Teste da saliva permite detectar diferenças na carga viral de coronavírus

Dados preliminares sugerem que homens têm mais vírus na saliva que mulheres, mas ainda é necessária a confirmação com estudos maiores

 17/06/2021 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 27/08/2021 as 13:14

Por Júlio Bernardes
Arte: Lívia Magalhães/Jornal da USP

Exame de saliva desenvolvido na USP é capaz de apontar uma diferença de carga viral não detectada nos testes feitos com amostras tiradas do nariz e faringe. Testes feitos em pacientes com covid-19 sugerem, por exemplo, que os homens têm uma maior carga de vírus na saliva do que mulheres, algo que não aparece nos swabs de nasofaringe. Segundo os pesquisadores, essa diferença precisa ser confirmada por novos estudos, envolvendo um maior número de casos e em outros contextos.

O resultado foi obtido em um estudo preliminar coordenado pelo Centro de Pesquisa sobre Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL), do Instituto de Biociências (IB) da USP. Os pesquisadores desenvolveram um teste rápido para detecção do coronavírus, que pode ser feito em locais com pouca infraestrutura, com menos custos. Os dados do trabalho são apresentados em preprint (versão prévia de artigo científico, ainda sem revisão) publicado no site medRxiv em 9 de junho. 

“Nosso objetivo inicial foi desenvolver um teste diagnóstico baseado na técnica RT-LAMP, que fosse mais barato, que não dependesse de insumos importados ou disponibilidade de infraestrutura laboratorial sofisticada, e que permitisse um rápido diagnóstico, num período de 24 horas”, explica o pesquisador Gerson Kobayashi, do CEGH-CEL, primeiro autor do trabalho. O RT-LAMP é uma técnica de amplificação e detecção de material genético semelhante ao RT-PCR, porém é mais rápida, mais barata e não requer equipamentos especializados para sua execução.

“Estas características seriam importantes para se reduzir o risco de transmissão, principalmente frente às limitações de acesso a insumos internacionais e necessidade de testagem rápida impostas pela pandemia. Vale ressaltar que o teste utiliza a saliva, que é de fácil acesso e que não requer profissionais especializados para a coleta, simplificando todo o processo.”

Gerson Kobayashi – Foto: Arquivo pessoal via Linkedin

O teste é feito com saliva, o que facilita o processo - Foto: Freepik

Para desenvolver a metodologia, os pesquisadores usaram cerca de 150 amostras de saliva coletadas de pacientes com sintomas de covid-19, em colaboração com o Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e com a empresa Prevent Senior. “Para determinar o seu potencial no diagnóstico, também analisamos a carga viral nestas salivas e comparamos com dados do teste RT-PCR feito em swabs de nasofaringe, que é o padrão ouro atual para diagnóstico de covid-19”, diz o pesquisador. 

De acordo com Kobayashi, no teste de saliva, a interpretação dos resultados pode ser feita na mudança de cor dos tubos que ocorre durante a reação. “Desenvolvemos uma solução que estabiliza o genoma do vírus na saliva, assegurando uma alta taxa de detecção por RT-LAMP e eliminando procedimentos de isolamento e purificação deste material, que são necessários para o teste de RT-PCR padrão e que consomem tempo e recursos”, relata. “Esta solução é composta de ingredientes acessíveis e disponíveis na maioria dos laboratórios.”

Carga viral

A pesquisa verificou que a quantidade de vírus na saliva é maior nos primeiros dias de sintomas e decai consideravelmente dentro de dez dias, o que corresponde a dados recentes de transmissibilidade da doença. “Também verificamos que homens possuem cerca de dez vezes mais vírus na saliva do que mulheres, particularmente em indivíduos abaixo dos 40 anos de idade, o que pode estar relacionado à maior chance de desenvolvimento de sintomas graves observada em homens”, explica Kobayashi. “Não obtivemos esses resultados para os swabs de nasofaringe, o que sugere que a saliva se correlaciona melhor com a dinâmica de transmissão e infecção do vírus.”

Segundo a professora Maria Rita Passos-Bueno, do IB, que coordenou o estudo, os dados preliminares mostram que os homens, especialmente os mais jovens, têm maiores chances de dispersar o vírus, contribuindo mais para a transmissibilidade do que as mulheres. 

“Como as mulheres tem quadros clínicos de covid-19 mais leves do que os homens, uma hipótese para essa diferença na carga viral é que o sistema imunológico das mulheres é mais eficiente para eliminar o vírus, porém isso também precisa ser comprovado por estudos epidemiológicos e laboratoriais.”

“No entanto, esse resultado precisa ser confirmado por novos estudos, envolvendo um maior número de casos e em outros contextos”, aponta. Foram analisadas apenas 49 amostras nesta comparação entre os sexos.

Maria Rita Passos-Bueno – Foto: Arquivo pessoal

Além da possibilidade de testagem rápida, de menor custo, e passível de execução em locais com pouca infraestrutura, os pesquisadores enfatizam que a testagem em saliva pode ser mais vantajosa do que testes baseados em swabs de nasofaringe, uma vez que a saliva parece refletir melhor as características biológicas e de transmissão do vírus sars-cov-2. “Por exemplo, é possível que um resultado positivo na nasofaringe não necessariamente indique que o indivíduo está em fase de transmissão do vírus, a qual pode depender mais da quantidade de vírus em saliva e do tempo desde o início dos sintomas”, destaca Kobayashi. “Mais estudos devem ser feitos para confirmar estas hipóteses.”

Maria Rita e Kobayashi ressaltam que devido à sua simplicidade, velocidade e acessibilidade, o teste da saliva pode ser realizado periodicamente para um melhor controle da pandemia. “O número de dados fornecidos por testes de saliva vem crescendo, e quanto mais se entende a presença do vírus, maior é a segurança no uso dos resultados”, aponta a professora do IB. “Como a boca é um dos principais meios de transmissão do coronavírus, uma indicação de carga viral baixa na saliva é importante no controle da pandemia, pois um teste negativo pode indicar menores chances de transmissão dos vírus.”

Os pesquisadores estão viabilizando a execução do teste com insumos produzidos pelo grupo do professor Shaker Chuck Farah, do Instituto de Química (IQ) da USP, para tornar a estratégia ainda mais acessível do ponto de vista econômico e logístico. Ao mesmo tempo, está em implementação um hub de testagem em São Caetano do Sul (Grande São Paulo), em colaboração com pesquisadores do IMT e da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. As conclusões do estudo preliminar são descritas no preprint A novel RT-LAMP workflow for rapid salivary diagnostics of COVID-19 and effects of age, gender and time from symptom onset, publicado no site medRxiv em 9 de junho.

Mais informações: e-mails passos@ib.usp.br, com a professora Maria Rita Passos-Bueno, e gshigeruk@gmail.com, com Gerson Kobayashi

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