Foto: Angela de Palma/Wikimedia Commons

Pesquisa mostra como biodiversidade e biomassa afetam estoques de carbono no Cerrado

Estudando a ligação entre esses elementos fica ainda mais clara a necessidade de preservação do bioma, que sofre com as queimadas e o avanço do desmatamento

 04/05/2023 - Publicado há 12 meses     Atualizado: 08/05/2023 as 15:29

Texto: Camilla Almeida

Arte: Joyce Tenório

O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro: além de cobrir 25% do nosso território, ele ainda abriga uma das mais notáveis biodiversidades do mundo. Contudo, com o avanço do desmatamento e das queimadas na região central do País, o Cerrado se encontra em constante ameaça. Pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP estudaram a relação entre a biodiversidade do Cerrado, seu estoque de carbono e a biomassa de sua vegetação, contribuindo para um melhor entendimento sobre como mudanças no uso da terra afetam as emissões de gases de efeito estufa.

O conceito de biodiversidade abrange todo o conjunto de fauna e flora e suas variabilidades e pode ser usado em referência a um determinado local. O estoque de carbono representa a quantidade de gás carbônico (CO2) retirado da atmosfera e fixado pelas plantas durante o processo de fotossíntese. A absorção do gás pela vegetação é um mecanismo essencial para a regulação de temperaturas e mitigação das mudanças climáticas. A biomassa, por sua vez, é material orgânico – neste caso, vegetal, oriundo das árvores – e um objeto importante no cálculo do carbono absorvido pela flora, já que ela detém de 48% a 52% de carbono em sua composição.

Para a realização do estudo, um trabalho de levantamento de informações sobre as árvores e o solo foi feito na Reserva Biológica de Mogi Guaçu, no interior de São Paulo. A área total analisada foi de 5 mil metros quadrados (m2) e se refere ao Cerrado stricto sensu, ou seja, onde o bioma apresenta suas características clássicas. Dentre elas, pode-se citar os galhos retorcidos, folhas mais largas e a presença de solos profundos.

“Foi observada uma maior reserva de carbono em áreas com mais biomassa e com maior biodiversidade. A vegetação é muito importante para a ciclagem de outros nutrientes e para a própria manutenção da biodiversidade”, explica ao Jornal da USP Ana Paula Risante, uma das autoras do estudo, feito sob orientação do professor Ciro Abbud Righi. Ao absorver o carbono durante a fotossíntese, as plantas estocam certa quantidade dele. O elemento fixado, por sua vez, é translocado para o solo por meio da serrapilheira (folhas caídas e restos vegetais), realizando a sua ciclagem e de outros nutrientes. O estudo revelou que a maior quantidade de carbono orgânico está justamente na camada mais superficial do solo.

Ana Paula Risante - Foto: Arquivo pessoal

Os resultados foram apresentados no artigo Biodiversity and biomass relationships in a cerrado stricto sensu in Southeastern Brazil, publicado na revista Environmental Monitoring and Assessment, em março de 2023. 

“Nós fomos identificando toda a vegetação, árvore por árvore. Depois veio a parte de solo, quando retiramos amostras para realizar medição da profundidade. Com isso nós fizemos um levantamento, que foi utilizado para análise de biodiversidade”, detalha a pesquisadora. Foram analisadas 773 árvores e retiradas 120 amostras de solo para averiguar a presença de carbono orgânico. 

O estudo considerou a biomassa florestal acima do solo (BMAS), que diz respeito ao carbono fixado via fotossíntese nas plantas. “A biomassa e o carbono andam juntos. À medida que a biomassa aumenta, a quantidade de carbono vai subir, assim como seu estoque. A biomassa em si é muito importante, já que ela garante a fertilidade do solo e a sobrevivência da biodiversidade de toda a vegetação”, explica Ana Paula. Essencial na manutenção das propriedades do solo, ela também aumenta a capacidade de retenção de água e contribui para a sua estrutura física.

As relações encontradas pelo estudo explicitam a necessidade de conservação do bioma. Atualmente, apenas 8,2% do Cerrado se encontra protegido em áreas de reserva ambiental, enquanto o desmatamento atingiu seu maior valor em sete anos: cerca de 10,689 km2 foram devastados em 2022, o que representa um aumento de 25% em comparação ao ano anterior. Os recordes de devastação se alinham à expansão da fronteira agrícola em áreas com a predominância do bioma. “O Brasil é um país extremamente ligado ao agronegócio. Eu acredito que as pessoas ainda não tenham sentido o que pode acontecer com a devastação dessa vegetação. Deveria haver um ponto de equilíbrio entre o desmatamento e a produção agrícola”, defende Ana Paula.

A pesquisadora ainda destaca que há uma limitação nas pesquisas sobre o bioma e sua biodiversidade. “Ainda existem poucos estudos sobre a importância do Cerrado. Foi muito difícil achar referências de trabalho sobre o bioma. É essencial que se evidencie a relevância do Cerrado para a biodiversidade do nosso País”, afirma ela. O estudo é pioneiro no encontro da relação entre estoques de carbono no bioma e sua biodiversidade. 

As consequências da devastação do Cerrado não se limitam apenas à perda irreparável de sua biodiversidade, mas se mostram no aumento da emissão de gás carbônico e a consequente contribuição para o aquecimento global. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o bioma deteve 20.095 pontos de incêndio apenas no primeiro semestre de 2022, e representa 45% de todas as queimadas que acontecem no Brasil. Com o processo de combustão da vegetação e a eliminação das árvores por meio do desmatamento, os estoques de carbono são eliminados e voltam em forma de CO2 para a atmosfera. 

Ciro Abbud Righi - Foto: Arquivo pessoal

O Cerrado ocupa uma área de quase 2 milhões de quilômetros quadrados (km2), que abrange os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Distrito Federal, Bahia, Maranhão, Piauí e porções de São Paulo. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, estima-se que o Cerrado possua mais de 6 mil espécies de árvores. O bioma é considerado uma das 27 áreas críticas de biodiversidade do planeta e alto grau de endemismo – espécies específicas da área – principalmente em relação à sua vegetação.

Mais informações: e-mails ciro@usp.br, com Ciro Abbud Righi, e anapaularisante@gmail.com, com Ana Paula Risante

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