pequeno rebuliço, já que falava abertamente de vida extra-terrestre e outras aventuras estelares. Essa música ganhou uma versão em português em 1974 pelas mãos de Raul Seixas, com o título de S.O.S. (Disco-Voador), só que sem qualquer menção à autoria original, de Jim McGuinn. Outra curiosidade: ela foi usada para despertar os astronautas do ônibus espacial Discovery durante sua missão em setembro de 1984.

Reproduzir vídeo

Já nos anos 1980, os britânicos do The Police deram seu passo em direção à Lua. Menos afamada do que Every Breath you Take, por exemplo, Walking on the Moon tem o mérito de, em seu videoclipe, trazer imagens originais do lançamento da Apollo 11, enquanto Sting e seus companheiros passeiam entre foguetes Saturno V. Vale a pena, mas mais como reminiscência histórica do que excelência musical.

De tantos artistas que se inspiraram olhando para o céu, talvez aquele que chegou mais longe nesse objetivo tenha sido David Bowie. Para começar, ele lançou seu primeiro grande sucesso, justamente chamado Space Oddity – quando ele apresenta ao mundo o astronauta “Major Tom” -, em julho de 1969, exatamente para coincidir com o pouso da Eagle em solo lunar. Três anos depois, ele chegou ao seu paroxismo pessoal, criando a persona andrógino-alienígena Ziggy Stardust e lançando mais um sucesso intergaláctico: Starman. Ao longo dos anos 1970, Ziggy foi deixado de lado, mas isso não impediu Bowie de, em 1980, revisitar – e desconstruir – seu “Major Tom”. Em Ashes to Ashes, o velho astronauta é apresentado como “Major Tom is a junkie” – “Major Tom é um viciado”. E a poesia foi para o espaço. 

Marcello Rollemberg é editor de Cultura do Jornal da USP


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.