A pesquisa faz parte do banco de dados do projeto internacional The Relevance of Science Education (Rose) que mapeia a percepção de estudantes sobre o ensino de ciências nas salas de aula em mais de 40 países. – Foto: Montagem sobre fotos de Cecília Bastos/USP Imagens

Pesquisa mostra percepção de alunos sobre estudo da biodiversidade

Jovens da região amazônica têm mais interesse em estudar plantas e animais de sua região do que os do Sudeste

26/08/2020
Por Ivanir Ferreira

Estudantes brasileiros do ensino médio apoiam causas de conservação ambiental, mas o interesse deles em estudar a biodiversidade  amazônica em sala de aula varia de uma região para outra no Brasil. Foi o que revelou uma pesquisa que deu origem a um artigo na Science Advances: Amazon conservation and students’ interests for biodiversity: The need to boost science education in Brazil, cujo coordenador da pesquisa é Nelio Bizzo, professor da Faculdade de Educação (FE) da USP, e do Núcleo em Educação, Divulgação e Epistemologia da Evolução Biológica (Edevo-Darwin).

A pesquisa ainda mostra que os jovens do Norte do País têm maior interesse pelo aprendizado da fauna e a flora locais, enquanto que os do Sudeste demonstraram menos interesse pelo estudo da biodiversidade local. Porém, todos concordam com a necessidade urgente de ações para proteger o meio ambiente e discordam de que esse seja o papel esperado unicamente dos países ricos.

O retrato da percepção dos estudantes brasileiros em relação ao meio ambiente faz parte da base de dados de um projeto internacional: The Relevance of Science Education (Rose), aplicado em mais de 40 países e coordenado por pesquisadores da Universidade de Oslo, Noruega. No contexto brasileiro, o projeto foi coordenado pelo grupo de pesquisa da FE e abrangeu amostragem de escolas de todas as regiões brasileiras. A pesquisa originou uma “base de dados com um repositório de aproximadamente um milhão de itens respondidos pelos alunos, conteúdo que pode ser investigado de diferentes formas”, informa o professor Bizzo ao Jornal da USP.

Nelio Bizzo, coordenador da pesquisa e professor da Faculdade de Educação (FE) da USP, e do Núcleo em Educação, Divulgação e Epistemologia da Evolução Biológica (Edevo-Darwin) – Foto: Divulgação/Site Nélio Bizzo

A pesquisa

No Brasil, a pesquisa aconteceu em diferentes momentos, em 2007 (como projeto piloto em algumas cidades) e 2010 e 2014 (com representação nacional), tendo a participação de estudantes que estavam iniciando o ensino médio e estavam na faixa dos 15 anos. As questões foram formuladas com a metodologia de escala Likert, que permite aos participantes responder o quanto que eles concordavam ou discordavam de determinadas afirmativas autodescritivas.

Segundo Nelio Bizzo, inicialmente, foi analisada a distribuição do interesse pelo estudo da biodiversidade local pelas regiões brasileiras, quando foram observadas diferenças estatisticamente significativas. Foi perguntado aos alunos o quanto eles estavam interessados em aprender tópicos relacionados a animais e plantas da biota local. As respostas mostraram que 788 alunos (43,7%) tinham “interesse” em estudar a biodiversidade brasileira, e 1.015 alunos (56,3%) demonstraram-se “desinteressados”.

De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), existem cerca de 40 mil espécies de plantas, 300 espécies de mamíferos e 1,3 mil espécies de aves habitando nas florestas densas e abertas da Amazônia – Foto: Vinícius Mendonça/Ibama – Flickr CC BY-SA 2.0

Dentre esses dois grupos, verificou-se que os estudantes que tinham maior interesse pela biodiversidade local estavam localizados em escolas do Norte do País. Já no grupo dos “desinteressados” pelo tema biodiversidade estavam os alunos das regiões Sul e Sudeste.

Dentre os alunos que viviam na região amazônica, cerca de 50,4% estavam dispostos a estudar plantas e animais de sua região, enquanto que no Sudeste apenas 33,1% mostraram interesse. A região Nordeste também se destacou com o segundo maior número relativo de alunos motivados em conhecer a biodiversidade local.

No entanto, quando os alunos responderam questões relativas à proteção do meio ambiente, a declaração “as pessoas deveriam se preocupar mais com a proteção do meio ambiente” foi a que mais obteve concordância entre todos os estudantes – o oposto de “ameaças ao meio ambiente não são da minha conta”, que menos pontuou. Complementando esse tema, a questão “somente os países ricos são responsáveis por resolver problemas ambientais” também sofreu forte rejeição entre alunos de todas as regiões brasileiras.

Inclusão dos saberes indígenas 

Para o pesquisador, os resultados desse trabalho trazem evidências de que o ensino de ciências precisa passar por mudanças. É preciso impulsionar os currículos escolares brasileiros, aprimorando estudo da biota tropical. Em sua opinião, a conservação da Amazônia depende de maior conhecimento de sua complexidade socioambiental. 

É importante incluir os saberes locais e indígenas no estudo da região, que foi habitada há muito mais tempo e por um contingente muito maior de povos pré-colombianos (antes do aparecimento dos europeus no continente americano) do que a escola ensina aos nossos jovens hoje”, afirma.

Índios da etnia Waiapi – Foto: Heitor Reali/IPHAN/iphan.gov.br

“Os materiais didáticos precisam ser diferenciados e flexíveis, a fim de proporcionar estímulo aos alunos que possuem pouco interesse pelas questões da biodiversidade, como é o caso do Sudeste, e maior aprofundamento do conteúdo da biodiversidade local para estudantes do Norte”, conclui.

O artigo Amazon conservation and students’ interests for biodiversity: The need to boost science education in Brazil é o resultado do primeiro ano de pesquisas do Projeto Temático “O programa Biota-Fapesp e a Educação Básica: possibilidades de integração curricular”, que conta com a participação de pesquisadores de cinco instituições paulistas (USP, UNIFESP, UFABC, USCS e IBu). Além do artigo, a base de dados do Rose-Edevo-Darwin também gerou várias pesquisas, entre elas cinco doutorados na Faculdade de Educação da USP.

Mais informações: e-mail bizzo@usp.br com Nelio Bizzo


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