A estética sexual integra a arte no Japão

Professora da USP lança obra sobre a erótica na arte japonesa entre os séculos 17 e 19

 12/07/2017 - Publicado há 7 anos
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Em dois volumes com um total de 848 páginas, A Erótica Japonesa na Pintura & na Escritura dos Séculos XVII a XIX, de Madalena Natsuko Hashimoto Cordaro, resgata o tema e a poética do erotismo na arte japonesa. Reúne centenas de imagens que, aliadas ao primor editorial da Editora da USP (Edusp), convidam o leitor a contemplar o universo dos sentidos.
O livro é fruto da pesquisa da tese de livre-docência defendida há seis anos na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Madalena é professora do Departamento de Línguas Orientais da FFLCH e uma das especialistas no Brasil em cultura japonesa. Nas primeiras páginas, destaca o pensamento do historiador e crítico de arte Yoshihiko Shirakura:

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Parece não existir nenhuma época em que não tenha havido interesse pelo amor sexual, porém, no período Edo, em particular, ele se impregnou até na gente mais comum, e podemos dizer que foi uma época de altíssima concentração na temática erótica.
Pode-se também dizer, de outra forma, que foi um período em que se entrelaçaram as artes e o sexo. Se, por um lado, a área de prazeres Yoshiwara vendia o sexo, por outro, era também local de apreciação das artes; no teatro kabuki, ao mesmo tempo que se apreciava a arte do palco, vendia-se o sexo tanto para homens como para mulheres.”

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Diferenças entre o erotismo na China e no Japão

Ao longo do livro, o leitor vai percebendo as diferenças entre as gravuras chinesas e japonesas inspiradas no erotismo. A autora explica que, na transmissão de obras chinesas ao Japão, que se intensificou no século 18, obras de caráter notadamente confucionista tornaram-se embriões de muitos mitos tratados por Ueda Akinari e Takizawa Batin. Segundo o historiador Yoshikawa Kojirô, é notável a influência de obras chinesas. A autora cita a argumentação de Kojirô: “Afirma ele que, ao se comparar essa produção, nota-se que no Japão as narrativas fictícias são mais idealizadas, enquanto na China elas têm uma tendência realista mais acentuada”, destaca. “Talvez do ponto de vista visual, também tal diferença seja prevalecente. É o que almejamos demonstrar.”

Detalhe de Jardins do Prazer, pigmento sobre seda, pintor desconhecido

O que chama a atenção nas gravuras não é apenas a prática sexual, mas o cenário em que ela se insere, com detalhes que sugerem a atmosfera do prazer. “Rodeados de objetos indicadores de cultivo do gosto e arte, a atmosfera de refinamento é dominante em grande parte da primeira produção erótica em ambas as culturas, embora, no caso chinês, a profusão de objetos tridimensionais e detalhes arquitetônicos seja mais acentuada em relação a uma maior economia na representação espacial nipônica, que se satisfaz em não mostrar todos os atributos elegantes do homem culto: pintura, música, literatura, as artes do bonsai, aromas, jogos, chá, culinária, pedras invulgares e pinheiros torcidos. Também importante é a referência sazonal, sempre.”

Recorte minimalista do período Edo

As imagens reunidas nos dois volumes são analisadas com critério. Madalena dispõe de seu conhecimento da história da arte japonesa para apresentar um estudo minucioso. Faz um recorte, como ela própria esclarece, minimalista dos séculos 17 a 19, conhecido como o período Edo ou Tokugawa no Japão.

Escola de Kitagawa Utamaro (1753-186), sem título

No primeiro volume há dois capítulos que orientam o leitor na compreensão das imagens – “Algumas práticas femininas” e “Os belos garotos” –, que são ilustrados com obras representativas. No primeiro deles, a autora traz a sexualidade feminina sob diversos ângulos. Cita a análise da socióloga japonesa Ueno Chizuko, que aborda temas como masturbação, mãe erotizada, família sexualizada, anatomia pornografizada e obscenidade. As conclusões da socióloga são polêmicas. Ressalta que o erotismo do período Edo foi produzido e comercializado por homens, para homens e entre homens. Ou seja, a sexualidade feminina foi construída pelo olhar masculino.

A autora também polemiza: “Complexas que são as questões de gênero sobre as quais pesquisadores contemporâneos têm se debatido, nota-se que a posição de Ueno é de um feminismo exacerbado e um tanto anacrônico, pois como exigir a presença produtiva de mulheres em campos a elas restritos?”. As imagens reproduzem cenas que destacam as proporções agigantadas tanto do falo quanto da vulva.

Detalhe da pintura de Utagawa Kunimaro (1794-1829)

O segundo capítulo traz uma realidade pouco divulgada, que é o treinamento dos garotos na sedução dos homens. “O treinamento estrito e restrito das mulheres, desde a mais tenra idade, para os entretenimentos artísticos, que incluem também o sexo, é já bastante notório no Japão desde o século 17, e ainda hoje permanece na atividade das gueixas, que se tornaram produtos de interesse turístico nas pequenas ruas de Quioto, uma existência construída num corpo moldado a ser exportado, enquanto imagem de quintessência de feminilidade”, aponta Madalena. “Menos conhecido entre nós, entretanto, é o treinamento dos garotos para exercer tais atividades correlatas, que, da mesma forma, também incluem o sexo.” Uma análise que resgata os costumes da arte e das tradições e cultura dos desejos humanos. “Despirmo-nos desses juízos é imprescindível ao nos debruçarmos sobre a representação dessa erótica que não mascara o lodo e quer rir de seus prisioneiros, os quais nem sempre são os mais fracos – garotos, meninas, mulheres –, mas, em última instância, incluem todos os que flutuam no mundo que corre: herdeiros perdulários de casas comerciais, samurais indolentes e covardes, samurais nobres mas decaídos pela falta de batalhas, entes que lucram com a criação de valor econômico em torno dos desejos, até os que caem nas redes do amor.”

Utagawa Kinoyoshi (1798-1861), estampas soltas, período Tenpô (1830-1844)

Os capítulos que se seguem no decorrer das páginas do segundo volume destacam estudos sobre livros e álbuns eróticos, segundo a apreciação estética da autora. “Muito mais haverá a ser dito sobre a erótica japonesa, tanto do ponto de vista da poesia como das narrativas em prosa, das pinturas e dos procedimentos gráficos, sem deixar de referir a dança, a representação do corpo, as minúcias têxteis, a música: artes que exalam sedução, sentimento e abandono aos sentidos, efêmeros e pujantes.”

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A Erótica Japonesa na Pintura & na Escritura dos Séculos XVII a XIX, de Madalena Natsuko Hashimoto Cordaro, Edusp, 848 páginas (dois volumes), R$ 390,00.

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